Frente Hezbolá-cristãos-PC conduz a ofensiva de oposição no Líbano

A imprensa ocidental não entendeu direito, ou se fez de desentendida sobre, a manifestação-gigante de 1 milhão de pessoas em Beirute na sexta-feira (1º), que se desdobrou num fim de semana com parte dos manifestantes acampados na capital libanesa.  N

O Hezbolá — nome árabe que significa Partido de Deus — é a maior força da coligação oposicionista. E está no auge do seu prestígio de massas, no Líbano, nos países árabes e no mundo, depois da vitória militar, política e moral sobre a invasão israelense do país, em julho-agosto deste ano. Mas o Hezbolá é um partido confessional que compreende a necessidade de unir os libaneses, por cima das fronteiras religiosas, contra o “governo dos Estados Unidos” que se instalou no Grande Serralho — nome do palácio governamental (na tradição que vem dos otomanos, o nome designa o palácio do monarca, podendo igualmente significar harém)..



Do chador ao umbigo de fora



A imprensa libanesa cobriu com nitidez este caráter, que a mídia ocidental orquestrada fez que não viu. “A mistura poderia ser inflamável, explosiva até, mas se mostrou amistosa e bem comportada. O primeiro teste, na prática, entre partidários do Hezbolá e do CPL (Corrente Patriótica Livre, organização cristã do general nacionalista Michel Aoun) foi convincente, tanto no plano da organização como no do comportamento”, escrevia neste domingo Scarlett Haddad, no diário liibanês francófono L'Orient le Jour.



Ela dá seu testemunho: “Pudemos ver, em certos setores (da manifestação de sexta) um verdadeiro mar laranja (a cor-símbolo da CLP), não nos estandartes, pois só a bandeira nacional libanesa foi autorizada, mas em lenços, guarda-chuvas, braceletes e outros acessórios. Havia também moças desinibidas com o umbigo de fora, ao lado das silhuetas negras de mulheres usando chador.”



“Todo mundo evoluia na maior disciplina, cada um respeitando as particularidades do outro, numa atmosfera amistosa e alegre.”



Scarlett Haddad descreve também “um velho senhor fatigado segurando um pirulito”. Nele se lia: “Sou cristão e estou na manifestação para não cavar a sepultura do Líbano”.



Novidade estratégica



Além do Hezbolá e da CLP, a frente oposicionista que convocou a megamanifestação inclui o partido Amal (xiita) e o Partido Comunista Libanês, além de dezenas de organizações menores. O objetivo comum é forçar a renúncia do governo de Fuad Siniora, pró-Estados Unidos, e a formação de um governo de unidade nacional. O conteúdo da ofensiva é antiimperialista, voltado contra a interferência dos EUA na vida política do país.



Para quem conhece a inércia confessionalista da vida política libanesa, esta é uma novidade de alcance estratégico. Foi ela que levou os convocadores da marcha do dia 1º a prosseguir o braço-de-ferro com o governo Siniora, ao longo do fim de semana.



Um governo sitiado



Na noite de sábado para domingo, uma centena de tendas brancas cercava o palácio do governo. O prédio Grande Serralho foi convertido num campo fortificado, por trás de uma muralha de arame farpado, sob a guarda de militares e policiais. Desde sábado os membros do governo não podem deixá-lo, inclusive Siniora. Ali passam o dia e ali dormem, se é que dormem.



No domingo, o exército oficial libanês, que durante a invasão israelense fingiu-se de morto, transmitiu um ultimato aos manifestantes para desobstruir os acessos ao Grande Serralho.



Siniora e os ministros remanescentes (depois da demissão de seis deles, na semana anterior) disseram que o governo resistirá à “tentativa de golpe”. A “comunidade internacional” emprestou-lhe mão forte, assim como regimes árabes do tipo da monarquia saudita. O braço-de-ferro prossegue.



Da redação, com agências