Lula volta a ser Lula: fez a opção por crescer

Por Claudia Safatle, no Valor Econômico*
Lula mudou. Colocado diante de dois mandamentos – fazer um ajuste fiscal, com contenção do gasto público, para o país crescer ou crescer como premissa para resolver os desequilíbrios fiscais – o presidente Luiz

Lula fez a afirmação em discurso para uma platéia de empresários e governadores eleitos, terça-feira (28), durante a posse da diretoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI). ''Não se trata mais, simplesmente, de preparar a sociedade para o crescimento. O que se coloca agora é permitir que o crescimento prepare a sociedade para o futuro ao qual temos direito e pelo qual tanto lutamos nesses últimos anos'', completou o presidente. 



Sinais de que a ''era Palocci'' acabou



Lula vem há dias dando sinais de que a ''era Palocci'' de fato acabou, como antecipou seu ministro, Tarso Genro, tão logo a apuração das urnas confirmou a sua reeleição. O que é entendido por ''era Palocci'' é, além da austeridade fiscal e monetária dos primeiros três anos de governo, a agenda reformista que o ex-ministro da Fazenda pregava para abrir espaços ao crescimento econômico, centrada no freio ao gasto público e em reformas microeconômicas.



Palocci pensava e continua pensando que a reforma da Previdência Social, adequando a idade mínima da aposentadoria às expectativas de vida da população, é inevitável; que é preciso um bom controle do gasto público corrente sem o que não haverá recursos para os investimentos públicos; que para crescer sem pressão inflacionária é urgente aumentar a oferta de bens e serviços e isso dependerá dos investimentos públicos e privados. Estes últimos demandam regras claras, nitidez regulatória e um ambiente amigável de negócios. 



''Déficit zero'' está sendo desidratado



Desde o ano passado, ainda sob o comando de Palocci, a área econômica do governo começou a debater, com a ajuda do deputado Delfim Netto (PMDB-SP), a elaboração de um programa fiscal de longo prazo que levaria ao déficit nominal zero em 2010. O assunto foi abortado pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas nunca engavetado. Pouco antes das eleições, o grupo de Guido Mantega e Paulo Bernardo, da Fazenda e do Planejamento, retomou a discussão de medidas concretas que seriam apresentadas a Lula, se reeleito, como o plano do segundo mandato. 



Os comandos teóricos que estavam por trás desse programa eram claros: só haverá crescimento econômico se o Estado reduzir seus gastos de custeio e aumentar os investimentos em infra-estrutura, induzindo o setor privado a também elevar suas apostas no aumento da oferta de bens e serviços. A demanda cresce há dois anos acima do aumento da oferta e a continuar assim, a inflação despontará em algum momento. Os efeitos de um programa dessa natureza, porém, seriam antecipados se os agentes econômicos o vissem como algo crível, abrindo uma janela adicional para a redução mais acentuada dos juros, estimulando a produção. 



O que era para ser um plano fiscal, contudo, vem sendo desidratado a cada reunião de Lula com seus ministros, e muda de configuração para se transformar num programa de crescimento acelerado, ancorado na retomada do investimento público. 



A angústia de ''destravar'' o crescimento



Os ministros da área econômica têm presenciado a angústia do presidente quanto ao futuro, que começou a se agravar entre o primeiro e o segundo turno. Há pouco mais de 20 dias ele só fala em ''destravar'' o crescimento e queixa-se dos economistas que se mostram como oriundos de uma escola de pensamento único, que só recomenda que é preciso cortar gasto. ''Não podemos ficar quatro anos recitando essa cantilena. Não quero a mesmice desse receituário'', diz o presidente. O que ele quer é resposta sobre ''como manter a austeridade fiscal, fazer a economia crescer e distribuir a renda'', relata um ministro. 



Como argumento para sua descrença nos economistas – e Lula está conversando com representantes das mais diversas tendências – ele disse, em recente conversa com seus ministros: ''As coisas que deram certo no meu governo não foram propostas pelo consenso dos economistas. Eles não propuseram o Bolsa Família; não eram a favor do crédito consignado. Ao contrário, eram contra porque isso prejudicaria a política monetária e eu resolvi fazer mesmo assim.'' O presidente nem citou que foram o superávit primário mais elevado e a política de juros que bem ou mal levaram seu governo à menor inflação da história recente. 



Dono de uma visão intuitiva singular e entusiasmado com o apoio popular recebido das urnas, Lula tem sugerido que vai, novamente, ignorar o consenso dos economistas em torno da questão fiscal em nome de uma aposta na inversão da equação: crescendo a taxas mais elevadas, de pelo menos 5% ao ano, o país conseguirá resolver todos os constrangimentos. O crescimento aumentará a arrecadação e isso, somado aos recursos oriundos da queda da taxa de juros real, inaugurará uma nova fase das finanças públicas. Se é verdade que está nas contas públicas o grande ''entrave'' ao crescimento, ele estaria ''destravando'' a economia numa lógica inversa. 



Aritmética do presidente não fecha



Lula pede medidas de ousadia ''sem bulir na Lei de Responsabilidade Fiscal'', sem reformas na Previdência Social do INSS e sem cometer atos de ''vandalismo econômico'', compromissos assumidos no mesmo discurso. E considera que não há mais qualquer problema macroeconômico a ser tratado. 



Aí, contudo, começam os problemas. Sem cortes de gastos e sem reformas, fica difícil encontrar os recursos necessários aos investimentos públicos. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), dos anos 70, foi financiado com o endividamento externo. No segundo PND o país faliu e se arrasta desde então com taxas modestas de crescimento. Na aritmética do plano de crescimento acelerado do presidente, que não admitirá a volta da inflação, ainda falta o principal: o dinheiro. Para os poucos no governo que rechaçam esse caminho, resta uma esperança. Daqui até fevereiro, quando o ''pacote'' irá para o Congresso, ainda há tempo para tentar mudar algumas idéias de Lula. Na quarta-feira o Copom mostrou que o espaço para reduzir os juros está se exaurindo, num sinal de desconforto com todas essas incertezas. 



* Diretora de redação adjunta do Valor Econômico; intertítulos do Vermelho