Metade da população do Hemisfério Sul adoece pela água

Para mais de um bilhão de pessoas é negado o direito à água potável e 2,6 bilhões carecem de acesso a saneamento adequado, afirma o Informe sobre Desenvolvimento Humano 2006, apresentado nesta quinta-feira (9/11). Nesta ocasião, o estudo anual do Programa

“A cada ano, 1,8 milhão de crianças morrem de diarréia, que pode ser prevenida com acesso à água e banheiros limpos; 443 milhões de jornadas escolares são perdidas por causa de doenças relacionadas com a água”, diz o estudo. “E quase 50% da população dos países em desenvolvimento sofrem, em algum momento, um problema de saúde causado pela falta de água e de saneamento”, acrescenta o documento. “Somando-se a este custo humano, a crise da água e do saneamento é um retrocesso para o crescimento econômico. A África subsaariana perde 5% de produto interno bruto anualmente, muito mais do que toda a região recebe em assistência”, acrescenta o informe.



Alguns ativistas expressam dúvidas a respeito da utilidade do Informe sobre Desenvolvimento Humano em melhorar a vida dos mais pobres. “A maioria dos informes, com o apresentado pelo Pnud, são feitos no mais alto nível. Os que o redigem não têm idéia sobre como sofrem os pobres pela escassez de água”, disse S’bu Zikode, do Movimento de Habitantes de Assentamentos, com sede na cidade sul-africana de Durban. Já estava escuro quando Zikode falava com a IPS, mas, ainda se via atividade ao redor de uma instalação pública de água nas proximidades. “Agora, há 20 pessoas fazendo fila, e já é tarde”, disse.



“Os que estão ali são aqueles que não têm possibilidade de pegar água pela manhã, quando a fila é longa. Vão trabalhar e voltam mais tarde. Precisam de água para cozinhar, lavar, se banhar e beber”, afirmou Zikode. Ele e seus vizinhos são pobres. Se instalaram na cidade por causa da pobreza e vivem em Kenneby, um assentamento informal a cinco quilômetros de Durban. “Vivemos aqui em sete mil pessoas. Compartilhamos cinco torneiras fixas e seis banheiros”, disse. No assentamento de Foreman, que fica a sete quilômetros de Durban, oito mil pessoas dividem duas torneiras e duas latrinas, uma para homens e outra para mulheres, acrescentou o ativista.



Mais de 180 mil dos três milhões de habitantes dessa cidade vivem em assentamentos precários onde a água escasseia, disse Desmond D’as, diretor da não-governamental Aliança Ambiental da Comunidade do Sul de Durban. “As pessoas fazem fila pela água desde as cinco horas da manha, e alguns têm de esperar o todo o dia”, disse. “As filas são longas. A água é um grande problema nos assentamentos informais, bem como o saneamento. As pessoas perdem a dignidade ao defecar em qualquer lugar. É anti-higiênico. O fedor e as doenças que isso causa são preocupantes”, disse Zikode.



Desequilíbrio
Dezoito pessoas, entre elas oito de uma única família, morreram desde outubro porque suas choças pegaram fogo. “Não há água para apagar as chamas. Os bombeiros demoram horas para chegar, e quando aparecem você já perdeu tudo, inclusive sua vida”, disse o ativista. “Atravessando minha rua há uma mansão onde vive uma família de sete pessoas. Têm sete torneiras e três banheiros. A sociedade está desequilibrada. A vida é injusta. Isto é inaceitável”, lamentou. Estas flagrantes desigualdades causam desespero. “Combatemos juntos durante o apartheid (regime de segregação racial institucionalizado em prejuízo da maioria negra que vigorou na África do Sul até 1994) e contribuímos para conseguir a liberdade que temos hoje. Mas, a maioria do povo está esquecida. Nossas vozes são ignoradas quando se trata de água e saneamento”, disse.



O ministro das Finanças, Trevor Manuel, havia assegurado em março que o fornecimento de água chegava a 90% da população sul-africana. O Departamento de Províncias e Governos Locais afirma que 165 empresas de água fornecem água potável gratuita a 3,9 milhões de lares. “Todos os cidadãos sul-africanos têm direito á água, consagrado pela Constituição. E o debate a respeito é árduo”, disse à imprensa o principal autor do Informe de Desenvolvimento Humano 2006, Kevin Watkins, em Johannesburgo. O estudo aplaude a política do governo da África do Sul em relação à água. ‘A lei estabelece que todos têm direito a pelo menos 25 litros de água limpa por dia”, recorda. Mas, ainda persistem desafios em “assentamentos informais não ligados ao serviço ou onde as casas não têm hidrômetros instalados”.



Até 2000, era comum a compra de 25 litros de água pelo equivalente a US$ 0,30. “Agora, não pagamos. Nosso problema é a escassez e as filas”, disse Zikode. De todo modo, a destinação legal de água por habitante não é suficiente, segundo a presidente da Associação de Moradores de Westcliff Flat, Orlene Naidoo. “Não posso entender que uma família de oito pessoas viva com 200 litros de água por dia. Não é suficiente. O sistema é cruel, brutal”, disse.