Alckmin e FHC não têm moral para falar em ética

Derrotado no debate programático, o PSDB decidiu apostar tudo novamente na baixaria. No debate na TV Record, Geraldo Alckmin voltou a esbravejar contra “a praga da corrupção”. No mesmo dia, num evento para a elite paulista no Clube Pinheiros, o ex-preside

por ALTAMIRO BORGES*



 


No caso do ex-governador, ele não tem moral nenhuma para falar em ética. Afinal, ele impediu inúmeras investigações de denúncias de corrupção no seu governo. Ao todo, sabotou a instalação de 69 Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) solicitadas por deputados de vários partidos na Assembléia Legislativa de São Paulo. Entre elas, 37 foram requeridas para apurar casos graves de fraudes e corrupção praticados diretamente pela administração estadual. As principais questionaram as irregularidades no brutal processo de privatização das estatais paulistas, com o uso de caixa-2 e de propinas depositadas em paraísos fiscais, decorrentes dos acertos com multinacionais que abocanharam as empresas por preços subavaliados.  


 


Além dos pedidos de investigação das privatizações de rodovias, empresas de energia e do Banespa, outra CPI pretendia apurar denúncias contra a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), cujo presidente, Goro Hama, ex-tesoureiro do PSDB, já foi condenado em mais de 300 processos no TCE (Tribunal de Contas do Estado) por superfaturamento, dispensa ilegal de licitações e fraudes. Outra seria para investigar contratos de publicidade entre a Nossa Caixa e as agências Colucci&Associados e Full Jazz Comunicação. O mesmo TCE já avaliou que nestes contratos houve “afronta à legalidade e à moralidade”, que permitiram que estas agências movimentassem R$ 45,4 milhões sem contrato em dois anos.


 


Compra de votos de deputados


 


Ainda segundo o TCE, houve “desvio de finalidade” por parte deste banco ao veicular anúncio em órgãos ligados aos deputados estaduais em troca de apoio na Assembléia Legislativa, uma espécie de compra de votos. Ao analisar 278 pagamentos às duas agências, uma auditoria interna apontou irregularidade em 255 operações. Já outra CPI deve investigar as inserções publicitárias da mesma Nossa Caixa e das empresas Sabesp, Prodesp, CDHU e Dersa, entre outras, para favorecer jornais, revistas, programas de rádio e TV em troca de apoio nas eleições de 2004. Um dos agraciados foi Jou Jia, acupunturista de Alckmin, que obteve anúncios em sua revista da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, recém-privatizada.


 


Outra CPI que poderia dar dor de cabeça ao candidato tucano é a do Rodoanel, que visa apurar denúncias de superfaturamento de até 70% nas obras dos trechos norte e oeste do Rodoanel. O Ministério Público já reabriu as investigações sobre o desvio de verbas na obra, que consumiu mais de R$ 1 bilhão desde 1998 e sobre aditamentos constantes. Há ainda a CPI da Febem, solicitada para averiguar, além do desvio de verbas, “a responsabilidade do governo em ter transformado esta instituição num campo de concentração e numa escola avançada de criminalidade”, segundo Alessandro Rodrigues, do jornal Hora do Povo.


 


Além de não ter moral para falar em ética, Alckmin também deveria evitar o seu descontrole emocional. Volta e meia, ele faz insinuações grosseiras sobre a vida pessoal do presidente. Mas neste quesito o ex-governador também tem o rabo preso. Afinal, a sua filha, Sophia Alckmin, foi gerente até pouco tempo atrás da Daslu, antro do consumismo da elite paulista, acusada de contrabando e de evasão de divisas. Neste cargo, chegou a participar de audiências com Eduardo Guardia, secretário da Fazenda de seu pai, para negociar privilégios à criminosa empresa. Há ainda o caso mal explicado, típico de improbidade administrativa, da doação de 400 peças de alta costura para a sua esposa, dona Lu Alckmin.   


 


Escândalos de corrupção de FHC


 


Quanto ao rejeitado FHC, que a cúpula tucana procura afastar da campanha, mas o seu egocentrismo não permite, ele é o que menos tem condições de falar sobre ética. Como disse recentemente o bispo emérito de Volta Redonda (RJ), dom Waldir Calheiros, “ele não tem moral para criticar o governo Lula, por mais erros que este tenha. Basta investigar as privatizações no governo dele e será encontrada muita sujeira”. No mesmo rumo, o ex-ministro da Controladoria-Geral da União, Waldir Pires, lembra que “os recursos mencionados nos escândalos no período em que ele estava no governo eram centenas de vezes maiores do que os que estão sendo investigados agora. Só no caso Banestado, fala-se em R$ 30 bilhões”.


 


Mesmo assim, vale a pena citar alguns casos escabrosos de corrupção no governo FHC só para refrescar a memória. Da mesma forma como ele insiste em falar besteiras, num gesto típico, este sim, do “fanfarrão”, não custa relembrar. Citaremos apenas os escândalos mais notórios, que FHC sempre sabotou a apuração:


Conivência escancarada. Já no início do seu primeiro mandato, em 19 de janeiro de 1995, FHC fincou o marco que mostraria sua conivência com a corrupção. Ele extinguiu, por decreto, a Comissão Especial de Investigação, instituída por Itamar Franco e composta por representantes da sociedade civil, que visava combater o desvio de recursos públicos. Em 2001, fustigado pela ameaça de uma CPI da Corrupção, ele criou a Controladoria-Geral da União, mas este órgão se notabilizou exatamente por abafar denúncias.



 
Caso Sivam. Também no início do seu primeiro mandato, surgiram denúncias de tráfico de influência e corrupção no contrato de execução do Sistema de Vigilância e Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam). O escândalo derrubou o brigadeiro Mauro Gandra e serviu para FHC “punir” o embaixador Júlio César dos Santos com uma promoção. Ele foi nomeado embaixador junto à FAO, em Roma, “um exílio dourado”. A empresa ESCA, encarregada de incorporar a tecnologia da estadunidense Raytheon, foi extinta por fraude comprovada contra a Previdência. Não houve CPI sobre o assunto. FHC bloqueou.


 


Pasta Rosa. Em fevereiro de 1996, a Procuradoria-Geral da República resolveu arquivar definitivamente os processos da pasta rosa. Era uma alusão à pasta com documentos citando doações ilegais de banqueiros para campanhas eleitorais de políticos da base de sustentação do governo. Naquele tempo, o procurador-geral, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido pela alcunha de “engavetador-geral da República”.


 


Compra de votos. A reeleição de FHC custou caro ao país. Para mudar a Constituição, houve um pesado esquema para a compra de voto, conforme inúmeras denúncias feitas à época. Gravações revelaram que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, ganharam R$ 200 mil para votar a favor do projeto. Eles foram expulsos do partido e renunciaram aos mandatos. Outros três deputados acusados de vender o voto, Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra, foram absolvidos pelo plenário da Câmara. Como sempre, FHC resolveu o problema abafando-o e impedido a constituição de uma CPI.


 


Vale do Rio Doce. Apesar da mobilização da sociedade em defesa da CVRD, a empresa foi vendida num leilão por apenas R$ 3,3 bilhões, enquanto especialistas estimavam seu preço em ao menos R$ 30 bilhões. Foi um crime de lesa-pátria, pois a empresa era lucrativa e estratégica para os interesses nacionais. Ela detinha, além de enormes jazidas, uma gigantesca infra-estrutura acumulada ao longo de mais de 50 anos, com navios, portos e ferrovias. Um ano depois da privatização, seus novos donos anunciaram um lucro de R$ 1 bilhão. O preço pago pela empresa equivale hoje ao lucro trimestral da CVRD.


 


Privatização da Telebrás. O jogo de cartas marcadas da privatização do sistema de telecomunicações envolveu diretamente o nome de FHC. Vários “grampos” comprovaram o envolvimento de lobistas com líderes tucanos. Informações privilegiadas foram repassadas aos “queridinhos” de FHC. O mais grave foi o preço que as empresas privadas pagaram pelo sistema Telebrás, cerca de R$ 22 bilhões. O detalhe é que nos dois anos e meio anteriores à “venda”, o governo investiu na infra-estrutura do setor mais de R$ 21 bilhões. Pior ainda, o BNDES financiou metade dos R$ 8 bilhões dados como entrada neste meganegócio. Uma verdadeira rapinagem contra o Brasil e que o governo FHC impediu que fosse investigada.


 


Ex-caixa de FHC. A privatização da Telebrás foi marcada pela suspeição. Ricardo Sérgio, ex-caixa das campanhas de FHC e de José Serra e ex-diretor do Banco do Brasil, foi acusado de cobrar R$ 90 milhões para ajudar na montagem do consórcio Telemar. Grampos do BNDES flagraram conversas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, ex-presidente do banco, articulando o apoio da Previ para beneficiar o consórcio do Opportunity, que tinha como um dos donos o tucano Pérsio Arida. FHC autorizou o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão. Além disso, o BNDES destinou cerca de R$ 10 bilhões para socorrer empresas que assumiram o controle das estatais. Numa dessas operações, injetou R$ 686,8 milhões na Telemar, assumindo 25% do seu controle acionário.


 


Juiz Lalau. A escandalosa construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo levou para o ralo R$ 169 milhões. O caso surgiu em 1998, mas os nomes dos envolvidos só apareceram em 2000. A CPI do Judiciário contribuiu para levar para a cadeia o juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do TRT, e para cassar o mandato do senador Luiz Estevão, dois dos principais envolvidos no caso. Num dos maiores escândalos da era FHC, vários nomes ligados ao governo surgiram no emaranhado das denúncias. O pior é que FHC, ao ser questionado por que havia liberado verbas para uma obra que o Tribunal de Contas já alertara que tinha irregularidades, respondeu de forma irresponsável: “assinei sem ver”.


 


Farra do Proer. O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (Proer) demonstrou, já em sua gênese, no final de 1995, como seriam as relações do governo FHC com o sistema financeiro. Para ele, o custo do programa ao Tesouro Nacional foi de 1% do PIB. Para os ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e Gustavo Franco, ele atingiu 3% do PIB.  Mas para economistas da Cepal, os gastos chegaram a 12,3% do PIB, ou R$ 111,3 bilhões, incluindo a recapitalização do Banco do Brasil, da CEF e o socorro aos bancos estaduais. Vale lembrar que um dos socorridos foi o Banco Nacional, da família Magalhães Pinto, a qual tinha como agregado um dos filhos de FHC.


 


Desvalorização do real. De forma eleitoreira, FHC segurou a paridade entre o real e o dólar apenas para assegurar a sua reeleição em 1998, mesmo às custas da queima de bilhões de dólares das reservas do país. Comprovou-se o vazamento de informações do Banco Central. O PT divulgou uma lista com o nome de 24 bancos que lucraram com a mudança e de outros quatro que registraram movimentação especulativa suspeita às vésperas do anúncio das medidas. Há indícios da existência de um esquema dentro do BC para a venda de informações privilegiadas sobre câmbio e juros a determinados bancos ligados à turma de FHC. No bojo da desvalorização cambial, surgiu o escandaloso caso dos bancos Marka e FonteCindam, “graciosamente” socorridos pelo Banco Central com 1,6 bilhão de reais. Houve favorecimento descarado, com empréstimos em dólar a preços mais baixos do que os praticados pelo mercado.


 


Sudam e Sudene. De 1994 a 1999, houve uma orgia de fraudes na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), ultrapassando R$ 2 bilhões. Ao invés de desbaratar a corrupção e pôr os culpados na cadeia, FHC extinguiu o órgão. Já na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a farra também foi grande, com a apuração de desvios de R$ 1,4 bilhão. A prática consistia na emissão de notas fiscais frias para a comprovação de que os recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste foram aplicados. Como fez com a Sudam, FHC extinguiu a Sudene, em vez de colocar os culpados na cadeia.


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*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).


 


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