Raimundo revela os bastidores de sua reportagem à ''CartaCapital''

Por André Cintra e Priscila Lobregatte
Um racha em grandes redações ajudou Raimundo Rodrigues Pereira a construir, para a CartaCapital, a matéria ''Os fatos Ocultos – A mídia, em especial a Globo, omitiu informações cruciais na divulga

Na opinião de Raimundo, o atabalhoado procurador Mário Lúcio Avelar não é um ''conspirador tucano'', mas, sim, alguém que acha válido influenciar ao país a qualquer preço, à sua maneira. ''É uma pessoa que pensa errado – pensa como o Alberto Dines, o Marcelo Beraba, que não entendem direito qual é o papel da imprensa, o papel da polícia e da Justiça num estado democrático avançado como o que a gente pretende.''


 


Inventor, ao lado de Mino Carta, da moderna cobertura política na imprensa, o jornalista pernambucano, com 47 anos de profissão, tece várias críticas à mídia. Compara a farsa da Escola Base com o linchamento do José Dirceu – nos dois casos, a imprensa fez campanha coletiva e atacou a integridade de pessoas, mesmo sem ter provas concretas.
 


Para Raimundo Pereira, a mídia conservadora aderiu à missão de demolir o Partido dos Trabalhadores. ''Não sou petista, nem nunca fui, mas para mim está muito claro que é uma tentativa de destruir um partido que prestou grandes serviços ao povo brasileiro.'' Confira abaixo os principais trechos desta entrevista exclusiva – a segunda da série ''Mídia x Mídia''.


 



Em que momento e sob quais circunstâncias você tomou conhecimento do escândalo envolvendo jornalistas e a exposição das fotos do dinheiro?
Entrei nessa história porque tenho um amigo que me deu informações sobre o caso. Eu não sabia que o procurador Avelar era o mesmo Avelar do escândalo da Lunus. E eu não estava acompanhando o escândalo por conta do projeto da revista Retrato do Brasil. Depois, através de um parente, chegou uma informação de gente da Globo que contava a história de que o carro da emissora teria chegado (à sede da Polícia Federal) depois dos carros do Serra e do Alckmin.


 


No domingo anterior à primeira matéria, me deu um surto de animação, e eu entrei em contato com o (Luis Gonzaga) Beluzzo. Por coincidência, o Mino (Carta) também tinha informação de que havia gente da imprensa insatisfeita com a cobertura e queria dar detalhes sobre a história. Pelo fato de o Avelar ser o mesmo, eu pensei: ''Bom, pode ser um padrão de comportamento''. E agora, depois de ter ouvido o Avelar e ter feito esta terceira matéria (também para a CartaCapital), estou convencido de que o procurador não é um conspirador dos tucanos.


 


Ele, a meu ver, é uma pessoa que pensa errado – pensa como o Alberto Dines, o Marcelo Beraba, que não entendem direito qual é o papel da imprensa, o papel da polícia e da Justiça num estado democrático avançado como o que a gente pretende. Eles entendem as coisas como elas são na sociedade de hoje, onde é tudo muito precário.


 


O delegado cometeu uma lambança ao ter confiado em muitas pessoas de forma aberta?
Não acho que (Edmilson Pereira Bruno) tenha feito isso por dinheiro. Acho que é um cara que também fez isso porque está igualmente imbuído desse sentimento conservador que vem criminalizando o PT desde o ano passado. E a mídia faz um papel ruim ao divulgar idéias erradas, ao ligar coisas que não têm necessariamente ligação. Fazem somente para criminalizar, levantam tudo de errado que o cara fez na vida e divulgam.


 


Por isso, o meu argumento na matéria é o seguinte: não se deve investigar pessoas. Isso é Idade Média. E eu disse isso para o Avelar. Um dos princípios que a CartaCapital defende nessas três matérias é que não se devem investigar pessoas; devem-se investigar crimes. É preciso ter evidências grandes de que o crime está sendo cometido. Agora, colocar a Polícia Federal do Brasil – que não é pouca coisa, é um aparato forte em cima de alguém, e ainda com a cobertura da mídia – é criminalizar pessoas, é tentar destruir politicamente e até pessoalmente.


 


São os casos do José Dirceu e da Escola Base. Não sei se a vida das pessoas envolvidas no caso da escola consegue ser reconstruída. O Dirceu é diferente, porque tem um conhecimento muito maior. Mas tentaram destruí-lo. É uma pessoa que tem uma vida de serviços ao povo brasileiro, mas que está meio fora de jogada. E foi uma coisa feita de modo escroto. E não foi feito por malvadeza – mas por não se entender a política, o papel das instituições nem o papel da imprensa.


 


O caso dos dossiês não é uma conspiração?
A minha impressão é de que não é uma conspiração. É pior. Porque a conspiração é mais fácil de desmascarar. Agora, quando o problema está nas idéias que os caras embutem por uma razão qualquer, complica. O Bruno, como parece, está meio desequilibrado. Ele achou um jeito seu de servir o país. Um policial, ao ver um crime prestes a acontecer, não deve deixá-lo acontecer. Mas também deve saber que comprar dossiê não é crime. E um delegado, que tem formação, deve saber disso e por isso deve ser criticado de uma maneira mais dura.


 


Eu, no entanto, não sei se foi ele ou se foi um mandado de Cuiabá. O Avelar me garantiu – e a princípio eu acredito na palavra dele – que não foi ele quem pediu a prisão preventiva deles (Valdebran Padilha e Gedimar Passos), e o Bruno foi quem executou. Não sei se ele é quem fez ou se foi a polícia de Cuiabá que mandou ele fazer. Não sabemos ainda de quem foram as responsabilidades pessoais. Mas que foi errado, foi.


 


Houve uma certa espetacularização nesse processo – como quando a Polícia Federal anunciou que ''alguém conhecido e importante'' teria trocado telefonemas com os envolvidos com a compra do dossiê? Não parece haver um ritmo cinematográfico de revelações, um clima épico nisso tudo?
É, o nosso argumento é esse. A imprensa da grande burguesia brasileira partiu para cima do PT. Não sou petista, nem nunca fui, mas para mim está muito claro de que é uma tentativa de destruir um partido que prestou grandes serviços ao povo brasileiro. O primeiro governo Lula é decepcionante, mas estou mais ou menos seguro de que um governo Serra não seria melhor.


 


Acho que a imprensa fez um desserviço ao povo brasileiro. Acho, inclusive, que agora essas linhas tortas do primeiro governo Lula e essas linhas tortíssimas dessa campanha difamatória que fizeram contra o PT levaram a uma reação do Lula. No final, criou-se um clima bom, de virada, que reanimou o movimento popular e forçou o próprio Lula a definir um pouco melhor algumas coisas que pode vir a fazer.


 


Voltando à questão das fotos. As pessoas que começaram a mostrar indignação com isso tudo foi gente da Globo, certo? Eram jornalistas, editores, gente de comando?
Eu preciso manter o sigilo das fontes. Estou acertado com eles porque fizemos um desafio ao (Ali) Kamel de provar que nós mentimos. Ele publicou aquela carta, e nós reafirmamos nossa posição. Ele é um gigante da mídia, e nós, os coitadinhos. Ele não vai responder. Mas nós reafirmamos o que dissemos e estamos desafiando ele a dizer: ''Não, vocês mentiram, ofenderam minha honra e nós vamos aos tribunais''.


 


Nós temos nossas fontes e, em muitos locais onde essa deturpação foi cometida, existe esse tipo de reação. Mas eu diria que muita gente ficou indignada com tudo isso em muitos cantos. Você vê o noticiário, e qualquer pessoa que tenha um pouco de sensibilidade – o próprio povo – percebe isso. Eles começaram a exagerar tanto numa coisa que não tem substância e se esgotou. As pessoas não compreendem ideologicamente, mas têm sensibilidade.


 


E a CartaCapital pôs a Globo na obrigação de responder. É outro avanço…
Bom, segundo o Paulo Henrique Amorim, o Kamel está muito abatido. Outras pessoas também me disseram isso. A Globo pode, num caso desses, mirar num cara, colocar a culpa nele, fazer um acordo com o Lula e tal…


 


Em entrevista ao Vermelho, o Luis Nassif atribuiu essa repercussão toda à internet. Você concorda com ele?
Concordo. Se bem aproveitada pelo movimento popular, a internet pode prestar ótimos serviços. A idéia de que a internet pode contribuir para uma sociedade democrática mais avançada é verdadeira. Agora, a estrutura básica da internet está sob controle americano. Não sou um grande especialista, mas, se não me engano, o tráfego dessas mensagens todas se apóia nuns 11 grandes computadores. E, desses, nove são americanos.


 


As pessoas acham que a construção de um sistema democrático mais avançado é uma questão de vontade – e não é. É uma questão material. É preciso juntar forças e construir as bases materiais para um sistema mais avançado. Não é a tecnologia que vai nos levar lá. É organizando o povo, através de partidos que tenham essa preocupação popular. É abrir a mente para a participação dos mais pobres e dos trabalhadores.


 


E os blogs? Ajudam?
Ajudam a aumentar a confusão (risos). Porque é fofoca atrás de fofoca – não há equipes de jornalistas para investigar. Seria preciso bons jornalistas e editores, com o pensamento certo, para não reafirmar o que está aí, para não ser pautado pela mídia.


 


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