PMDB formaliza coalizão, mas endurece na disputa pela Câmara

Por Nelson Breve, na Carta Maior*
“Companheiro Padilha”. O cumprimento em tom de galhofa feito pelo deputado Geddel Vieira Lima ao colega Eliseu Padilha no fim da reunião do Conselho Nacional do PMDB resume bem o significado do ato que oficializou a ad

Às 13 horas desta quinta-feira (30), ele passou a integrar a base de sustentação parlamentar do companheiro-presidente Lula. Aliança da qual fazem parte os companheiros petistas gaúchos, seus adversários ferrenhos desde que entrou para a política. O ingresso na “coalizão programática” (leia 'Sem pressa para montar governo, presidente prioriza agenda mínima') do governo foi aprovado por aclamação, após duas horas de discursos de peemedebistas no auditório Petrônio Portela, no Senado. Nem sinal dos confrontos internos que marcaram as deliberações do partido nos últimos 12 anos. Sem liminares judiciais, sem claques, sem discursos inflamados, sem vaias, sem insultos, sem dupla interpretação dos resultados.



Simon: crédito de confiança a Lula



Dos 60 integrantes do Conselho (composto por quem exerce ou já exerceu cargos de destaque nacional no partido, mais os governadores e presidentes de diretórios estaduais), 45 estavam presentes. Apenas dois pernambucanos se manifestaram contra, mas sem fazer discurso para tentar convencer os demais: o ex-governador e senador eleito Jarbas Vasconcelos, ex-presidente nacional do PMDB, e o vice-presidente do diretório de Pernambuco, Marcus Cunha. O deputado João Correia deixou consignada a abstenção em nome do diretório do Acre e o ex-governador e senador eleito pelo Distrito Federal Joaquim Roriz fez questão de lembrar que não poderia votar por ter deixado de integrar o Conselho no início do ano, quando renunciou ao cargo para disputar a eleição ao Senado.



Assim, o PMDB deixou de ser aquele partido sempre dividido em dois terços de aderentes ao governo e um terço de dissidentes. Não se sabe bem até quando. Jarbas acredita que passada a fase de composição do governo, os frustrados por não terem ocupado o espaço desejado se agruparão em torno dos raros dissidentes atuais e a corrente deverá se expandir com o tempo e a pressão da opinião pública insatisfeita com o fracasso da agenda desenvolvimentista proposta pelo presidente Lula. “Não ficarei independente, vou fazer oposição ao governo. Mas se o presidente Lula encaminhar ao Congresso reformas que acho que atendem aos interesses do país, aí eu voto”, declarou o ex-governador.



Presidente do diretório do RS, o senador Pedro Simon pensa de forma parecida, mas se classifica de maneira diferente. Ele declarou que permanecerá independente como sempre foi, mas dará um crédito de confiança ao presidente Lula. Simon considerou que a proposta de coalizão programática, mesmo firmada em compromissos genéricos, tem um valor simbólico que expressa uma tentativa de mudança nas relações entre o governo e os partidos políticos. “Que esse fato novo, que é esse documento, possa significar, realmente, um momento novo no Brasil”, saudou Simon, depois de fazer a ressalva de que não terá como ajudar a salvar o governo se o acordo político descambar para a mera distribuição de cargos entre os aliados.



“O presidente é o avalista”



Os peemedebistas são unânimes em dizer que ninguém vai pedir cargos ao presidente Lula, mas não esquecem de lembrar que o partido tem quadros altamente qualificados para compor o governo, além de vasta experiência administrativa. O presidente do PMDB, Michel Temer, observou ainda que a coalizão só se sustentará enquanto o governo não se desviar dos compromissos programáticos assumidos. “Se esses princípios programáticos forem adiante, o nosso compromisso prossegue, se não forem adiante, nós ouviremos mais uma vez o partido para ver onde irá”, esclareceu o ex-presidente da Câmara no governo FHC.



Como é muito fácil apresentar objeções à execução de um compromisso genérico, está implícito que a adesão tem preço e o contrato firmado só vale se o PMDB for justamente recompensado pelo apoio. Como isso será feito é uma incógnita que só poderá ser desvendada pelo presidente Lula. “Nós estamos fazendo uma coalizão com o presidente da República, não estamos fazendo com o PT. Ele é o árbitro, o avalista”, consignou o ex-presidente José Sarney, dando a impressão de que está interessado na sucessão de Temer como presidente do partido, prevista para março. Os dois fizeram questão de frisar nos pronunciamentos a importância que cada um considera ter tido na costura política que permitiu a pacificação interna.



Embora Temer tenha realçado que “o PMDB não pensa em benesses, pensa em colaborar”, é absolutamente improvável que a grande maioria dos peemedebistas não esteja com frio na barriga de aflição pela montagem do governo. “Não há mais dúvida: o PMDB é governo. Agora é ver o seu tamanho dentro do governo”, reconheceu o ex-presidente do partido Jader Barbalho. A expectativa é que o presidente Lula conclua as conversas com os partidos que deverão integrar a coalizão e comece a fazer os convites para os integrantes que representarão os partidos nos ministérios depois de encerrado o ano legislativo, entre 15 e 20 de dezembro.



O fator presidência da Câmara



O que acontecerá se os peemedebistas não ficarem satisfeitos com suas responsabilidades ninguém se arrisca a prever. Mas está na direção certa quem prestar atenção nos conchavos para a eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado na próxima Legislatura. No caso do Senado, aparentemente, a situação está sob controle, pois o atual presidente Renan Calheiros, do PMDB, é o único a pleitear o cargo entre os partidos governistas. O imbróglio da Câmara é mais complicado. Lá, o PMDB deveria ter o direito de indicar o presidente, na medida em que elegeu a maior bancada. Pode até abrir mão desse direito, mas quer saber quem lhe oferece a melhor compensação.



Duas candidaturas estão colocadas no partido. A do ex-ministro Eunício Oliveira, que apóia Lula desde a campanha de 2002, e a do ex-líder da bancada no governo FHC Geddel Vieira Lima, que, a despeito da brincadeira com Padilha, também é companheiro novo nas hostes do lulismo. Achegou-se pelas mãos do ex-ministro Jaques Wagner, com quem se juntou na Bahia para derrotar a oligarquia de Antonio Carlos Magalhães, um antigo aliado com quem rompeu logo no início do governo tucano. A vitória do petista no primeiro turno da disputa estadual aumentou a cotação dos acarajés no mercado do Palácio do Planalto e deixou Geddel excitado para voltar à ribalta do poder.



Outras duas candidaturas estão abertamente no páreo. A do atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo, do PCdoB, e a do líder do governo, Arlindo Chinaglia, do PT. O primeiro tem o reconhecimento do presidente Lula por ter tido serenidade para atravessar a turbulência da crise política com o menor prejuízo possível para o governo. Tem bom trânsito na oposição e não representa uma ameaça ao equilíbrio das forças políticas no Congresso e nos estados politicamente mais fortes, especialmente São Paulo. Arlindo tem a vantagem de estar escorado pelo partido do presidente, onde há muita gente querendo ver a fila do elevador andar. Tem boa articulação com líderes novos e antigos da base governista e está com crédito por ter desistido da candidatura em favor de Aldo no ano passado.



Arlindo carrega o fardo de pertencer ao PT de São Paulo, célula disseminadora das confusões mais constrangedoras pelas quais o governo Lula passou nestes quatro anos. Aldo tem contra si a pecha de frouxo na defesa do corporativismo, especialmente quando pressionado pela imprensa. O corte de mais de mil cargos comissionados distribuídos a assessores, cabos eleitorais e parentes de deputados é uma ferida que não quer cicatrizar. Arlindo é taxado de centralizador, beirando a arrogância. O presidente Lula o usou como exemplo das reclamações de parlamentares de que os petistas não conversam com ninguém. Aldo é visto como um usurpador de um cargo pertencente ao PT ou a um partido mais encorpado, pois do PCdoB nem conseguiu passar pela cláusula de barreira.



TCU será laboratório da coalizão



Nessa disputa, o PMDB percebeu que ficará como fiel da balança. Só que a bancada não está disposta a delegar as negociações para Geddel ou Eunício. Isso ficou claro na reunião feita na noite da terça-feira na casa do deputado Tadeu Filippelli. A barganha passa pelo colegiado e está diretamente ligada com a composição do governo. Podem até abrir mão do direito de indicar o presidente da Câmara desde que sejam regiamente recompensados. Os porta-vozes mais enfáticos do recado foram os deputados Eduardo Cunha (RJ), que tenta liderar a bancada dos “órfãos políticos” do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, Fernando Diniz (MG), que fala pelos desamparados na liberação de emendas orçamentárias, e Henrique Alves (RN), que tenta cuidar das “viúvas de FHC” abandonadas.



A preliminar dessa disputa, que também será uma espécie de laboratório da coalizão, ocorrerá na próxima terça-feira, quando os candidatos para uma vaga de ministro vitalício do Tribunal de Contas da União (TCU) passam por uma avaliação prévia para medir forças, com o objetivo de lançar uma candidatura única entre os partidos governistas. Dos oito nomes lançados, cinco são de partidos aliados: os deputados Paulo Delgado (PT), Osmar Serraglio (PMDB), Luiz Antonio Fleury (PTB), Ademir Camilo (PDT) e o ex-deputado José Maria de Almeida (PSB).



Na próxima semana podem ser consolidadas, também, outras duas adesões à coalizão governista. A direção do PDT foi convidada pessoalmente pelo presidente Lula e submete os termos do compromisso a sua Comissão Executiva. A direção do PV, que já esteve com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, deve ter um encontro com o presidente, que deve receber também os dirigentes do PCdoB e do PSB.



* Intertítulos do Vermelho