Em Fórum, governo irá propor refundação das TVs públicas brasileiras

O governo fez um estudo de cerca de 200 páginas sobre as TVs públicas – educativas, de cultura, universitárias, dos segmentos jurídico e legislativo e comunitárias – e concliu o que parece ser óbvio: a situação é grave, com defasagem tecnológica e fa

Cláudio Gonzalez
com informações da Agência Brasil


 


 


O Ministério da Cultura quer mudar a legislação que rege a ação destas emissoras e aposta na TV Digital. E informalmente já esboça a nova diretriz para o setor.“Essa política pública (a ser proposta) já tem um foco, que é a refundação da televisão pública, com organização de rede, produção de conteúdo, modelos de negócios e revisão da questão tecnológica, entre outras coisas”, adiantou o secretário Orlando Senna em declarações à imprensa um dia antes do evento.


 


“Na minha opinião, o mais importante é mudar a tendência de a TV pública buscar o público que está acostumado e que tem uma relação muito íntima com a TV comercial. A TV pública brasileira nunca fixou o perfil de seu espectador. No geral, há uma indefinição sobre a quem estamos nos dirigindo e que tipo de conteúdo interessaria a este público”,  completa.


 


No documento, o MinC ressalta a atual impossibilidade de as TVs públicas competirem com as privadas. Senna elogia a produção privada, qualificando-a como uma das melhores do mundo, e pede um amplo debate nacional até fevereiro. A idéia é que no ano que vem sejam desenhadas as medidas para melhorar – já em 2008, com a TV digital – as emissoras públicas, que chegam a liderar o mercado em alguns países do mundo, como Inglaterra, e têm forte audiência em outros, como França, Itália e Alemanha.


 


“Em todos os países a TV nasceu pública, menos no Brasil”


 


“Em todos os países a TV nasceu pública, menos no Brasil. Foram 18 anos entre o surgimento da TV comercial e o da pública, que começou tendo como único modelo a própria TV comercial, até porque, não havia outro”, explica Senna.


 


Hoje, as TVs públicas brasileiras somam cerca de 200 canais abertos e fechados (a cabo) distribuídos pelos 26 estados e Distrito Federal. O MinC prevê uma profunda mudança no setor e uma ampliação do alcance no país.


 



Para Gil, TV pública deve estar mais próxima da escola, dos centros culturais, de pesquisa e comunitários


 


Referendando as idéias de Senna, o ministro Gilberto Gil disse no evento desta segunda-feira que  “a televisão pública deve ser cada vez mais próxima da escola, da universidade, dos centros de pesquisa, centros culturais e comunitários, articulada com o mais amplo espectro institucional para a formulação de conteúdos e serviços voltados ao atendimento público''.


 


Segundo o ministro, de modo mais geral “a televisão precisa ser compreendida como um fenômeno cultural global. Ela transmite e é, ela própria, um objeto cultural”. “É um fenômeno cultural quando aprofunda ou mesmo quando banaliza”, define. Gil lembra que as emissoras têm um forte fator educativo e educacional para a TV brasileira.


 


O ministro da Cultura cita a Convenção sobre Diversidade Cultural, da Unesco, cuja ratificação tramita no Congresso Nacional, para embasar o fortalecimento e o incentivo suas diversidades culturais e seus patrimônios simbólicos. “Certamente, uma televisão pública vibrante é um instrumento decisivo para realizar as diretrizes dessa convenção  a favor de uma  globalização justa e baseada no diálogo e admiração cultural dos povos”, definiu.


 


O ministro destacou também a televisão como espaço de informação, debate e repercussão da vida pública e das mudanças da sociedade. Gil indicou que a televisão pública é estratégica também para isso embora o Brasil tenha vivido uma inversão de fatos, em relação a outros países em que a cidadania antecedeu o consumo de massas.


 


O ministro sublinhou, ainda, que  o Brasil sofreu os atrasos de 20 anos de um período autoritário, marcado pela censura e pela centralização impostas às televisões. O cenário onde o país “foi alfabetizado na leitura audiovisual antes da completa alfabetização escrita” só aumenta o desafio de tornar a televisão daqui para a frente um lugar de realização e de cidadania, declarou Gil.


 


Bucci: o Brasil precisa de uma comunicação pública forte


 


Na avaliação de outro especialista da área, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, independentemente da existência de uma televisão privada forte, o país e a democracia precisam de uma comunicação pública forte. Ele participou do lançamento oficial do Fórum Nacional de TVs Públicas, no Rio de Janeiro.


 


“Os dois sistemas, o primeiro comercial e o segundo público, devem se completar para realizar a verdadeira pluralidade, a diversidade e a coexistência de múltiplas formas de expressão e de manifestação dentro do espaço público. Não é verdade que o sistema comercial – cujo objetivo é o de angariar público para vendê-lo ao anunciante – seja suficiente para realizar todas as tarefas que a democracia exige da comunicação”.


 


Embora considere o sistema comercial indispensável e vital para a democracia, Bucci é enfático ao afirmar que o setor não abarca tudo o que é necessário. “Por isto é preciso o sistema público. Aquele que se move, que se coordena seguindo padrões e critérios que não tenham a ver necessariamente com a comercialização da sua própria audiência”.


 


Para Bucci, o sistema público não é melhor e nem pior que o sistema comercial, apenas diferente. “Nós sabemos que há uma serie de ofertas que só o sistema público pode proporcionar, porque há um campo vasto e imenso que o sistema comercial não consegue preencher. Por isto as democracias, e, sobretudo, as que nos servem de referência, não podem dispensar uma comunicação pública”.


 



Cunha Lima : sobrevivência difícil


 


O presidente da Associação das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec), Jorge Cunha Lima concorda, mas ressalta as dificuldades enfrentadas pelo setor.


 


Segundo ele, sempre foi muito difícil a sobrevivência das TVs publicas no país. “Elas sempre estiveram muito abandonadas. Somente com autonomia intelectual, financeira e administrativa, a televisão pública poderá cumprir o seu real papel na sociedade brasileira e cumprir realmente as finalidades para as quais elas foram criadas: uma televisão voltada muito mais para a sociedade do que para o mercado; voltada para a compreensão dos acontecimentos do que para o espetáculo da notícia. E que privilegie a formação das crianças e da consciência critica do cidadão”, avalia.


 


Para Jorge Cunha, é chegado o momento de a TV pública ganhar o reconhecimento de alguns setores da sociedade e de segmentos da própria administração publica e do Congresso Nacional. “E as discussões no âmbito do fórum vão propiciar este reconhecimento. É chegado o momento de a TV pública possa ganhar o espaço que ela merece na sociedade, não como um filho bastardo da legislação, mas sim como um instrumento legítimo da cidadania – que a televisão representa”, afirmou.


 



Divisor de águas do setor


 



O Fórum do ano que vem, que reunirá representantes do segmento, do Governo Federal, do Congresso Nacional e da sociedade civil. Ao realizar o Fórum Nacional de TVs Públicas, o Ministério da Cultura objetiva construir mecanismos para promover uma maior articulação entre os canais públicos de televisão e, ao mesmo tempo, apontar recomendações estratégicas para o planejamento futuro de políticas públicas e de adoção de medidas necessárias ao desenvolvimento da TV pública no Brasil.


 


O  presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), Gabriel Priolli, avalia que o Fórum Nacional de TVs Públicas deverá se transformar em um “divisor de águas” da história da televisão do país.


 


“Até então este setor vem se desenvolvendo como pode. Desenvolvimento este baseado na superação de terríveis limitações, com base no esforço dos profissionais envolvidos e em soluções criativas para problemas sérios, do que propriamente por apoio decorrente do Estado ou mesmo da sociedade brasileira”, diz.


 


Com o fórum, segundo Priolli, será possível levar que o setor da comunicação pública seja olhado em toda a sua “complexidade e diversidade”, de modo a que o Brasil possa perceber o “patrimônio que tem nas mãos”.


 


Uma iniciativa do Ministério da Cultura junto à Casa Civil e às entidades representativas do campo público de televisão, o evento de ontem (27) aconteceu em sessão especial da programação do Fórum Cultural Mundial – que acontece no Rio desde a semana passada.


 


Fizeram parte da mesa do evento, Gilberto Gil – Ministro de Estado da Cultura; Dilma Rousseff – Ministra de Estado de Minas e Energia; Orlando Senna – Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura; Eugênio Bucci – Presidente da Radiobras; Beth Carmona – Presidente da TVE Brasil; Mario Borgneth – Assessor Especial do Ministro da Cultura; Jorge Cunha Lima – Presidente da ABEPEC; Gabriel Priolli – Diretor Presidente da ABTU; Rodrigo Lucena – Presidente da ASTRAL e Fernando Mauro Trezza – Presidente da ABCCOM.


 


Manifesto


 



Para convidar emissoras de TV, entidades do setor, intelectuais e a sociedade civil para discutir o futuro da comunicação do setor, seus objetivos, seu conteúdo e sustentabilidade os articuladores do Fórum Nacional de TVs públicas organizaram um manifesto. Veja a seguir a íntegra do documento:



 



''Por que um Seminário da TV Pública


 


Se, no Brasil, a televisão é o centro de gravidade do espaço público e, por extensão, da própria cultura, a televisão pública é o campo essencial em que a cultura deveria ganhar vida e visibilidade para além dos critérios de mercado. Uma televisão pública forte e criativa só pode existir num ambiente de liberdade, de vias abertas para a diversidade de opiniões e idéias e horizontes mais largos para o pensamento.


Não podemos nos contentar em ter apenas a televisão comercial em nosso universo e, portanto, devemos discutir temas como sustentabilidade da TV Pública, incentivo a produção de conteúdos e o fluxo desta produção e a sua integração aos processos  tecnológicos digitais, bem como, a promoção de valores, o debate da ética e a formação da sociedade.


A nossa televisão pública existe, mas dispersa e fragmentada ao nível da exaustão, num grau em que as partes não se reconhecem integrantes de um todo comum. Emissoras universitárias, comunitárias, legislativas, às ligadas a governos estaduais e aquelas vinculadas a  órgãos federais não tiveram a chance de se identificar em laços de irmandade. Elas compõem um sistema de comunicação pública – porque se somam num esforço de comunicação não-comercial, que não têm a audiência como obsessão e nem o anunciante como objetivo. Existem para prestar serviços ao público, levando a ele informação, cultura e educação – e não mero entretenimento.


A TV pública não quer, não pode e não precisa mais viver dispersa, oculta de si mesma, apartada do público. Por isso, o Ministério da Cultura convida todas as TVs Públicas do Brasil, as entidades da sociedade civil e governos para uma conversa que ele pretende fecunda e de longo prazo. Em busca de um entendimento que só fará bem aos brasileiros, à toda televisão nacional, às TVs públicas em geral, à cultura deste país, ao nosso espaço público e, fundamentalmente, à nossa democracia.


 


Ministro da Cultura, Gilberto Gil
Secretário do Audiovisual do Ministério de Cultura, Orlando Senna
Presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci
Presidente da TVE Rede Brasil, Beth Carmona''