O caminho para a privatização da Previdência

Uma nova reforma da Previdência teria como foco o fim do benefício definido e a terceirização da gestão dos recursos e do futuro dos trabalhadores — um prato cheio para bancos e seguradoras.

Por Osvaldo Bertolino


 



Um dos mais significativos legados da “era Vargas” é a legislação social. A maioria dos brasileiros deve a esse legado, além da Seguridade Social — que abrange a Previdência Social, a assistência médica e a assistência social —, os benefícios decorrentes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do PIS/Pasep e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Com a chegada dos neoliberais ao poder, o caminho para o acesso a esses benefícios se transformou numa estrada esburacada.



 


O mais atingido foi a aposentadoria. E agora, com a Previdência novamente na alça de mira dos neoliberais, um dos conceitos incluídos na última reforma e que até agora mereceu pouca atenção volta à ordem do dia: a troca do modelo de benefício definido pela contribuição definida. O benefício definido segue a fórmula tradicional conhecida pela grande maioria dos brasileiros: todos contribuem para um fundo conjunto e estipula-se um determinado valor para a aposentadoria, com base na média salarial (80% do último salário, por exemplo). Todos contribuem para todos.



 


Mercado financeiro



 


O modelo de contribuição definida, ao contrário, estipula o valor da contribuição mas não o da aposentadoria. Cada trabalhador tem uma conta individual. O valor da aposentadoria vai depender das quantias depositadas e do rendimento das aplicações que ancoram o fundo. Um banco, uma seguradora ou uma empresa privada de outra natureza pode administrar esses recursos. No mercado financeiro, esse conceito já é amplamente utilizado.


 



Funciona assim: a pessoa deposita mensalmente a quantia que escolher. Esse valor é gerido pelos administradores dos recursos, que cobram uma taxa pelo seu trabalho. Após certo tempo e cumpridas algumas condições, o depositante terá direito a sacar o resultado do que depositou. Algumas empresas têm o seu próprio sistema. Num plano fechado, como são conhecidos os fundos patrocinados por uma ou mais empresas, a poupança não depende só do trabalhador. A maioria das empresas também entra com uma parte. Assim, para cada real que o trabalhador tira do bolso, o empregador contribui com uma parcela correspondente.



 


Transferência do risco


 



Isso não tem nada a ver com bondade ou sensibilidade social — ao proceder assim, a empresa paga menos imposto de renda. A principal vantagem do plano de contribuição definida para as empresas é a transferência do risco financeiro ao trabalhador. Essa modalidade começa a predominar também nos fundos de pensão. A última reforma da Previdência aprovada determina que o funcionário público só pode ter o sistema de aposentadoria suplementar se for por meio da contribuição definida. Pelo modelo de benefício definido, em caso de déficit cabe à empresa ou ao Estado arcar com o seu custo. Só como exemplo: embora contestado pelo conselho fiscal, o déficit atuarial do fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, a Petros, estava estimado, no começo deste anos, em algo próximo de R$ 6 bilhões.


 



A pressão para que os fundos de pensão, responsáveis por gerir um patrimônio de cerca de R$ 40 bilhões, sofrem para trocar o modelo de benefício definido pela contribuição definida inclui a tese de que bancos são os melhores administradores de uma carteira de investimentos em ações e renda fixa. Afinal, dizem os adeptos dessa tese, eles vivem disso e para isso. A tendência de terceirização da gestão das carteiras de investimentos dos fundos de pensão é defendida até pelo presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), entidade que reúne os fundos, Nelson Rogieri. ''Pessoalmente, sou pela profissionalização'', diz ele. ''As grandes fundações vão perceber que é importante a troca de informações com os bancos'', afirma.



 


Balanço analítico


 


 


Por enquanto, essa mudança ganha força nas fundações de pequeno e médio porte, a maior parte delas de empresas privadas. Mas há algumas surpresas: o fundo de pensão do Banestes, Banco Estadual do Espírito Santo, já divide 90% de sua carteira de aplicações entre três bancos. Segundo dados da Secretaria de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Previdência Social responsável pela fiscalização das fundações de previdência privada, os fundos com administração externa já são 89. É exatamente o mesmo número dos que ainda fazem a gestão dentro de casa. Outras 61 fundações usam o modelo da administração mista.



 


A verdade é que os recursos dos fundos de pensão já apareceram como componentes importantes do mercado financeiro. É óbvio que os bancos vão sempre ter todos os argumentos do mundo para convencer os fundos de pensão a entregar suas aplicações a eles. Mas o que os trabalhadores ganham com isso? Para começar, nunca se viu publicado em qualquer veículo de comunicação que atinja diretamente o trabalhador um balanço analítico e compreensivo desses fundos, principalmente os terceirizados. O que sabemos é pouco e não agrada. Sabemos, por exemplo, que os recursos financiam até privatizações. Com isso, no lugar de justiça social e distribuição de renda, o que acaba ocorrendo é a concentração da riqueza nacional nas mãos de grandes grupos econômicos. Volto ao assunto no próximo artigo.


 


Leia também:


Quem quer a reforma da Previdência Social? (http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=9695)


Reforma da Previdência: quem são os vagabundos? (http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=9748)


Informalidade: pretexto para atacar a Previdência Social (http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=9790)