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A reconquista do Senado, após 61 anos

Por Priscila Lobregatte


Dos idos de 45, quando elegeu seu primeiro senador, aos tempos atuais, PCdoB sobrevive às intempéries da vida democrática brasileira. Na matéria abaixo, publicada originalmente no jornal A Classe Operária

Como todo partido que opta pelo questionamento ao poder de uma elite e escolhe a defesa da igualdade por meio da participação popular, o PCdoB é marcado por uma trajetória de vicissitudes e vitórias. No conjunto das agremiações brasileiras, foi o que mais sofreu com a tirania de nossa classe dominante. Em quase 85 anos de existência, que serão completados em 2007, esteve na clandestinidade por 60 anos, perdeu militantes em ações repressoras como a Chacina da Lapa e a Guerrilha do Araguaia, teve mandatos cassados, materiais apreendidos, sedes destruídas. No entanto, em nenhum momento deixou de atuar na vida política nacional. De Luis Carlos Prestes a Inácio Arruda, os dois únicos senadores eleitos pelo partido, mais de meio século se passou e transformou o PCdoB de um partido perseguido a um dos formadores da base de sustentação do primeiro presidente operário da história nacional.



1945: renascem as esperanças




O ano de 1945 marcou a volta do Partido Comunista do Brasil à legalidade depois de 23 anos de vida clandestina. Aquele foi um período de grande euforia popular e política, dada a vitória dos Aliados contra os nazistas e o tão aguardado fim da Segunda Guerra Mundial, datado de 8 de maio de 1945.


Embalados pelo sucesso da atuação soviética na derrota de Adolf Hitler e, no cenário nacional, pela anistia política decretada por Getúlio Vargas em abril, os comunistas realizaram um comício que reuniu cerca de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro. Após quatro meses, o Comitê Nacional do partido teve sua primeira reunião em situação de legalidade, onde deliberou sobre a tática comunista, que deveria estar centrada na luta pela democratização e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Naqueles anos, o partido alcançara um de seus períodos de maior prestígio e inserção social. Suas fileiras contavam com 100 mil filiados, 1,7% do eleitorado da época, que era de cerca de 6 milhões de pessoas. A evolução desses números foi ainda mais surpreendente: entre o começo de 1945 e o final de 1946, o partido quadruplicou sua filiação, passando de 50 mil para 200 mil filiados.


O presidente José Linhares, que sucedeu Getúlio Vargas após o golpe militar, convocou as eleições para a presidência da República e para a formação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Foi quando o PCdoB – então PCB – pôde mostrar sua força política. Mesmo com os percalços que marcaram a legenda desde a sua criação e do pouco tempo de atuação legal, os comunistas conseguiram a façanha de eleger um senador – Luis Carlos Prestes – e 14 deputados federais, que formaram uma bancada bastante atuante no processo constituinte. Entre eles estava João Amazonas, um dos mais votados  pela capital, Rio de Janeiro, onde também se destacou por sua votação a senador (a legislação da época permitia que uma pessoa se candidatasse a mais de um cargo, em mais de um estado). Além disso, o candidato comunista à presidência da República, Yedo Fiúza, obteve 10% dos votos, mesmo tendo feito apenas 15 dias de campanha eleitoral.


Logo após a promulgação da nova Constituição, em 18 de setembro de 1946, foram realizadas eleições estaduais e mais uma vez, o PCdoB obteve expressiva participação eleitoral: elegeu 46 deputados estaduais em 15 estados e no Distrito Federal. Entre os parlamentares eleitos estavam nomes como Pedro Pomar e Diógenes Arruda. O partido consolidava-se como a quarta maior força política da República, atrás apenas dos oligárquicos UDN (União Democrática Nacional) e PSD (Partido Social Democrático) e do reformista PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).




Nova interrupção




Sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, a evolução do PCdoB foi novamente ceifada pela repressão conservadora. A euforia pelo fim da Segunda Guerra e a mudança de rumo na política nacional deram lugar a um novo panorama. Influenciadas pela rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, marcando o início da Guerra Fria. As elites políticas brasileiras voltaram a perseguir o partido. Um longo processo de depreciação dos comunistas se seguiu e culminou com a cassação da legenda pelo Tribunal Superior Eleitoral em maio de 1947.


A violência foi precipitada pelo sucesso comunista nas eleições municipais daquele ano, quando o PCB voltou a ter um desempenho notável. No estado de São Paulo, Armando Mazzo foi eleito prefeito de Santo André e mais 13 comunistas venceram para vereador. Na capital paulista, foram 15 os comunistas eleitos para a Câmara Municipal; em Santos, foram 14. Já em Recife, o partido elegeu 12 vereadores. Na capital da República, os comunistas elegeram a maioria da Câmara, ficando com 18 dos 34 vereadores.


Mas os mandatos foram interrompidos pela decretação da ilegalidade do partido. Muitos, como o prefeito Armando Mazzo, nem mesmo puderam assumir seus mandatos. E, em janeiro 1948, a fúria anticomunista atingiu os mandatos federais do partido, com a cassação dos 14 deputados federais e do senador Luiz Carlos Prestes. O governo chegou mesmo a decretar a prisão dos principais dirigentes comunistas, que passaram para a clandestinidade.


Começava o mais longo período sombrio da história do partido, que só foi interrompido quase quarenta anos mais tarde, em 1985. Mesmo imerso na clandestinidade, o PCdoB manteve-se atuante, liderando campanhas memoráveis, como as lutas pelo petróleo, contra a guerra e pela paz, na década de 1950; contra a ditadura militar de 1964, chegando a organizar a resistência armada no Araguaia, nos anos 70, quando quase 70 comunistas foram mortos pela ditadura por se atreverem a lutar pela liberdade. Na mesma década, o partido sofreu ainda a violência da Chacina da Lapa que, em dezembro de 2006, completa 30 anos.


Apenas em 1978 uma voz comunista voltou a ser ouvida na Câmara dos Deputados, mesmo que eleita pelo MDB, a legenda da oposição à ditadura. Foi assim que Aurélio Perez se tornou deputado federal.


Somente em 1985 a bandeira vermelha da foice e do martelo voltou a ser abertamente desfraldada na Câmara dos Deputados, com a conquista da legalidade e a possibilidade de eleição de candidatos comunistas pelo partido.




A esquerda no poder central


 De 1985 até 2002, o Brasil viu passar por sua presidência um governo de transição da ditadura para a democracia, dois presidentes neoliberais e um mandato tampão do nacionalista Itamar Franco, empossado em 1992 após o impeachment de Fernando Collor. E o PCdoB foi pouco a pouco recuperando sua força. Em 1986, o partido elegeu cinco parlamentares constituintes.


Finalmente, em 2002, chega à Presidência, com o apoio do PCdoB, o primeiro presidente operário do Brasil. Um novo ciclo se abria na história do país e, desde então, o partido passou a atuar na base governista e teve ainda dois ministérios: Coordenação Política, com Aldo Rebelo, e Esporte, com Agnelo Queiroz.


Em 20 anos, o PCdoB recuperou o fôlego cassado pela repressão e pela intolerância. Na eleição deste ano, o partido elegeu 13 deputados federais, com 2,13% dos votos válidos, e um senador, Inácio Arruda, pelo Ceará, que obteve 52,25% dos votos. Alcançou 6,36 milhões de votos para o Senado (7,5% do total), a quinta maior votação, atrás apenas do PMDB, PT, PFL e PSDB. Também neste ano, o partido alcançou o número de 186.887 filiados. Com a eleição de Inácio, reforça sua bancada na Câmara alta, que voltou a existir em 2005, com a filiação do senador Leomar Quintanilha, egresso do PMDB de Tocantins.


O contexto em que Inácio Arruda se elege é positivo para a esquerda nacional. A reeleição de Lula coroa o amadurecimento da corrente e a posição acertada do PCdoB, que vem apoiando o petista desde 1989, sem, no entanto, deixar de apontar as falhas de seu primeiro mandato. Logo após sua eleição, questionado sobre o fato de ser o primeiro senador comunista eleito depois de 60 anos, Inácio lembrou que “naquele ano, havia um enfrentamento internacional, os comunistas eram perseguidos, havia a guerra e hoje o contexto é outro”. E sintetizou o espírito da política comunista nestas últimas duas décadas: ''o PCdoB, nessa fase de retomada da vida democrática brasileira, tem atuado com grande amplitude. Só foi possível elegermos um senador no Ceará com uma ampla aliança política”. A quem se questionasse sobre posições mais extremadas dos comunistas, Inácio foi enfático: “radicalidade, neste momento, é unir forças políticas para ter um projeto de Brasil''.