Economistas da Unicamp lançam livro sobre mercados e política econômica de Lula

Sob a coordenação do economista e professor Ricardo Carneiro, foi lançado ontem (Fnac/Pinheiros) o livro “A supremacia dos mercados e a política econômica do governo Lula”, da editora Unesp. O evento foi seguido de uma mesa redonda e debates com Luiz Gonz

                     


Por Sérgio Barroso*


 


O livro “A supremacia dos mercados e a política econômica do governo Lula”, lançado ontem em São Paulo, é uma reflexão coletiva dos últimos três anos e meio no Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp. No livro, a política econômica praticada no governo Lula é repassada em onze textos. Além da Introdução, o trabalho divide-se em três grandes blocos: contexto internacional, estabilidade e políticas macroeconômicas, e crescimento econômico e políticas de desenvolvimento.


 


Propondo-se a “fugir da superficialidade do debate partidário e eleitoral”, o estudo em seu conjunto tem como objetivo central discutir questões maiores, em especial a da sustentabilidade do cenário internacional favorável e a das melhorias em aspectos como vulnerabilidade externa, fragilidade fiscal, distribuição de renda e continuidade do crescimento nacional.


 


Crítico e conforme a tradição do viés nacional-desenvolvimentista da Escola de Campinas, o trabalho, no essencial, reúne justas preocupações prospectivas que devemos ter frente ao segundo mandato do presidente Lula. Desafios que (sempre) devem ter acrescidos a análise rigorosa do quadro de forças políticas, bem como da capacidade intervenção das forças sociais organizadas e avançadas do nosso país. Claro: para que as formulações econômicas concretas (e abstratas) não se reduzam a inutilidades inaplicáveis.


 


Além de Carneiro, colaboram na pesquisa Luiz Gonzaga Belluzzo, Antonio Carlos Macedo e Silva, André Martins Biancareli, Daniela Magalhães Prates, Maryse Farhi, Francisco Luiz C. Lopreato, Cláudio Roberto Schüller, Mariano F. Laplane, Fernando Sarti e Marcos Antonio Macedo Cintra, todos de diversos departamentos do Instituo de Economia.


 


Veja a seguir a entrevista de Ricardo Carneiro, concedida ao Vermelho:


 



Há agora um duplo movimento na dinâmica da economia mundial: desaceleração norte-americana e crescimento econômico acima das expectativas dos analistas na Alemanha e França (EU), consolidado nos últimos dois trimestres (cerca de 2,5%); bem como no Japão. Qual a tendência principal, que tipo de efeitos isso pode ter na economia brasileira em 2007?


RC: O que se pode esperar da economia internacional nos próximos anos é um quadro menos favorável do que aquele observado entre 2002 e 2006 marcado pela simultaneidade de um forte crescimento do comércio – inclusive de matérias primas – e da liquidez, com queda generalizada de taxas de juros. Questões como a inflação e as bolhas de preços de ativos – com destaque para imóveis – na economia central, a americana, e o excesso de capacidade produtiva construída na China levam a prever, com alguma margem de confiança, uma desaceleração. Em termos práticos, para o Brasil isto significa que teremos que ampliar a ênfase nos determinantes domésticos do desenvolvimento.


 


O ex-ministro Delfim Neto tem insistido no “déficit nominal zero”, segundo afirma, para a redução da relação dívida/PIB e da taxa de juros. Acontece que o país necessita, com urgência, elevar bastante sua taxa de investimento público – pífia e praticamente sem relação com os 20% alcançados no setor privado. O Programa de governo Lula aponta uma taxa de investimento privado de 25% do PIB (Produto Interno Bruto). Como fazer?


RC: Um dos problemas que temos hoje no Brasil é o baixo patamar de investimentos privados, mas sobretudo públicos. Eles são essenciais, pois localizam-se nas áreas de infra-estrutura que dão suporte ao crescimento de longo prazo. A composição dos gastos públicos atualmente é desfavorável ao investimento dado o peso dos juros e dos gastos correntes. Logo é preciso fazer um ajuste; o problema é como? Discordo da idéia do déficit nominal zero, pelo menos enquanto seqüência do ajuste. Acho que ele teria que começar com a redução da carga de juros e conseqüentemente do déficit nominal o que possibilitaria compatibilizar continuidade do crescimento da dívida e redução do superávit primário, utilizando recursos adicionais para investimento. Na prática teríamos o mesmo resultado na redução da relação dívida/ PIB, com um crescimento mais rápido desse último.


 


Atualmente com quase U$ 75 bilhões, calcula-se que as reservas internacionais podem atingir cerca de U$ 90 bilhões ano que vem. È consensual que no primeiro mandato do governo Lula houve redução significativa da vulnerabilidade externa. Afinal, onde residiria tal vulnerabilidade?


RC: Acho que de fato tivemos uma redução da vulnerabilidade externa mas não a sua superação. Apesar do montante elevado de reservas continuamos a absorver recursos externos de curto prazo, o que pode numa eventual reversão do ciclo de liquidez pressionar as reservas e a taxa de câmbio, pressão esta que pode ser maior ainda pela apreciação da nossa moeda. Aliás, essa última tem prejudicado a balança comercial, permitindo um crescimento muito rápido das importações e uma desaceleração das exportações. Numa perspectiva de longo prazo pode-se também afirmar que a vulnerabilidade externa foi mantida intocada quando se olha para a composição das nossas exportações que não se diferenciaram na direção de manufaturas de maior conteúdo tecnológico. No campo financeiro também há aumento da vulnerabilidade potencial pois o Governo Lula permitiu uma ampliação da permissão dos investimentos de brasileiros no exterior.


 



4. O que o governo do presidente Lula deve fazer concretamente para “blindar” o Banco Central do nefasto predomínio da “ciência” das metas de inflação? 


RC: Talvez não haja no mundo um Banco Central com o grau de independência, “informal”, tão ampla, quanto o  BC brasileiro. A primeira tarefa é pô-lo de volta sob controle do poder político. Isto pode ser feito através da criação de uma institucionalidade da qual pode fazer parte a concessão de autonomia operacional. Primeiro é preciso ampliar a representatividade social do CMN que é o órgão que define as metas. Em segundo lugar é necessário que o Congresso Nacional fiscalize periodicamente, a cada três meses, por exemplo, se o BC está executando bem a sua tarefa.


 


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*Sérgio Barroso, Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.