Haroldo Lima: “Sem leilão não se pode explorar petróleo no Brasil''

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, 65 anos, não vê risco de desnacionalização ou de perda de reservas estratégicas com o processo de leilões. Dirigente do PCdoB, ex-preso político e deputado por cinco legislaturas, Lima avalia

Carta Maior – O que são os leilões da ANP?



Haroldo Lima – Existe uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, definindo que qualquer empresa só pode explorar petróleo através de licitação pública. É a Lei do Petróleo. Se não fizermos o leilão, ninguém pode explorar petróleo no Brasil. Até hoje exploramos apenas 4,7% da área total de 300 mil quilômetros quadrados, onde é possível existir petróleo. Temos de prospectar e encontrar novas reservas. Sem o leilão, isso não acontece.



CM – Os opositores dos leilões argumentam que eles privatizariam reservas estratégicas para o país.



HL – Não existe privatização do subsolo. A lei é clara em definir o monopólio da União sobre as jazidas que estão lá embaixo. A ANP apenas administra. Aqui na superfície, o petróleo é de quem o explora. Pode vendê-lo como quiser. Quem realmente explora e vende petróleo no Brasil é a Petrobras, que extrai cerca de 400 mil barris por dia, enquanto a Shell explora 60 mil. A Lei do Petróleo e as diretrizes da ANP levam em conta o interesse nacional. Quem contraria as normas não pode seguir explorando. Não há perda de controle algum sobre as jazidas e sobre a exploração.



CM – A Petrobras não poderia, sozinha, fazer este serviço?



HL – Durante 50 anos tivemos o monopólio estatal, que foi coroado de sucesso. Criamos uma empresa extraordinariamente grande e competente. Com esse crescimento acelerado, a Petrobras não poderia mais depender apenas de seu desempenho aqui no Brasil, onde não concorria com mais ninguém. A produção no país, nessa época, começou a decrescer e ela passou a perder fôlego. Depois que se abriu, a Petrobras foi para 22 países, atuando nas atividades de exploração, refino e comercialização. Após a quebra do monopólio, a Petrobras se gabaritou e conquistou espaço. As mudanças seguiram. Até 2002, último do governo FHC, ela não podia participar dos leilões. A partir do ano seguinte, ela começou a entrar com dinamismo e passou a ter um portfólio exploratório muito maior. E o controle e a participação dela nas reservas aumentou, chegando a 90% do total.



CM – Mas os leilões não podem levar a uma exploração desordenada por parte de empresas privadas?



HL – Não aconteceu a exploração predatória, como muitos previam. Os interesses nacionais são interpretados pela ANP. Temos 95,6% das bacias ainda inexploradas. Não partimos do pressuposto de que o que havia para ser descoberto realmente o foi.


CM – Os preços das áreas leiloadas não são muito baixos?



HL – Sim, mas quem tem arrematado a maioria delas tem sido a Petrobras. A crítica maior aconteceu durante a sexta rodada, quando colocamos à venda os chamados blocos azuis. Fomos acusados de vender tudo a preço de banana. Isso não ocorreu.



CM – Quando a Lei do Petróleo foi votada, o senhor era votou contra ela. O senhor mudou de posição?



HL – Fui contra a Lei do Petróleo. Mostrei na época que desejavam não apenas abrir o monopólio, mas privatizar a Petrobras. Saímos em defesa da empresa. O monopólio nós não conseguimos segurar. Mas, ao mantê-la estatal, logramos criar um mercado aberto com a presença de uma grande estatal. Hoje a lei tem de sofrer modificações. Sou a favor do modelo que temos. O anterior não serve mais, e no mundo, só existe na Coréia do Norte.



CM – A Petrobras não é uma estatal pura. Ela abriu seu capital e 40% de suas ações estão nas mãos de investidores privados.



HL – Sim, ela abriu seu capital, é uma modalidade de privatização, mas a iniciativa não se completou. Fernando Henrique não conseguiu e isso foi uma vitória nossa. A Petrobras nunca cresceu tanto como agora. Isso se deu a partir do monopólio estatal e se consolidou quando ela enfrentou uma nova situação no mundo real, adotando um modelo aberto, seguido pelos países que crescem, como a China e a Índia.



CM – Mas nos Estados Unidos o modelo é outro.



HL – Sim, porém é um caso à parte. Nós não podemos dispensar a existência de uma grande estatal na área do petróleo. Os leilões têm por objetivo ampliar a quantidade de áreas exploradas. Nós nos surpreendemos com a sétima rodada. Não existiam limitações para ofertas vitoriosas. Aí uma empresa Argentina arrematou uma área maior do que a Inglaterra. Ficamos preocupados, pois dali a pouco estaríamos oferecendo blocos estratégicos a preço de banana. Introduzimos critérios limitadores para resguardar os interesses nacionais.