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Cláusula de barreira é técnica nazista de concentração de poder

Por Priscila Lobregatte


A opinião é do advogado Everson Tobaruela, que preside a Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/SP. O especialista denuncia os perigos da implantação da medida e afirma que a solução para o sistema político bras

Everson Tobaruela está à frente de um estudo ambicioso. Ao lado de outros 70 advogados, o presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB seção São Paulo procura reunir e comparar informações sobre o sistema político-eleitoral mundo afora. Até o momento, foram estudados 200 países. O levantamento, que já dura dois anos e está em fase de conclusão, deverá ser encaminhado para o Congresso Nacional, como forma de contribuir, com dados concretos, para o debate da reforma política.




O objetivo central é demonstrar que não é possível copiar no Brasil fórmulas aplicadas em outras democracias. As singularidades da história política nacional, suas evoluções e retrocessos a partir dos anos de vigência da República, o perfil do político, dos partidos e de nossa sociedade fazem com que a eficiência de uma reforma política passe pela compreensão dessas diferenças e pela elaboração de regras que respeitem as particularidades do país. 




O advogado critica a cláusula de barreira, copiada do sistema alemão. “A sociedade precisa saber que ela está sendo conduzida a uma amarra muito pior que aquela que aconteceu na ditadura”, disse ao portal Vermelho. Para a manutenção e o desenvolvimento da democracia, o advogado, de 46 anos, defende o direito ao pluripartidarismo e diz que no Brasil a esquerda exerce papel fundamental no sistema político. “É importante que a esquerda tenha representação” para “poder forçar raciocínios socialistas dentro de idéias fixas do capitalismo, da política econômica, para se falar da estatização”. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.


 




Vermelho: O que se pode tirar de conclusões do material até agora colhido pelo grupo?

Everson Tobaruela: Uma delas é a necessidade de independência dos partidos políticos. Temos uma coleta de estatutos de partidos de todo mundo e observamos que os únicos países que dão certo são aqueles em que o eleitor filiado ao partido tem acesso às convenções. Se um partido político lançar uma chapa de candidatos a uma convenção, o eleitor convencional daquele partido deveria poder impugnar o candidato que estiver envolvido em casos como o das sanguessugas, caixa dois e algumas outras peripécias de alguns parlamentares porque não é possível que se queira buscar no judiciário eleitoral uma punição antecipada para esse suposto envolvido – que nem passou por um devido processo legal – impedindo que ele se candidate. Isso seria rasgar a Constituição. Aquele que é partidário – e quem é de esquerda sabe bem como é isso porque os partidos (desse campo) dão mais liberdade nesse sentido – vai direto discutir essa questão na convenção. Ele deve ter o direito de fazer campanha política para impedir que determinados elementos que estejam na convenção sejam aprovados.




Vermelho: E quanto à reforma política?

Everson Tobaruela: A reforma já existe e tem definição. Será cláusula de barreira, diminuição dos partidos políticos, financiamento público de campanha e impedimento de campanha política. Com esse quadro, você evita novas lideranças, não deixa sujar a rua – porque a imprensa não quer que suje a rua. Só esqueceu que quando fala “não suje a rua” significa que a polícia vai estar lá dizendo “isso não pode”. “Mas em quem eu vou votar?”. “Não interessa, fica quieto”. Quer dizer, isso é ditadura. A festa democrática tem que acontecer. As pessoas devem poder ir para as ruas, com chapeuzinho, cartaz, banner. “Ah, mas aí tem o abuso do poder econômico”. Então, impeça a empresa que deu dinheiro de participar do processo econômico durante cinco anos.




Vermelho: Um dos pontos ressaltados no estudo é a cláusula de barreira. Na sua opinião, essa regra serviria para melhorar os sistema político nacional, como defendem alguns setores da sociedade?

Everson Tobaruela:
A cláusula tem um propósito escuso. Há dez anos, quando era discutida no Congresso, eles já vinham de olho no dinheiro do orçamento. Agora, estão de olho em 1 bilhão de reais que vai constituir o financiamento público de campanha. Pega esse dinheiro e divide por 27 partidos, sobra um pouco para cada um. Diminuindo o número do partidos, sobra um montão.




Vermelho: Para sobreviverem, algumas legendas optaram pela fusão. Que tipo de conseqüências isso pode ter?

Everson Tobaruela:
Brigas internas graves e a conseqüente fracionalização dentro do partido. O objetivo de nosso estudo é mostrar que o Brasil não pode viver copiando leis de outros países. A cláusula de barreira é aplicada nuns 30, 40 países, mas nenhum deles é presidencialista. Todos são parlamentaristas. A Alemanha, por exemplo, tem 29 partidos, todos galgando o poder, e tem cláusula de barreira, mas lá é parlamentarismo, é diferente. Num país como o nosso, cláusula de barreira é concentração de poder. Quando o povo realmente descobrir o que é isso, teremos passado por 30 anos de prejuízo social.




Vermelho: O Wanderley Guilherme dos Santos diz que a cláusula contribui para o processo de oligarquização da política…



Everson Tobaruela:
Concordo, mas tenho muito medo de chavões. Defendo a tese de que a sociedade precisa conhecer isso na prática, contando a história. Uma palavra assim, para o jornalismo, é ótima. Mas a sociedade precisa saber que ela está sendo conduzida a uma amarra muito pior que aquela que aconteceu na ditadura. Isso é técnica nazista de concentração de poder. Eles estão nos levando para a câmara de gás, e ninguém está vendo. Falar isso ao portal Vermelho é muito interessante porque os comunistas sabem muito bem o que é esse tipo de restrição.





Vermelho: Você acredita que a cláusula é uma forma de barrar os partidos de esquerda?

Everson Tobaruela: Claro. Mas, não diria que é pela questão específica da ideologia. O problema é que é preciso garantir que as pessoas tenham a liberdade de se expressar, de defender suas teses. É importante que a esquerda tenha representação, independentemente do quanto de representação, para poder forçar raciocínios socialistas dentro de idéias fixas do capitalismo, da política econômica, para se falar da estatização… A esquerda tem uma participação muito importante, por exemplo, quando tenta impedir que se vendam empresas públicas. Quer dizer, o Brasil paga caro para ter uma Vale do Rio Doce e depois a entregam de graça. Não pagaram nem os impostos que ela devia. Outra coisa: como se conseguiria   controlar uma CPI que estivesse na mão de quatro ou cinco partidos, sendo que os envolvidos, na sua grande parte, são esses próprios partidos? Resumo: manipulou-se todo o processo em favor desses partidos e a sociedade nunca vai saber o que realmente aconteceu. Agora com a esquerda, teremos ali uma visão crítica do negócio e isso vai se tornando público. A cláusula de barreira é um risco muito grande para a democracia.