Planos para o Nordeste após a reviravolta de outubro

Por Simão Almeida*
Não há registro na história do Nordeste de um cenário político semelhante ao que emergiu das eleições de 2006: dos nove governadores eleitos, seis são oriundos do campo das forças políticas de esquerda – Bahia, Sergipe e Piauí pelo P

É um fato inédito em nossa história. Inédito e alvissareiro. Faz renascer revigorada em nossa memória a bandeira da união do Nordeste para pôrem prática o projeto há tanto tempo acalentado nestas paragens, de crescimento com justiça social.



O fator Lula



Esta expectativa parece haver encontrado receptividade na região, como mostram os resultados das eleições presidenciais que sacramentaram a continuidade de Lula à frente do Executivo nacional com mais de 70% dos votos válidos nordestinos. É que, no embate das propostas programáticas, este pernambucano de Garanhuns retomou com toda força a questão regional como ponto central na discussão do desenvolvimento nacional, integrado e sustentável.



A viga mestra do plano de governo de Lula deslocou a visão estratégica liberal-conservadora, fazendo vingar a orientação desenvolvimentista, que requer a retomada dos investimentos públicos em áreas estratégicas. A palavra de ordem altissonante no discurso do presidente passou a ser: “um novo ciclo de desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade”, para desconforto dos rentistas e investidores de capital especulativo.



Neste contexto de mudança de paradigmas, ao lado deste núcleo de seis governadores do campo popular e democrático, os outros três eleitos já anunciaram o seu propósito de somar fileiras ao lado de Lula: Jackson Lago (PDT) do Maranhão, Cássio Cunha Lima (PSDB) da Paraíba e Teotônio Vilela Filho (PSDB) de Alagoas. Este último, se não resumir a lembrança do seu pai apenas ao nome que carrega, mas estendê-la ao de seu governo com certeza somará com todos os seus pares da região no esforço comum.



Por um plano estratégico de desenvolvimento



O Nordeste nunca viu nem viveu sinais tão animadores. Estes apontam no sentido de vencer as seculares chagas sociais da região.



Estão dadas, assim, condições históricas favoráveis para o lançamento de uma ampla aliança política pelo desenvolvimento do Nordeste. Sem o achegamento de oportunismos recorrentes, nem arranjos forçados para acomodar particularismos. A partir deste núcleo dos governadores do campo da esquerda, articulando os outros governadores e convocando a sociedade à participação, através de todas suas expressões organizadas, será plenamente possível tomar iniciativas visando à construção de um plano estratégico de desenvolvimento regional, integrado e sustentável, tendo como foco reduzir as disparidades inter e intra-regionais, colocando o homem no centro das decisões.



Algumas obras estruturantes foram iniciadas no primeiro governo Lula, como a Ferrovia Transnordestina, a duplicação da BR-101, a refinaria de petróleo em Suape, em parceria com a estatal venezuelana PDVSA, a usina siderúrgica no Ceará. Outras iniciativas já estão pautadas para o segundo mandato, tais como as usinas de biodiesel, a exploração de petróleo em Sousa, as extensões dos campi das Universidades Federais e a criação de Escolas Técnicas em todas as cidades pólo do país.



Entende o presidente que as regiões mais pobres terão prioridade. Cabe ao Nordeste e aos nordestinos colocarem em relevo o lugar da região no contexto nacional, legitimando, pela mobilização social, a prioridade anunciada como princípio de justiça.


 


Elementos de uma plataforma



No leque de ações a ressaltar deve ganhar primazia e celeridade o processo de reforma agrária, como política redistributiva mais abrangente e eficaz na perspectiva reduzir as iniqüidades reinantes, resultantes da concentração fundiária e garantir a cidadania de milhões de excluídos dos frutos do progresso social.



A revitalização do rio São Francisco e sua interligação com as bacias do Nordeste Setentrional são duas ações complementares de um programa de longo alcance — que visa suprir a região de recursos hídricos necessários ao seu desenvolvimento. Não se mata a fome sem antes matar a sede; quem já passou por tal experiência sabe o que é pior…  Todas estas iniciativas com certeza trarão mudanças substanciais na realidade nordestina, e na vida de seu povo.



Mas o novo quadro político do Nordeste não só permite como exige um pensar sistêmico da região, a partir do quadro político conquistado. A idéia-força do desenvolvimento regional, cuja gênese se encontra no 1º Encontro dos Bispos do Nordeste, acontecido há exatos cinqüenta anos, em 22 de novembro de 1956, em Campina Grande, tem todas as condições de ser retomada em patamar qualitativamente superior.



Por onde começar?



Nesta direção, não basta recriar a Sudene como instrumento de ação. As vitórias conquistadas nas eleições de outubro tornam possível muito mais. Alcançamos a base para a construção da unidade política, alicerce para outras construções nos campos administrativo, econômico, social e cultural. São medidas solidárias para a amálgama da unidade nacional nesse longo percurso de superação das desigualdades historicamente assentadas e ampliadas.



Por onde começar? Pode-se aventar uma sugestão pautada no bom senso e na razão: o governo central, articulado com os governos estaduais do Nordeste, coordenaria todo um movimento envolvendo as representações parlamentares federais, estaduais e municipais, governos municipais, universidades e outras instituições civis, sindicatos patronais e dos trabalhadores, movimentos sociais, enfim, todas as forças políticas, sociais, intelectuais e culturais da região. Seriam realizadas Conferências Estaduais com ampla representação, as quais aprovariam, prioritariamente por consenso, as propostas para cada Estado. Este processo culminaria em uma “Conferência do Nordeste”, que sintetizaria e aprovaria a proposta do Programa de Desenvolvimento do Nordeste, na sua ampla acepção de transformações estruturais com participação social, distribuição de riqueza e renda, e atendimento de serviços sociais básicos de qualidade à população. Obra, compromisso e desafio de governos e sociedade.



É uma idéia. Provavelmente haverá outras neste esforço exploratório para a volta da asa branca.



* Engenheiro eletricista, secretário de Ciência e Tecnologia da Prefeitura de João Pessoa; foi deputado estadual (PCdoB-PB, 1990/1994); presidente da Funceti (1995/l996); secretário de Governo e Articulação Política de João Pessoa (2005/2006)