Caos nos aeroportos: a lição dos controladores de vôo

Falhas humanas são as principais responsáveis pelos acidentes aéreos

Por Osvaldo Bertolino


 


O caos que tomou conta dos aeroportos chama a atenção para a situação da aviação brasileira. A princípio, não há como ser contra o movimento dos controladores de vôo. Nem contra as medidas adotadas pelo governo para amenizar a situação. Segundo informa a Agência Estado, o Comando da Aeronáutica decidiu aquartelar todos os controladores e militares que trabalham no Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Trafego Aéreo (Cindacta 1), em Brasília, inclusive os 150 funcionários que foram intimados a permanecerem em seus postos de trabalho, no dia 2 de novembro, feriado de Finados, quando houve o apagão aéreo. A medida emergencial foi tomada para evitar atrasos nos vôos nos principais aeroportos do país no feriado do dia 15.


 


A justificativa para a decisão foi a apresentação de um número significativo de atestados médicos por controladores, mas a Aeronáutica não informou quantos. Ao serem convocados, os militares foram informados de que deveriam levar roupas de cama e objetos pessoais porque não há previsão de quanto tempo eles ficarão dentro do Cindacta 1. Desde domingo, quando dois controladores se ausentaram do trabalho por problemas de saúde e pessoais, voltaram a ocorrer atrasos de vôos nos principais aeroportos do país. Na segunda-feira, 13, a ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, convocou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, que durou cerca de três horas e meia, para saber o motivo dos recentes atrasos nos aeroportos.


 


Estresse nas alturas


 


Depois da reunião, a Casa Civil distribuiu uma breve nota dizendo que a ministra determinou que fossem adotadas ''medidas necessárias para sanar no menor tempo possível'' o problema. Na segunda-feira, os funcionários do Cindacta começaram a ser convocados para comparecer a uma reunião no dia 14. E todos os que chegavam iam sendo avisados que não sairiam mais, que estavam aquartelados, repetindo a operação do dia 2 de novembro. A Aeronáutica não confirma que a decisão de aquartelamento do seu pessoal foi tomada como decorrência da reunião com a ministra Dilma, na qual o comandante da força, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, estava presente. Informa apenas que a decisão foi tomada na reunião do dia 14.


 


É possível que haja um certo exagero nisso tudo — decorrência do acidente ocorrido no dia 29 de setembro. Antes de tudo, é preciso considerar o estado de choque em que se encontram os controladores de vôo e a justa luta da categoria por melhores condições de trabalho. Uma pesquisa da filial brasileira do International Stress Management Association (Isma), uma organização não-governamental, revela que a profissão de controlador de vôo é, ao lado das de policiais e seguranças, a mais estressante. É fácil imaginar o que o estresse nas alturas pode causar na vida profissional e pessoal desses trabalhadores. E mais: desastres aéreos são espetaculares. Há fogo. Há explosão. Há corpos destroçados. Há histórias tristíssimas. E eles são obrigados a conviver com a perspectiva de se defrontar com essa situação permanentemente.



 


Poderosa virtude


 


 


Por mais que se tenha progredido desde Santos Dumont, os aviões continuam caindo. Claro que em proporções menores, como demonstram as estatísticas. Em 1965, havia uma média de 15 acidentes a cada milhão de decolagens. Agora são 5. Mas estatísticas aéreas são extraordinariamente irrelevantes nesse caso. Para os controladores de vôo, há uma sentença definitiva: existem apenas dois tipos de vôo; os que chegam e os que não chegam. Ainda no terreno das estatísticas: segundo elas, o avião continua sendo o mais seguro dos meios de transporte à disposição das pessoas. As chances de morrer em acidente aéreo (0,2 em 1 milhão) são menores do que as de ser atingido por um raio (1,1 em 1 milhão). São muito inferiores às de morrer num acidente de carro (2,7 em 100). Ou às de ser atropelado mortalmente na cidade de São Paulo (1,8 em 100).


 


Na verdade, entre tantos horrores um desastre aéreo possui uma poderosa virtude: ele estimula até os últimos limites a discussão da segurança nos ares. O desfile de estatísticas cai para segundo plano e cede lugar a considerações práticas sobre o que, exatamente, se pode fazer para reduzir riscos. A queda de um Boeing da Varig no Aeroporto de Orly, na França, em 1973, trouxe como seqüela a instalação de detectores de fumaça de cigarro nos banheiros das aeronaves. A origem da queda estava num incêndio provocado por um fumante. Independentemente da questão específica da queda do Boeing da Gol, as discussões em torno do acidente levantaram muitas outras questões a respeito da segurança aérea.


 


 


Reputação em treinamento



 


O fator humano é o grande responsável pelos acidentes aéreos. Um levantamento da Fundação para a Segurança no Vôo (FSF), uma ONG norte-americana, mostra que, excluídos os desastres provocados por atos terroristas ou por ações militares, os erros da tripulação são responsáveis por 60% dos acidentes aéreos. Falhas mecânicas e eletrônicas respondem por 12% do total dos acidentes. Manutenção e condições meteorológicas aparecem, cada uma, como as causas de 5% das ocorrências. As torres dos aeroportos entram com 4% na estatística. Os 14% restantes caem na categoria das causas variadas ou desconhecidas.


 


Ponto a anotar: é mais perigoso voar em aviões de empresas que não tenham reputação firmemente estabelecida em matéria de treinamento. É mais perigoso voar na América Latina do que na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos. A quantidade de acidentes por decolagem pode ser 8 vezes maior. Um cálculo do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNEA) mostra que a demanda por transporte aéreo no Brasil responde com uma elevação de 5 pontos a cada ponto percentual de crescimento do PIB. Existe um roteiro clássico depois das grandes quedas de avião.



 


Aprender com os erros



 


Primeiro, sob o impacto do choque, diminui o movimento de passageiros na zona de influência do desastre. Depois, a relutância em subir os degraus de um avião sucumbe ao fato de que simplesmente não existe alternativa. Há mais de 12 mil jatos comerciais em operação no mundo, conforme dados da revista Aviation Week, uma conceituada publicação norte-americana que é leitura obrigatória nos meios aeronáuticos. A frota atual de jatos comerciais é 6 vezes maior do que há 40 anos. Havia em 1965 mais de 15 ocorrências com vítimas para cada milhão de decolagens. Nos últimos 20 anos, a taxa internacional de acidentes se mantém em 5 acidentes por milhão de decolagens.


 


As estatísticas são mundiais. Distribuídas pelos continentes, elas se mostram diferentes. Na América Latina, o número de acidentes é de 32,4 por milhão de operações. Na África, 30 por milhão. Na Ásia, 18. Na Europa Ocidental, 9. Nos Estados Unidos, donos da maior frota do mundo, são 4. Os números da aviação brasileira, em particular, são melhores do que os da América Latina em geral. Mas ainda assim são ruins. Tomando-se toda a frota de 10 mil aviões, uma das maiores do mundo, os índices de acidentes estão próximos dos asiáticos. Na aviação comercial, no entanto, o céu melhora consideravelmente. Os índices estão próximos dos norte-americanos: 4 acidentes por milhão de decolagens. Há uma lição fundamental a ser tirada desse movimento dos controladores de vôo: enquanto houver seres humanos envolvidos, erros ocorrerão. O mais importante é aprender com eles para não permitir que se repitam.