O papel de Palocci na sabotagem a Mantega

Segundo o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, acabou a ''era Palocci'' no Brasil. Mas o papel do ex-ministro da Fazenda na tarefa de impedir o isolamento dos “ortodoxos” no governo é maior do que parece.

Por Osvaldo Bertolino


 


A mais eficiente concertação política da direita na história do Brasil, representada pela união do PSDB com o PFL, assumiu a Presidência da República em 1994 com Fernando Henrique Cardoso (FHC) prometendo uma reviravolta no país. Ao ser substituído em 2002 por Luiz Inácio Lula da Silva, de fato a direita deixou um Brasil em tudo diferente daquele que encontrou. De qualquer ângulo que se olhe — as prioridades, os resultados, a gestão do patrimônio público —, os anos FHC foram marcados pela tentativa de destruir tudo o que se fez antes deles. Mas não se tratou do processo conhecido como destruição criativa, que abre espaço para novos conceitos, paradigmas e idéias. Nada disso. O que se viu foi destruição mesmo.



A letargia daqueles 8 anos não foi o efeito mais nocivo produzido por aquele modelo de governar o país. Talvez o principal símbolo daquela “era” seja a gangue do martelo — aquela turma de representantes do governo que sempre aparecia sorridente e segurando o martelo dos leilões das empresas estatais nos noticiários. Eles foram o símbolo da destruição dos mecanismos de Estado construídos ao longo do século 20 para desenvolver o país por aqueles que lutaram incansavelmente em defesa de um projeto nacional. Em geral, quando tragédias desse tipo chegam ao fim as pessoas festejam e prometem esquecer o que aconteceu. Mas não é bom fazer isso no caso do modelo tucano-pefelista de governar. Quanto mais viva sua gestão for mantida na memória, menor será o risco de se repetir o erro.



Retomar um mínimo de normalidade na gestão do Estado foi o principal desafio de seu sucessor. É claro que tamanho terremoto, como o da gestão FHC, imobiliza qualquer país. Pode-se dizer que o presidente Lula trabalhou mais para reconstruir o que FHC pôs a perder do que propriamente inventar grandes novidades. A primeira metade do governo Lula pode ser definida como fraca tanto do ponto de vista macroeconômico quanto no aspecto social. Depois, as coisas deram uma melhorada. A economia — principalmente após a saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda — foi conduzida por diretrizes menos “ortodoxas” e os programas sociais ganharam impulso.



Principal meta de Palocci



Mas, embora não tão aberta, há uma intensa batalha pelo controle dos postos de decisão econômica no governo Lula. O ministro da Fazenda que substituiu Palocci, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, são os principais protagonistas deste duelo. Ao lado das posições de Mantega estão Dilma Roussef (Casa Civil) e Tarso Genro (Relações Institucionais). Aliado de Meirelles, porta-voz de banqueiros em ambientes fechados e engajado no movimento para disparar em Mantega, o principal artilheiro é Palocci, eleito deputado federal. O ex-ministro da Fazenda vocaliza um desejo que não é apenas seu, mas majoritário entre aqueles que foram, e seguem a ser, seus maiores apoiadores — inclusive na campanha recém-finda —, os banqueiros.



Palocci tem dito que a sua principal meta é a de convencer o Partido dos Trabalhadores (PT) a abraçar uma “agenda de reformas” que inclui a independência do BC e o “ajuste” nas contas da Previdência. No campo político, ele diz que pretende contribuir para a “pacificação do país”. “O próximo presidente, já no dia da eleição, deve chamar a oposição e se pronunciar pela unidade nacional”, disse Palocci numa recente entrevista à revista IstoÉ Dinheiro. “Os vitoriosos de outubro devem ser generosos”, ressaltou. O que ele pretende não é bem isso: sua meta verdadeira é impedir que a ala desenvolvimentista do governo se consolide. O movimento de Palocci e dos seus se desdobra em dois.



Troca de guarda no BC



A primeira carga, já em andamento — basicamente com a ''plantação'' de notas, ''notícias'' e “análises” na mídia —, busca fustigar diretamente o ministro Mantega. Entendem os adeptos dessa causa que tal movimento serve para, ao menos, desgastar o ministro da Fazenda e, ao fazê-lo, preparar o terreno para o segundo movimento, o que de fato importa: buscar segurar Meirelles na presidência do BC. Palocci, mais do que ninguém, sabe que não é descartável a hipótese de troca de comando no BC. E sabe porque foi, mais do que testemunha, protagonista de um instante em que o presidente Lula pensou em mudar o presidente do BC. Pensou e pôs a idéia em prática, com a colaboração do próprio Palocci.



O ano era 2004, segundo semestre. Lula, convencido da necessidade da troca de guarda no BC, encarregou Palocci de escolher o substituto. O ministro escolheu, e levou o candidato ao Palácio do Planalto para uma conversa com o presidente. Terminado o encontro, um comentário de Lula sepultou o quase futuro presidente do BC e garantiu a permanência de Meirelles: “Mas ele é mais PSDB do que o próprio PSDB!”. ''Ele'', no caso, era Murilo Portugal, que mais tarde seria secretário-executivo no Ministério da Fazenda e agora é vice-diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI).



Principal fiador dos ''ortodoxos''



Uma eventual substituição de Mantega por um nome mais ligado aos interesses financeiros seria, nesse movimento que tem Palocci à frente, um ganho inesperado. O que de fato quer o setor rentista é manter Meirelles ou ter em seu lugar alguém que pense e opere da mesma forma. O próprio Meirelles, diga-se, em mais de uma vez deu demonstrações de que é capaz de adaptar-se para manter-se no posto. Em uma reunião ministerial fechada, chegou a dizer, com todas as letras: “Em matéria de economia não sou religioso, se alguma coisa não está dando certo, mude-se para que passe a dar certo.” Talvez seja um movimento para não bater de frente com Mantega caso a manobra da direita surta efeito.



Principal fiador da política econômica “ortodoxa” no governo após a queda de Palocci, Meirelles evitou externar publicamente suas críticas a Mantega, mas não deixou de defender seus pontos de vista. ''Se fizermos uma brincadeirinha e abaixarmos a taxa de juros para agradar a população, a inflação volta a crescer, não cumprimos a meta e não ajudamos o país'', afirmou ele durante almoço promovido pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), em São Paulo. Numa resposta indireta aos que defendem um corte acelerado de juros – caso de Mantega –, Meirelles ressaltou que o BC não controla totalmente a Selic e precisa considerar as “variáveis econômicas” — o que pode ser trazido para ''vontade dos banqueiros''.



Esqueletos e viúvas do neoliberalismo



Meirelles e Palocci assumiram até o vocabulário dos banqueiros. Termos medíocres como “variáveis econômicas”, “janelas de oportunidades” e “lição de casa” — apresentados com ares de academicismo e respeitabilidade, tão comuns no paupérrimo noticiário econômico — são recorrentes em suas monótonas cantilenas. Para eles, há um Deus, chamado ''mercado'', que se contrariado pode desencadear a sua ira. ''A história mostra que quem tenta baixar os juros em condições para as quais o mercado não está preparado acaba gerando uma alta da curva futura de juros, porque o mercado antecipa que a inflação vai subir e os juros precisarão subir novamente para contê-la'', disse Meirelles aos banqueiros. O melhor caminho, para ele, é o gradualismo inspirado no “ortodoxo” Federal Reserve, o banco central norte-americano.



Infelizmente, os esqueletos e as viúvas do neoliberalismo ainda são maioria entre os que “debatem” o futuro da economia brasileira na mídia. A conversa diária de Miriam Leitão com Carlos Alberto Sardenberg na rádio CBN, por exemplo, chega a ser surreal. Eles passam o tempo todo especulando sobre o “substituto” de Mantega e criticando os membros do governo que combatem os “ortodoxos”, como Dilma Roussef e Tarso Genro. Nenhum país está livre de ouvir uma boa dose de bobagens de quando em quando. Até aí, nada de novo. O problema é quando essas bobagens começam a tumultuar a vida econômica de todo um país. Por enquanto, o besteirol ainda é inofensivo, mas o descaso com o país que se evidencia nesses episódios é assustador.