Déficit nominal zero: a volta de uma falácia

Os gastos financeiros deveriam ser assumidos como gastos públicos num debate sério a respeito da grita dos empresários por cortes nas despesas do Estado

Por Osvaldo Bertolino


 


O déficit nominal zero, resultado das receitas menos as despesas correntes do Estado, é a principal bandeira dos empresários que estão opinando sobre os rumos da economia. As associações empresariais não mudaram o discurso — nem amenizaram o tom — adotado durante o primeiro governo de Lula e repetiram reivindicações para o segundo mandato: querem que o Estado economize mais e arrecade menos para que, segundo eles, haja espaço para investimento. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que o governo precisa assumir uma nova postura na área fiscal, ''para que o setor público recupere sua capacidade de investimento, e o setor privado possa ser desonerado gradualmente com a redução da carga tributária''.


 


A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio – SP) ressalta que Lula terá como desafio fazer a economia crescer com mais solidez. ''Dificilmente isso será possível com a insuportável carga tributária atual, sem uma reforma previdenciária, sem a efetiva queda dos juros ou a redução da estratosférica dívida pública'', afirmou Abram Szajman, presidente da Fecomercio. Também a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) se manifestou sobre o segundo mandato de Lula. De acordo com o presidente Alfried Plöger, é preciso cortar os juros da economia para permitir a realização de investimentos.


 


Discordância


 


O plano de déficit zero pode parecer impossível a princípio, mas merece atenção. Segundo o deputado federal Antônio Delfim Netto (PMDB-SP), essa é a forma de o governo brasileiro se livrar das armadilhas da política monetária. “Trata-se de uma série de procedimentos que envolvem um choque de gestão para aumentar a produtividade da máquina estatal, mediante cortes nas despesas de custeio e não nos investimentos”, explica ele. Sua proposta, batizada de “Plano Delfim”, chegou a ser considerada pelo governo quando Antônio Palocci ocupava o Ministério da Fazenda. Para ele, o assunto deveria constar de uma proposta de emenda constitucional tratando de reduzir o percentual dos recursos vinculados para dar maior “flexibilidade à execução orçamentária”.


 


A proposta foi criticada até pela forma como ela veio à luz. Em pleno bombardeio da mídia de direita contra Lula, por meio de Palocci o “Plano Delfim” abriu espaço na conturbada agenda do governo. Segundo o deputado, com o seu projeto o Estado poderia resolver o problema de acumular dívidas a cada ano. De fato, a poupança que é feita para cobrir a conta de juros paga apenas uma parte do serviço financeiro da dívida. No ano passado, por exemplo, os juros da dívida custaram R$ 125 bilhões, mas o Estado havia separado R$ 81 bilhões para fazer frente a esse pagamento. O déficit nominal, portanto, foi de R$ 44 bilhões. É esse buraco que Delfim propõe atacar.


 


Em teoria, quase nenhum economista é contrário ao ajuste fiscal. Se o governo gasta estritamente o que arrecada, sua dívida deixa de aumentar — na verdade, ela passa a diminuir na comparação com o PIB. A discordância começa na hora de passar da teoria à prática. “O superávit primário aumentou, saiu a reforma da Previdência, mas as taxas de juro continuaram na estratosfera”, escreveu o economista Paulo Nogueira Batista Jr. no artigo “Déficit nominal zero?”, publicado no jornal Folha de S. Paulo. “A diminuição dos juros reativaria a economia e permitiria zerar o déficit com níveis suportáveis de superávit primário, não muito mais altos do que os atuais”, explica ele.



 


Argumentos



 


Para o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o déficit nominal zero atende aos interesses rentistas. Sua tese é a de que como não dá mais para cortar investimento produtivo, que chegou praticamente a zero, só existe uma saída: a redução das despesas com programas sociais. “É cortar na proteção dos velhinhos, na pensão-família para os portadores de deficiência, é reduzir os gastos em saúde, é reduzir gastos em educação”, disse ele em entrevista ao Vermelho. “Então, eles querem cortar gastos sociais para pagar mais juros. E ao mesmo tempo dizer que estão acabando com o déficit. Essa proposta é de uma malignidade total porque se cortar gastos de saúde e educação vai gerar mais desemprego”, explicou. Segundo Lessa, cortar gastos não faz a economia crescer, mas, sim, cair.


 


Para o deputado Paulo Rubem Santiago (PT-PE), o problema do déficit nominal zero é que ele separa os gastos com juros dos outros gastos públicos. “O Delfim fala supostamente em nome do desenvolvimento mas preservando as despesas com juros hoje”, disse Santiago. Ele explicou que a redução das taxas de juros deve ser uma escolha do governo e não uma permissão do “mercado”. Segundo Paulo Rubem Santiago, o governo deveria assumir os gastos financeiros como gastos públicos, e, portanto, passíveis também de cortes e escolhas políticas. “Não podemos reproduzir o argumento de separar os gastos com juros dos outros. Precisamos colocar tudo na mesa: encargos sociais, custeio da administração, investimentos e despesas vinculadas ao endividamento. Se fizerem isso, a população vai ver a brutalidade da diferença”, ressaltou.