Apresentador da Globo defende “prova” para poder votar

Na edição desta quarta-feira do Bom Dia Brasil, da Rede Globo, o apresentador Alexandre Garcia fez uma defesa do fim do voto universal e da volta do voto censitário, dizendo que “muita gente sonha com isso”. Garcia usou a mensagem de um internaut

O apresentador achou “ousada” a idéia do internauta Nemer Sanches de Souza, Belo Horizonte, mas garantiu que “tem muita gente falando a respeito”. Tomou algumas cautelas e não fez relação direta com a onda de preconceito contra os brasileiros mais pobres e menos escolarizados, que garantem o grosso do favoritismo de Lula na eleição presidencial. Ressalvou que “haveria a crítica de que isso é elitismo”. Mas não escondeu sua simpatia pela idéia.



Uma idéia do tempo do Império



A idéia de só dar o direito de voto aos “mais esclarecidos” não é nada nova. Aliás, tem alguns séculos, é muito mais velha que o sufrágio universal, que confere a todo cidadão um voto, e só se impôs no mundo depois de uma longa luta dos trabalhadores.



Primitivamente, a discriminação não era para dar voto aos “mais esclarecidos” e sim, menos hipocritamente, aos mais ricos. No Brasil, a primeira Constituição aprovada ficou conhecida como “Constituição da Mandioca” porque só dava o direito de voto a quem tivesse renda anual superior ao valor de  5,4 toneladas de mandioca.
O voto censitário com base na renda vigorou durante todo o Império. Pela lei de 1872, ficavam excluídos os brasileiros com renda anual inferior a 200 mil réis, assim como os escravos, as mulheres, os mendigos e os não-católicos.



Na República, discriminação muda mas não morre



O tema voltou a ser discutido na primeira Assembléia Constituinte republicana, em 1991. E o veto ao voto dos pobres foi substituído pelo veto ao voto dos analfabetos (que, no Censo Demográfico de 1890, formavam 85,2% da população brasileira).
No debate da Constituinte, ficou explícito que a nova discriminação era apenas uma maneira mais sutil de dar prosseguimento à antiga. Democratas avançados, como Lauro Sodré, tentaram derrubar o “esbulho”, em nome da “elevação do proletariado”. Foram, no entanto, derrotado pela maioria dominada pela grande lavoura. Ficaram de fora do direito de voto, além dos analfabetos, as mulheres e os menores de 21 anos.



Com a Revolução de 30, o sistema eleitoral brasileiro deu novos passos. Caíu o voto em aberto (que facilitava as pesssões dos “coronéis”), triunfou o voto das mulheres e a idade mínima reduziu-se para 18 anos. Permaneceu, porém, o veto aos analfabetos.



Vitória da “Constituição Cidadã”



Só meio século depois, na Constituinte de 1988, o sufrágio universal triunfou no Brasil, com a aprovação do sistema atual. O voto do analfabeto foi conquistado, embora facultativo, e os jovens de 16 a 18 anos também adquiriram esse direito. Um último passo democratizante foi dado nos anos 90 com a introdução da urna eletrônica, que facilitou a prática do voto por parte dos menos letrados.



 O artigo 14 da Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, estabelece que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. A Carta Magna parte do pressuposto de que todos são iguais e a maior renda, ou instrução, não cria cidadãos de primeira classe. Nota-se, portanto, que a “sugestão ousada” para Alexandre Garcia, é matéria vencida há 18 anos.



Veja a íntegra do comentário do apresentador da Rede Globo:




“Uma sugestão ousada, mas que tem muita gente falando a respeito. Se houvesse uma lei obrigando a uma prova para ter título de eleitor, como se exige para ter carteira de motorista, haveria a crítica de que isso é elitismo, que só daria o direito do voto aos mais esclarecidos. Mas muita gente sonha com isso: que o eleitor tivesse que mostrar, provar, que sabe o que é um país, um Estado, um município; que poderes tem um presidente, um governador, um prefeito, um senador, deputados federais e estaduais e vereadores; que soubesse de onde vem o dinheiro que os governos usam para fazer viadutos ou programas sociais. Isso, talvez, devesse ser ensinado na escola, mas saiu da escola por ter sido imposto no governo militar. Poder-se-ia argumentar que só cidadãos pudessem votar, e quem não souber exercer a cidadania, então, não poderia votar. Mas aí poderia estar perto de um regime de castas. Enfim, como diria um candidato derrotado: só a educação pode salvar. Essa mensagem só teve 2,5% da preferência dos eleitores. Mau sinal.”