OAB adverte: copiar regras eleitorais não resolve situação no Brasil

Em matéria assinada por Gabriel Manzano Filho no jornal O Estado de S.Paulo do dia 5 de novembro, Everson Tobaruela, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB paulista defende que é preciso “corrigir as distorções na representatividade

Na forma como vem sendo discutida pelo governo e pelos políticos, a reforma política no Brasil não vai mudar nada. Suas vigas mestras, como financiamento público de campanha, voto distrital, fidelidade partidária e cláusula de barreira, apenas copiam idéias que deram certo em países muito diferentes. Por aqui, elas não vão eliminar os sérios problemas de nosso sistema político, partidário e eleitoral.




A advertência está em um documento que a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil vem preparando há mais de dois anos, a pedido de seu presidente, Luiz Flávio D’Urso. Para redigi-lo, um grupo de 70 advogados comparou sistemas políticos de mais de 200 países. “Vimos mais de 150 modelos, em regimes parlamentaristas, presidencialistas, monarquias. Descobrimos até que há 22 países sem partido nenhum”, diz o coordenador do trabalho, Everson Tobaruela, que preside a Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB paulista. A conclusão do grupo é que não há um “melhor’’ ou “pior”, mas que copiar soluções alheias, como fazem hoje Brasil e Argentina, não adianta. A proposta de Tobaruela: “É preciso mudar o rumo desse debate. Mexer na Lei dos Partidos, na Lei Eleitoral e criar um conjunto de regras que se harmonizem.”




O advogado ironiza pessoas que vivem citando regras políticas da Alemanha, da Espanha, dos Estados Unidos, mas não analisam os contextos. “Aqui dizem que é demais termos 29 partidos. Ora, os EUA têm mais de 80. Muitos europeus têm entre 15 e 30 – e ninguém lá fala em ingovernabilidade.” Não é a quantidade que importa, diz ele, mas uma lei adequada. Que permita partidos regionais, impeça partidos de aluguel, imponha normas que democratizem a vida interna das legendas. “Sabia que a Alemanha tem um Partido do Bem-Estar dos Animais, um Partido da Bíblia? Que os americanos têm um Partido da Maconha, um Partido Nazista, um Partido da Escolha Pessoal?”




Mas no Brasil, diz ele, minorias organizadas como ambientalistas ou homossexuais não podem ter um partido próprio, embora esse direito esteja numa cláusula pétrea, no art. 1.º da Constituição, no inciso V. Ele consagra o pluripartidarismo, que agora a cláusula de barreira nega.




Outro equívoco, critica o advogado, é o modo como se discute o voto distrital. “Tenta-se copiar voto distrital deste ou daquele tipo, mas não se discute a forma autoritária como a lei atual permite aos partidos se organizarem. Não são fiscalizados, não precisam fazer convenções abertas”, alerta o estudo da OAB. O art. 17.º da Constituição dá aos partidos, em seu inciso I, completa liberdade para que definam “sua estrutura interna, organização, funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária”. Mas ninguém cobra nada. O partido é um domínio particular de um líder ou de um grupo. Assim, para ele, a lista apenas lhes dará um enorme poder de negociação.




Se o Brasil quiser, de fato, melhorar seu sistema político, o estudo recomendará que o que se precisa “é corrigir as distorções na representatividade, e isso não se resolve nem com a cláusula de barreira que proíbe minorias, nem com voto em listas que nos termos atuais dá um enorme poder às atuais lideranças”.




Diversidade




Países como Espanha, Noruega, Israel e Portugal têm listas fechadas e funcionam a contento. “Mas é brincadeira achar que no Brasil o sistema, como um todo, vai melhorar mexendo-se em alguns itens isoladamente. Não adianta colocar voto distrital se não se fizer reforma na Lei Eleitoral. Como não adianta adotar financiamento público de campanha, se não mudar a forma de uso e controle do dinheiro.”




A propósito, ele lembra: o caixa 2, grande vilão das recentes eleições, continuará existindo mesmo com financiamento público. Pois não apenas os políticos podem usá-la, “mas também muitas empresas querem patrocinar campanhas para manter relações especiais com o poder”. E o custo das campanhas depende muito do número de candidatos. “A lei brasileira permite que um partido lance o equivalente a 150% das vagas disputadas em uma casa legislativa, o que é um absurdo”, ataca Tobaruela.




O grupo da OAB constatou que a marca dos sistemas políticos é a diversidade. Na Austrália, um eleitor pode apontar um candidato preferencial e indicar outros, que vão somando pontos. Israel tem um parlamentarismo de lista fechada, mas o primeiro-ministro é escolhido pelo voto do povo. A França tem eleição de deputados em dois turnos. A Índia reserva 22% das cadeiras para castas e tribos marginalizadas.




“O que se percebe”, diz Tobaruela, “é que não há uma forma certa ou outra errada, o que resolve é um conjunto de regras que se complementem.”




O estudo da OAB ressaltará, ainda, contra a forma como se discute a fidelidade partidária, que “em nenhum outro país do mundo” existe uma lei que mande cassar um político porque trocou de partido, como se pretende fazer na reforma política brasileira. Isso também se reduziria se as regras para o tamanho das bancadas e da formação das mesas fosse baseada no número de candidatos eleitos, e não no total da bancada no dia da posse. Isso eliminaria o troca-troca que sempre ocorre entre outubro e fevereiro, quando o Congresso define a Mesa e as comissões.




Um político democrata, diz Tobaruela, nem cogita passar para o Partido Republicano nos EUA, e um conservador jamais vai se filiar ao Partido Trabalhista na Inglaterra. “Pode-se aplicar punições, quando alguém transgride as normas”, afirma ele. “Mas cassar o mandato é um tapa no direito do cidadão que o escolheu para representá-lo.” (por Gabriel Manzano Filho)