Serra cria polêmica ao montar secretariado conservador

Governador eleito de São Paulo, José Serra mantém vários auxiliares herdados da administração anterior e descontenta parte de sua base de apoio. Áreas de meio ambiente, segurança e trabalho provocam as maiores polêmicas.

por Maurício Reimberg – Carta Maior


 


Nos primeiros discursos, após ser eleito governador de São Paulo, José Serra (PSDB) prometeu construir um governo “popular” e “desenvolvimentista”. No entanto, a análise detalhada do mapa político traçado na composição de seu secretariado indica a manutenção de projetos administrativos já em andamento. São os casos da Administração Penitenciária, da Febem e o possível surgimento de confrontos com a sociedade organizada em áreas como o meio ambiente. Ao todo, já foram anunciados 14 secretários que irão compor a futura administração.


 


Inicialmente, Serra confirmou a continuidade de nomes estratégicos da gestão de Cláudio Lembo (PFL). Antonio Ferreira Pinto (Administração Penitenciária), Rogério Amato (Assistência e Desenvolvimento Social), Luiz Roberto Barradas Barata (Saúde) e Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos (Educação) irão dar prosseguimento às diretrizes vigentes.


 


Meio Ambiente, agricultura e bancos


 



Uma das principais surpresas, porém, foi a indicação do deputado federal Xico Graziano (PSDB-SP) para a recém-criada pasta de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Ex-presidente do Incra e ex-chefe de gabinete da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso, Graziano também já foi secretário estadual da Agricultura e do Abastecimento no primeiro mandato de Mário Covas (PSDB). Em sua história política consta o envolvimento de seu nome no primeiro escândalo da era FHC, o chamado “grampo” do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), em 1995. Graziano, na época, foi acusado de mandar grampear outro assessor de FHC que estaria traficando influência no projeto. Ele nega a acusação.


 


“O setor ambiental reagiu fortemente à definição do nome do Graziano, sobretudo as entidades ligadas à questão rural. A informação que nós temos é que foi uma indicação do Fernando Henrique Cardoso”, diz o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). Segundo ele, Graziano seria um conhecido representante do agronegócio. “Isso é preocupante, pois tem havido confrontos entre a agricultura e os empresários do setor com relação ao Código Florestal, sobretudo na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo”, diz ele.


 


Em sua principal proposta para o setor, Graziano defende que não seja mais obrigatório manter 20% da propriedade rural preservada, sem derrubada de vegetação nativa. “Essa já era uma questão solucionada para nós. A lei é a internacionalização do uso social da propriedade na área agrícola. Extrapola o direito privado e atribui cunho social à questão. Não é necessário mudar o Código Florestal neste ponto. É o grande avanço que temos na resolução dos problemas ambientais”, diz Bocuhy. Ele ainda teme o retrocesso em recentes conquistas junto à pasta, como o controle da poluição e a avaliação do impacto ambiental.


 


Para a secretaria de Agricultura, Serra também optou por uma das novas lideranças do agronegócio, o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João de Almeida Sampaio Filho. Ele irá dar prioridade ao setor e intensificar o programa risco sanitário zero, uma das bandeiras da gestão. Já na Economia e Planejamento, aparece outro lobby influente nos quadros administrativos, o setor financeiro. O atual secretário de Planejamento da Prefeitura de São Paulo, Francisco Vidal Luna, ex-presidente do Banco Inter American Express S.A., irá chefiar a pasta estadual. Uma nomeação que foge do perfil conservador é a do economista João Sayad para a pasta da Cultura. Crítico da atual política econômica do governo federal, Sayad, que também é professor da USP, integrou a gestão petista de Marta Suplicy em São Paulo.


 


Segurança


 



Outro foco de atenções na composição do governo é a saída do atual secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, fragilizado após os ataques do PCC em maio deste ano. Em seu lugar, entra o advogado criminalista Ronaldo Augusto Bretas Marzagão, promotor aposentado do Ministério Público Estadual e ex-oficial da PM.


 


“Serra disse que vai conciliar linha dura contra o crime e respeito aos direitos humanos. É uma solução difícil de harmonizar. Mas isso indica pelo menos um acentuado desejo de que a polícia não continue com as práticas da gestão Saulo, como provocar encontros com suspeitos apenas para o uso de armas letais”, prevê Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH) e ex-prefeito de São Paulo (PT).


 


Quanto ao perfil do novo secretário, Bicudo avalia que há diferenças administrativas com a atual gestão. “Marzagão fez uma história dentro do MP, que tem sido tradicionalmente confiável. Não ainda há nenhum fato que se poderia imputar a ele que comprometa o pleno funcionamento dos direitos humanos”, acredita.


 


Já na Febem, a manutenção da presidente Berenice Giannela, que assumiu em junho do ano passado, é criticada por Cida Gomes, integrante do Grupo de Trabalho pelo Fechamento da Febem. “A ausência de rebeliões não significa que cessaram os maus-tratos, as torturas e outros tratamentos desumanos. A nova unidade da Vila Leopoldina, mesmo em construção, já está com 175 internos, todos trancados, pois os operários não aceitam trabalhar enquanto os adolescentes ficam nos pátios”, afirma.


 


Para ela, a recente condenação de 14 funcionários da Fundação a penas
de até 84 anos pelo crime de tortura “só reforça a proposta de fechar a Febem, favorecendo a solução que passa pela municipalização do atendimento em unidades para até 40 internos, administradas pelos municípios e fiscalizadas pela comunidade.”


 


Disputas internas


 



A forma como Serra conduziu a composição do secretariado também despertou a ira de antigos aliados. O mais insatisfeitos deles e um dos poucos que se propõe a falar publicamente sobre o assunto é Paulo Pereira da Silva, presidente nacional da Força Sindical. Recém-eleito deputado federal em São Paulo pelo PDT, ele apoiou Serra no segundo turno do pleito estadual.


 


“Acho estranho realizar uma composição sem partido. Não sei se vai dar certo. É uma novidade no cenário político do Brasil. O Lula está fazendo o inverso. O Serra prefere trabalhar com ‘nomes’. Na hora de governar, na Assembléia, ele vai precisar dos deputados. Agora nós também nos sentimos no direito de não ter compromisso com ele. As lutas contra as privatizações serão mantidas”, afirma Paulinho.


 


A Força conseguiu abocanhar a pasta municipal do Trabalho quando Serra assumiu a prefeitura. No Estado, a central reivindicava o direito de controlar a mesma área, hoje sob o comando do PTB. No entanto, a nomeação do pefelista Guilherme Afif Domingos, valorizado politicamente após as eleições, foi a “gota d´agua” para os pedetistas. “Eles disseram durante toda a campanha que pretendiam fazer um governo popular, tirar a imagem de ‘PSDB dos ricos’. Colocar um empresário lá mostra que não aprenderam nada com as derrotas”, ironiza Paulinho.


 


O setor em disputa é uma espécie de “feudo” estadual do PTB, que fez parte da coligação vitoriosa ao lado do PSDB, PFL e PPS. Apenas assistindo à ocupação dos cargos tradicionais do partido, o presidente do PTB paulista, deputado estadual Campos Machado, aguarda a definição da cláusula de barreira para se pronunciar. O presidente do PPS de São Paulo, o deputado estadual eleito Davi Zaia, também não foi consultado pelos tucanos. A Carta Maior entrou em contato com o deputado Edson Aparecido, atual líder do governo na Assembléia Legislativa de São Paulo. A assessoria de Aparecido declarou que ele não comentaria o tema.


 


Fonte: Carta Maior