Livro marxista tem relançamento e debate; Cemarx faz 10 anos

Boas notícias para os estudiosos do marxismo no Brasil. Na próxima quinta-feira (16/11), em São Paulo (SP), a editora Perseu Abramo vai relançar e promover um debate sobre O Marxismo na América Latina – Uma Antologia de 1909 aos Dias Atuais. Já o

O livro, organizado pelo  sociólogo e acadêmico francês Michael Löwy, sai agora em edição revista e atualizada. Reúne artigos de diversos estudiosos das questões políticas no continente. A edição também traz novidades, como textos de Eduardo Galeano, Pagu, Mario Pedrosa, Clovis Moura, entre outros.


 


Dividido em cinco capítulos, o livro aborda diferentes temas – as revoluções sociais e políticas; a Guerra Fria; os diferentes projetos de socialismos; os partidos e grupos com ligações com o ideário marxista; e as novas tendências do pensamento de esquerda no século 21


 


No debate programado pela editora e pela Livraria da Vila, são esperadas as presenças do próprio professor Löwy (CNRS/França), além de Lincoln Secco (USP), Gilberto Maringoni (Agência Carta Maior) e Tatau Godinho (mediadora). A proposta é analisar o quadro político na América Latina e o papel das esquerdas na atualidade.


 


Cemarx
Por ocasião dos dez anos do Cemarx, o professor Caio Navarro de Toledo proferiu um discurso, lembrando a atualidade dos trabalhos do grupo. Caio é professor aposentado da Unicamp e ex-diretor do Cemarx. O Vermelho reproduz, abaixo, a íntegra de seu pronunciamento.


 


10 anos de Cemarx


 


Por Caio Navarro de Toledo


 



Com freqüência, em todo o mundo, a “morte do pensamento de Marx” é comemorada pelos ideólogos liberais e do conservadorismo.  Nos anos 90, no auge do pensamento neoliberal e com o chamado pós-modernismo, estas comemorações voltaram a se manifestar enfaticamente na mídia e em certos meios acadêmicos e culturais. Para estes, a desagregação da antiga URSS e a rendição socialismo do leste ao capitalismo neoliberal eram provas definitivas do colapso do pensamento de Marx e do marxismo em geral.


 


De forma cética, quando não cínica, renomados intelectuais ­­- outrora militantes do socialismo – anunciaram que, no plano do pensamento, a contemporaneidade agora se expressava pelo pós-marxismo ou pelo pós-socialismo. Fim da história, fim das ideologias e vitória da democracia liberal constituíam, assim, o senso comum dominante nos meios culturais e acadêmicos. 


 


Contra esse senso comum e navegando contra a corrente, um grupo de acadêmicos da Unicamp, em meados dos anos 1990, tomou a iniciativa de criar um centro de estudos que tomava a obra de Marx como referência fundamental de pesquisas e de debates.


 


O Cemarx surgiu no IFCH com uma afirmação central e uma justificativa teórica básica: o conjunto da obra de Marx é imprescindível para o trabalho de investigação no terreno da filosofia e das ciências sociais. Assim, se se pretende produzir conhecimento rigoroso e crítico sobre a sociedade capitalista contemporânea não podemos dispensar os conceitos, as categorias heurísticas e a metodologia propostos, implícitos ou sugeridos pela obra de Marx.


 


Desconhecer ou interditar o acesso dos pesquisadores e estudantes ao pensamento de Marx – como fazem sistematicamente instituições e centros de estudos não necessariamente privados -, significa objetivamente impedir que floresça e se desenvolva um pensamento crítico e criador.


 


Longe de nós a infundada suposição de que apenas na companhia de Marx poderemos alçar ao plano do pensamento crítico. As obras de Platão, Spinoza, Kant, Hegel, Weber, Wittgenstein, Freud e de muitos outros são também imprescindíveis, pois constituem um patrimônio do pensamento e da razão humana. Valiosos e bem vindos são, pois, os centros de estudos, existentes em várias partes do mundo, em torno da obra destes pensadores.


 


É de se admitir que quem se vincula a centros como estes, tem, basicamente, um legítimo interesse cognitivo. No entanto, um centro de estudos em torno de Marx, não visa apenas o entendimento rigoroso do pensamento deste autor; seus pesquisadores – na boa tradição do marxismo clássico – também se comprometem no sentido de produzir uma reflexão crítica e transformadora.


 


Refletir sobre a obra de Marx nunca será um ato gratuito, diletante ou inconseqüente para quem leva em conta os pressupostos teóricos centrais desse pensamento. A rigor, levar a sério o projeto intelectual de Marx implica tomar posição diante das lutas históricas que homens e mulheres travam pela transformação da ordem burguesa e capitalista.


 


Significa isso afirmar que o Cemarx deve, publicamente, assumir posições militantes e ter um caráter político? Em absoluto. O Cemarx, nestes 10 anos de existência, jamais se identificou com uma particular posição ou uma definição político-partidária. Nunca se posicionou nem se posicionará oficialmente sobre aspectos da conjuntura política brasileira ou mundial. Embora não assuma nenhum tipo de ecletismo ou neutralidade axiológica ou política, o Cemarx tem sido conseqüente na defesa e na prática do pluralismo teórico e político em todas suas atividades.


 


O significado do engajamento político-ideológico de um centro de estudos como este – distinguindo-se, pois, dos seus congêneres – reside no compromisso de promover a discussão da realidade político e social do capitalismo contemporâneo. Paralelamente aos grupos de pesquisas e de estudos que se desenvolvem no Centro, são organizados debates com pesquisadores e especialistas – socialistas ou não – sobre questões cruciais e relevantes, tais como a guerra imperialista no Afeganistão, no Iraque, no Líbano; o 11 de setembro; a violência contra o povo palestino e o conflito árabe-israelita; o golpe de 1964; as esquerdas e a eleição presidencial no Brasil etc.


 


O Cemarx é, hoje, inegavelmente, a mais importante referência acadêmica no campo dos estudos marxistas no Brasil. Para o ex-diretor do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), o sociólogo Atílio Borón, o Cemarx é um exemplo a ser seguido pelos universitários marxistas da AL. Se isto nos incentiva, não podemos, contudo, deixar de reconhecer que este Centro de estudos poderia ser mais forte e consistente do pv intelectual e acadêmico.


 


Como o exercício da crítica e da autocrítica é inerente à reflexão marxista, temos de reconhecer que nem todos marxistas da Unicamp participam do Cemarx. Dissensões no passado provocaram o afastamento de colegas que estiveram presentes na criação do Centro. Não sendo este o momento mais apropriado para examinar esta situação, cabe, de forma positiva, observar que, nos anos recentes, colegas do IFCH e de outros institutos, cujas preocupações teóricas se vinculam à teoria marxista, têm sido convidados e participado de nossas atividades. Fortalecer o campo do marxismo no interior da universidade brasileira, em particular na Unicamp, tem sido uma preocupação constante do Cemarx.


 


Finalmente, devemos ressaltar um valor que distingue o funcionamento e a organização do Cemarx. É muito lembrado que, nos tempos atuais, ninguém ousa ser contra a democracia; difícil, no entanto, seria encontrar entidades ou comportamentos democráticos. Deixando de lado, a questão da veracidade ou não desta blague, importa assinalar que no espaço do Cemarx o exercício da democracia tem sido uma realidade efetiva.  


 


Se, em virtude da especificidade do trabalho acadêmico, a responsabilidade da Direção do Centro cabe sempre a um docente, tudo o mais é objeto de debate e decisão por parte do conjunto de seus participantes (professores, pesquisadores e estudantes, sejam eles graduandos ou pós-graduandos). 


 


Exemplar neste sentido é a organização da atividade que mais tem projetado o trabalho do Cemarx nos meios acadêmicos brasileiros. Na organização dos Colóquios Marx e Engels tudo está em questão: a definição de sua problemática, os temas a serem discutidos, a escolha dos conferencistas e debatedores, a definição dos grupos de trabalhos, a seleção dos textos a serem ai apresentados e as demais responsabilidades que implicam a efetiva realização do evento. O testemunho dos estudantes – mais do que minhas palavras que, certamente, poderiam ser aqui interpretadas como mera retórica – deveria ser invocado para comprovar a efetiva existência da democracia no cotidiano e na prática do Cemarx.


 


Porém, se o público for benevolente e conceder que este discurso é veraz, diria que a democracia interna pode ser um fator que explica consolidação do Cemarx bem como sua relevância na vida cultural e política da Unicamp.


 


Por último, já que falamos em democracia, devemos lembrar que, em pesquisa feita no ano passado pela BBC, Marx foi eleito o mais importante pensador de todos os tempos. Certamente, é possível questionar o rigor deste tipo de consulta de opinião. Mas, não se pode deixar de concluir: a própria mídia que enterra, vê-se obrigada ­- por força da rebeldia do público – a reconhecer que o pensamento de  Marx ainda está vivo e continua nos interpelando.