Para os “falcões-galinha”, Bush não é bastante à direita

Por Juan Gelman, no Pagina 12*
Os “falcões-galinha” de Washington não esperaram a dura derrota do Partido Republicano nas eleições de terça-feira (7) — um verdadeiro plebiscito sobre a guerra no Oriente Médio — para se demarcar com a Casa Br

E não apenas Bush, mas o vice-presidente Dick Cheney e o ex-chefe do Pentágono, Donald Rumsfeld. Não são pacifistas: preconizam o passo seguinte de seu programa, a guerra contra o Irã, e querem que a coisa seja mais bem feita.



Se Richard Perle fosse adivinho



Richard Perle, ex-presidente da Junta de Políticas de Defesa (JPD) e eminência parda deste grupo de mentores, proclamava, meses antes da invasão do Iraque, que Saddam “é hoje provavelmente o indivíduo mais perigoso do mundo… Capaz de tudo, capaz de usar armas de extermínio em massa contra os EUA… A questão de Saddam Hussein é exatamente o centro da luta contra o terrorismo” (www.pbs.org).


Perle insistia na época que era imperativo berrubar o autocrata iraquiano. Quase 2.900 soldados americanos e dezenas de milhares de civis iraquianos mortos mais tarde, ele mudou de cantilena.



Na entrevista que concedeu a David Rose para Vanity Fair (3/11/06), Perle diz muito à vontade que “se tivesse sido adivinho e sabido como vão as coisas, e alguém perguntasse se devíamos atacar o Iraque, provavelmente eu teria respondido que não, que melhor seria examinar outras estratégias para abordar o que mais nos preocupa, o fornecimento de artefatos de destruição em massa aos terroristas por parte de Saddam (sic)”. Tarde demais.



“Libertar o Iraque será um passeio”?



O “falcão-galinha” fanfarrão que é Kenneth Aldelman, membro da JPD até 2005, publicou uma coluna que contém a seguinte frase memorável: “Creio que demolir o poder militar de Hussein e libertar o Iraque será um passeio” (The Washington Post, 13/2/02).



Agora ele pensa que não: “Supus que o que eu considerava como a equipe mais competente em matéria de segurança nacional era verdadeiramente competente. Mas ela mostrou ser uma das equipes mais incompetentes do após-guerra. Não só cada um dos seus integrantes possui enormes defeitos; também em conjunto eles  foram completamente ineficazes.”



Alderman agrega que será impossível “vender” doravante “a idéia de usar nosso poder em favor do bem moral e do mundo”. Como se antes a venda da “idéia” tivesse sido excelente.



Bush só perde para Bin Laden



A “revolução democrática mundial” que W. Bush disse ter começado no Iraque não tem muitos compradores nem sequer no Ocidente. Assim o demonstra uma pesquisa conjunta de quatro importantes órgãos de imprensa da Grã-Bretanha, Israel, Canadá e México (The Guardian, 13/11/06).



Dos entrevistados, 89% dos mexicanos, 73% dos canadenses e 71% dos britânicos consideram que a invasão não se justifica. Apenas 28% dos israelenses e 11% dos britânicos avaliam que os EUA contribuiram com ela para o progresso da democracia nos países em desenvolvimento.



Mais ainda: em matéria de perigo para a paz mundial, nos quatro países o presidente Bush figura em segundo lugar,  depois de Osama Bin Laden. Na Grã-Bretanha a diferença é reduzida: 87% das respostas indicam o chefe da Al Qaeda como um perigo grande ou médio; e 75% dizem o mesmo de Bush. Os britânicos avaliam que o governante estadunidense é mais perigoso que os presidentes da Coréia do Norte (69%) e do Irã (62%), ou o líder máximo do Hezbolá (65%).



Os arquitetos do desastre



David Frum engrossa a lista dos neoconservadores que fogem da Casa Branca. Ele escrevia os discursos do presidente estadunidense, como aquele famoso que formulou o conceito de “Eixo do Mal”. Mais de quatro anos depois, acredita que uma derrota norte-americana é possível, porque “a insurgência demonstrou que pode matar qualquer um que colabore (com a ocupação) e os EUA e seus amigos fracassaram em provar que conseguem protegê-los”.



Ele atribui a situação ao “fracasso do centro”, no qual inclui W. Bush. “Como redator de discursos, sempre acreditei que caso se pudesse convencer o presidente de se comprometer com certas palavras, ele se sentiria comprometido com as idéias que essas palavras expressam. Foi um grande choque para mim comprovar que o presidente, embora pronunciasse as palavras, não absorvia as idéias”, disse ele. Um modo bastante sutil de qualificar Bush de mentiroso.



A empresa Gannett Co. Inc. edita 91 jornais e mais de mil revistas, possui 21 estações de TV e numerosas rádios que cobrem no total uma audiência de 20 milhões de estadunidenses. Sua subsidiária especializada, o Military Times Media Group, dirige-se aos efetivos do exército, marinha, aeronáutica e ao corpo dos marines — inclusive suas famílias — com publicações diárias, adeptas do partido da guerra. Quatro dias antes das eleições, dedicou a Rumsfeld um editorial com final categórico: “Deve ir embora”. E Rumsfeld se foi.



Os arquitetos do desastre iraquiano culpam a todos, menos os que o prepararam: eles próprios. Dizem que nada tiveram a ver com o que se seguiu à derrubada de Saddam. Um cínico, dizia Oscar Wilde, é alguém que conhece o preço de tudo e o valor de nada.



* Diário argentino; intertítulos do Vermelho