Franklin Martins: “Em que mundo vivem o CNMP e o CNJ?”

A decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) autorizando promotores e procuradores nos estados a receberem gratificações que, somadas aos vencimentos, levam seus contracheques a ultrapassar o subteto dos estados, permite dois tipos de di

por Franklin Martins


 


Uma sobre o teor da decisão, outra sobre o rumo que estão tomando os conselhos criados para exercer algum tipo de controle externo sobre o Judiciário e o Ministério Público.


 


Comecemos pela decisão. Ela é um desrespeito flagrante à Constituição, que diz que a remuneração de um funcionário público nos estados não poderá exceder, a qualquer título, a 90,25% do que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal. Não é o primeiro caso recente de agressão ao princípio do teto nacional e dos subtetos estaduais. Nas últimas semanas, o mesmo CNMP aprovou pagamento de jeton mensal a seus membros no valor de R$ 5.586, o que, na prática, atropela o limite nacional. Quase simultaneamente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo do Poder Judiciário, também enviou ao Congresso projeto de lei autorizando o pagamento de jeton a seus integrantes. Em todos os casos, alegou-se que se trata de trabalho extraordinário e de remuneração pessoal e transitória – nada a ver com o teto do funcionalismo, portanto.


 


No entanto, a emenda constitucional de 19 de dezembro de 2003, que estabelece os tetos e subtetos para os vencimentos do funcionalismo, é clara. Para que não paire qualquer dúvida sobre o assunto, ela diz com todas as letras que os tetos e subtetos valem não só para a remuneração e o subsídio dos ocupantes dos cargos, mas também para “proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza” (os grifos são meus; se o leitor quiser, ao final dessa coluna, pode ler o texto integral do art. 37, XI, da Constituição).


 


Como o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, já anunciou que entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a decisão do CNMP, caberá ao Supremo Tribunal Federal a palavra final sobre o assunto. Vamos acompanhar de perto, até porque, se a decisão do CNMP prevalecer, em breve assistiremos a uma corrida nos altos escalões do funcionalismo dos três poderes para que outras vantagens pessoais não sejam atingidas pelo princípio do teto. É bom não subestimar o poder de fogo desse pessoal.


 


A segunda questão suscitada pelas recentes decisões do CNMP e do CNJ é sobre o rumo que estão tomando esses órgãos. Ambos vieram ao mundo enfrentando enormes resistências de setores do Ministério Público e do Poder Judiciário. No caso do Conselho Nacional de Justiça, chegou-se a dizer inclusive que sua criação seria uma ameaça à independência dos juízes, que passariam a ter suas sentenças vigiadas e submetidas a um órgão externo ao Poder Judiciário, quando em momento algum isso esteve em discussão. Afinal, o controle externo exercido pelo CNJ se dá apenas em termos administrativos, orçamentários e disciplinares. 


 


Mas a grita foi tão grande que a composição final do conselho acabou desequilibrada, dando larga prioridade a membros do próprio Poder Judiciário, com uma participação meramente simbólica de pessoas de fora. No CNJ, são nove ministros de tribunais superiores, desembargadores ou juízes, dois membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico, indicados pelo Congresso. No caso do CNMP, são oito membros do Ministério Público, dois juízes, dois advogados e dois cidadãos indicados pelo Congresso. 


 


Com uma composição dessas, há uma forte tendência de que nos dois conselhos os interesses corporativos das instituições venham a prevalecer sobre os interesses gerais da sociedade, quando for o caso de eles não coincidirem. Para contra-balançar esse impulso, seria necessário que os integrantes dos dois conselhos não perdessem de vista, em momento algum, que devem sua primeira lealdade à sociedade para quem trabalham, e não às corporações das quais são egressos. Infelizmente, parece que essa saudável ponderação não vem ocorrendo.


 


É um problema para o CNJ e para o CNMP. É um problema para a sociedade. Em algum momento, todos terão de falar a mesma língua e viver no mesmo mundo. 


 


Fonte: portal IG