John Pilger: Vamos acusar os cúmplices de Hussein

Em um julgamento ''show'', cujo clímax teatral foi claramente agendado para promover George W. Bush nas eleições legislativas americanas, Saddam Hussein foi condenado e sentenciado à forca. Disparates acerca do ''fim de uma era'' e de ''um novo início par

Por que George Bush pai não é acusado? Em 1993, uma investigação do Congresso descobriu que Bush como presidente havia ordenado um encobrimento para esconder o seu apoio secreto a Hussein e os embarques ilegais de armas enviados para o Iraque através de terceiros. A tecnologia de mísseis foi despachada para a África do Sul e o Chile, e então ''vendida'' ao Iraque, enquanto os registos do Departamento do Comércio eram falsificados. O congressista Henry Gonzalez, presidente do Comitê Bancário da câmara baixa do Congresso, afirmou: ''(Descobrimos que) Bush e seus conselheiros financiaram, equiparam e socorreram o monstro…''


 


Por que Douglas Hurd não é acusado? Em 1981, como ministro dos Negócios Estrangeiros, Hurd viajou a Bagdá para vender um sistema de mísseis da British Aerospace e para ''celebrar'' o aniversário da sangrenta ascensão de Hussein ao poder. Por que o seu antigo colega de gabinete, Tony Newton, não é acusado? Como secretário do Comércio de Thatcher, Newton, um mês depois de Hussein usar gás contra 5 mil curdos em Halabja (notícia que o Foreign Office tentou suprimir), ofereceu ao assassino em massa 340 milhões de libras em créditos à exportação.


 


Por que Donald Rumsfeld não é acusado? Em dezembro de 1983 Rumsfeld estava em Bagdá para assinalar a aprovação dos EUA à agressão do Iraque ao Irã. Rumsfeld voltou a Bagdá em 24 de março de 1984, o dia que as Nações Unidas relataram que o Iraque havia utilizado gás mostarda combinado com um agente de nervos contra soldados iranianos. Rumsfeld nada disse. Um relatório posterior do Senado documentou a transferência dos ingredientes de armas biológicas de uma companhia em Maryland, licenciada pelo Departamento do Comércio e aprovada pelo Departamento de Estado.


 


Por que Madeleine Albright não é acusada? Como secretária de Estado do presidente Clinton, Albright impôs um embargo implacável ao Iraque, o qual provocou meio milhão de ''mortes em excesso'' de crianças com menos de cinco anos. Ao ser indagada na televisão se as mortes das crianças foram um preço que valeu a pena pagar, ela respondeu: ''Nós achamos que valeu a pena''.


 


Por que Peter Hain não está a ser acusado? Em 2001, como ministro do Foreign Office, Hain descreveu como ''gratuita'' a sugestão de que ele, juntamente com outros políticos britânicos que apoiaram sem rodeios o sítio mortífero do Iraque, poderiam ser levados ao Tribunal Criminal Internacional. Um relatório ao secretário-geral da ONU de uma autoridade mundial em direito internacional descreve o embargo ao Iraque na década de 1990 como ''inequivocamente ilegal sob as leis de direitos humanos existentes'', um crime que ''poderia levantar questões sob a Convenção do Genocídio''.


 


Na verdade, dois responsáveis da missão humanitária da ONU no Iraque, ambos assistentes do secretário-geral, demitiram-se porque o embargo era na verdade genocida. A partir de Julho de 2002, fornecimentos humanitários no valor de mais de US$ 5 mil milhões, aprovados pelo Comitêde Sanções da ONU e pagos pelo Iraque, foram bloqueados pela administração Bush, com o apoio do governo de Blair e Hain. Isto incluiu produtos relativos a alimentação, saúde, água e saneamento.


 


Acima de tudo, por que Blair e Bush filho não são acusados do ''supremo crime de guerra'', para citar os juizes de Nuremberg e, mais recentemente, o principal promotor público americano — que é a agressão não provocada contra um país indefeso?


 


E por que aqueles que difundiram e ampliaram a propaganda que levou a tão horrendo sofrimento não são acusados? O New York Times relatou-as como fabricações de fatos transmitidas ao seu repórter por exilados iraquianos. Isto deu credibilidade às mentiras da Casa Branca, e sem dúvida ajudou a reduzir a resistência da opinião pública para apoiar a invasão. Aqui, a BBC quase celebrou a invasão com o seu homem na Downing Street a congratular Blair por estar ''conclusivamente certo'' na sua afirmação de que ele e Bush ''seriam capazes de tomar Bagdá sem um banho de sangue''. A invasão, segundo estimativa confiável, provocou 655 mil ''mortes em excesso'', esmagadoramente de civis.


 


Se nenhuma destas pessoas importantes for chamada a prestar contas, há claramente justiça apenas para as vítimas dos ''monstros'' reconhecidos.


 


Será isto justiça real ou falsa?


 


Falsa.


 



John Pilger é jornalista, cineasta e escritor. O artigo original pode ser lido (em inglês no site da revista New Statesman)