Experiências de países do Bric viram lições para o Brasil

Por Maurício Hashizume, na Carta Maior
As histórias, as realidades e os desafios de Brasil, Rússia, Índia e China são, sem sombra de dúvidas, muito diferentes. A troca de experiências vividas por essas nações reunidas sob a sigla Bric (formada pelas in

Uma das principais lições da China, país que exibe índices impressionantes de aceleração econômica, consiste na comprovação do papel estratégico e fundamental da expansão dos investimentos públicos para a construção de infra-estrutura. De acordo com Elias Jabbour, assessor econômico da presidência da Câmara dos Deputados e autor do livro China: Infra-estruturas e crescimento econômico, a China investiu, de 1998 a 2005, a cifra astronômica de US$ 800 bilhões em infra-estrutura; enquanto, no mesmo período, o Brasil destinou à área apenas US$ 12 bilhões.



A opção pela infra-estrutura, observa Jabbour, não é um fim em si mesmo. A China aproveitou os investimentos para incentivar as cadeias produtivas internas do país. O assessor compara a opção chinesa com as intensas discussões no Brasil sobre o marco regulatório e a segurança jurídica em torno das Parcerias Público-Privadas (PPPs) – um dos principais instrumentos apresentados como forma de aumentar os recursos para o setor. “Essa preparação serve ao capital estrangeiro”, avalia.



De acordo com o autor do livro e doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), o metrô da cidade de São Paulo, feito apenas com produção nacional, pode ser pinçado como uma prova da viabilidade do investimento em cadeias nacionais no Brasil. Para se ter uma idéia, no setor de máquinas e equipamentos, o país está com 50% de sua capacidade de produção ociosa. O quadro do setor ferroviário resume bem essa falta de foco nos investimentos: o Brasil exporta ferro e importa trilho da mesma China, que, além de aquecer a produção, promove um intenso processo de integração do território nacional. “A China aprendeu com a crise asiática que precisava, de imediato, alavancar o mercado interno”, sintetiza o assessor.



Da Índia, é possível captar outros ensinamentos sobre o incentivo para a atividade econômica. Um dos palestrantes do seminário “Bric – Brasil, Rússia, Índia e China, Oportunidades e Desafios”, realizado nesta terça-feira (28) na Câmara Federal, o jornalista José Fucs, da revista Época, relatou o saldo de uma viagem que fez à Ásia há três meses a convite do governo indiano. Fucs salientou que o ambiente de negócios na Índia não é melhor que o do Brasil e que vários indicadores da economia brasileira, utilizados como referência pelo chamado “mercado” são mais favoráveis do que os números indianos. A título de comparação, a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) na Índia chega a quase 80%. No Brasil, essa relação caiu para 51%.



O que explica então as taxas superiores de crescimento da Índia em comparação com o Brasil? Apesar do tamanho e da proporcionalidade maior da dívida indiana, apenas 4% do PIB do país são destinados ao pagamento dos juros da dívida. No Brasil, são consumidos 8% para a mesma finalidade. Os juros reais da Índia são de 3% – 8% menos inflação de 5%. Já os altíssimos juros reais no Brasil são de aproximadamente 10% – 13%, menos inflação de 3%. “Eles não acham que o país vai acabar se os juros baixarem”, relata Fucs. Essencial para o crescimento, o enfrentamento da questão fiscal (segundo o jornalista, no Banco Central da Índia, a política monetária com foco na estabilidade não demove a busca pelo crescimento), conta com a colaboração, do lado privado, de investimentos pesados em pesquisa e inovação tecnológica em segmentos como tecnologia da informação (TI) e indústria farmacêutica, além de um foco especial na produção para mercados de baixa renda.



A apresentação da professora Lenina Pomeranz, da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Rússia, durante o mesmo seminário, destacou a determinação da Rússia na definição de um projeto nacional, questão que continua em aberto no Brasil. O governo russo pretende utilizar estrategicamente as reservas de petróleo e gás natural (são atualmente os maiores produtores do mundo desses dois itens) para tentar reocupar a posição de destaque alcançada no passado pela União Soviética. Para tanto, a Rússia tem apostado no modelo de Product Sharing Agreements (PSA), acordos semelhantes às PPPs brasileiras, para a exploração de recursos naturais em parceria com multinacionais estrangeiras no Ártico, em condições difíceis. A Rússia espera ainda ser integrada à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2007, mas enfrenta dificuldades, principalmente em relação a outros países da Europa. “Há também muito preconceito com o passado soviético”, relatou a professora.



Apesar de aparecer como a nação que menos cresceu economicamente entre os países do Bric nos últimos anos, o Brasil deu passos importantes, argumentou o empresário Ivoncy Ioschpe, presidente do Conselho Ioschpe Maxion S.A. Para ele, que também participou do evento realizado pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara Federal, o esforço maior de transição de uma estrutura dos tempos coloniais para a consolidação de uma sociedade moderna já foi concluído. “Temos uma das malhas industriais mais completas do mundo”, declarou, ressaltando que nenhum grande setor industrial desapareceu com a abertura econômica das últimas décadas. Na visão de Ioschpe, os gargalos para o crescimento econômico, e principalmente para o desenvolvimento do Brasil como um todo, dependem mais de iniciativas pontuais. “O Brasil já passou por uma mudança política que os outros [países do Bric] ainda não passaram”, afirmou o empresário.



A comparação entre os “gigantes emergentes” durante o seminário, porém, não poupou – além da importância do investimento estratégico em infra-estrutura como fez a China, da coragem de manter os juros baixos da Índia e da definição de um projeto nacional consistente como na Rússia – a necessidade de reorientação da política econômica, bem como de investimentos estratégicos e políticas públicas consistentes no campo da política industrial, da educação e da ciência e tecnologia.