Falta espessura política ao “bom combate” de Heloísa

Por Bernardo Joffily
O jornal Folha de S. Paulo publicou neste domingo (22) artigo de Heloísa Helena, sob o título Combati o bom combate! (a interjeição é de HH). O texto reproduz as virtudes e defeitos dos discursos de campanha presi

Em dois trechos a senadora toca questões de conteúdo. Mas em ambos é mais veemente que explícita.



Posição “de clara firmeza ideológica”?



 “Quanto ao segundo turno”, HH admoesta, no fim do artigo,  “os mentirosos que nos acusam de impor punição, silêncio obsequioso, o solene lavar as mãos ou outras considerações igualmente cínicas e oportunistas”. E agrega: “Importa reafirmar que nossa posição é de clara firmeza ideológica. Não compartilhamos os projetos da direita neoliberal assumida ou enrustida, da traição de classe e da vigarice política.”



Confesso que senti falta de uma mais “clara firmeza ideológica”: por exemplo a informação de como é mesmo que se comportará a eleitora Heloísa Helena na urna eletrônica no domingo que vem. Deduzo da última frase que ela não votará nem em Geraldo Alckmin (PSDB-PFL) nem em Luiz Inácio Lula da Silva (PT-PCdoB-PRB). Fica por esclarecer se anulará o voto, votará em branco ou se absterá, ou vomitará na cabine eleitoral — opções que expressam  teores diferenciados de não compartilhamento.



A polêmica com “os mentirosos”



Já a menção aos “mentirosos”, especialmente no caso do “silêncio obsequioso”, remete à  Posição do PSOL sobre o 2° turno da eleição presidencial,  documento aprovado no dia 3 último pela Executiva Nacional do partido, com o voto da senadora.



O texto diz que a Executiva “deliberou” não indicar o voto nem em Lula e nem em Alckmin e denunciar as duas candidaturas. A seguir, especifica: “A posição do PSOL é para os filiados do PSOL. Nossos filiados, na urna, têm o direito de fazer o que quiserem. Publicamente não podem. Não pode o deputado, a senadora, nem o vereador nem o dirigente sindical. Para estas figuras públicas esta regra é ainda mais importante, porque declarações na imprensa por um lado ou outro serão caracterizadas como campanha, e isso nossa resolução tem caráter proibitivo”, diz o texto (confira em www.psol.org.br).



Como se vê, o documento é também um tantinho sibilino: não explicita o que, exatamente, “não podem” os filiados. Mas é razoável supor que “não podem” dar “declarações na imprensa” ou fazer “campanha”. E não chegará a ser “mentiroso” quem chamar isso “silêncio obsequioso”.



O fato é que a Posição da Executiva foi atropelada. Um número grande de militantes e personalidades, para as dimensões do PSOL, declara à imprensa e faz campanha por Lula, face à ameaça de retorno do PSDB-PFL com Alckmin (clique aqui para ver mais).



A quantidade de rebeldias inviabiliza as punições que se poderia a princípio deduzir do “caráter proibitivo” da decisão. O artigo de Heloísa Helena o confirma, ainda sibilinamente. “Caso alguém queira comer o transgênico fruto podre do pomar alheio, poderá fazê-lo, pois punição não haverá”, diz a senadora. E se, além de “comer”, “alguém” der “declarações na imprensa” ou fizer “campanha”?



O programa que faltou



O outro trecho substantivo do artigo diz: “Ao contrário da cantilena de alguns que dizem que não apresentamos propostas na campanha -apenas porque tivemos a coragem de denunciar o banditismo político-, nós apresentamos todas as alternativas concretas à farsa técnica e fraude política da política econômica neoliberal tucano-lulista”.



Esta frase remete ao fato de que a candidatura do PSOL-PSTU-PCB não apresentou um programa. E se liga à questão do segundo turno, já que é a nitidez programática que permite tanto a contraposição e o conflito como a interlocução e a composição — no sentido mais elevado do termo — entre os protagonistas da cena política.



De resto, a autora do artigo mostra-se integralmente satisfeita com a candidatura e a candidata. Seu balanço é acrítico. Só sente “muita tristeza” com o resultado das urnas, “ao identificar a perpetuação parasita dos políticos corruptos”. Mas os dois trechos mencionados confirmam que este outubro abre para o PSOL um período de turbulências e clamor por definições.



Confira a íntegra do artigo de Heloísa Helena:




“Combati o bom combate!”



“Combati bom combate…”, terminei a campanha presidencial, estou finalizando o mandato de senadora, não roubei nem fingi que não via roubar, não traí a minha classe de origem, não me vendi, não perdi a fé! Estou de cabeça erguida, com a consciência tranqüila.



Agradecemos ao querido companheiro de chapa César Benjamin, a todos os nossos candidatos da Frente de Esquerda nos Estados, aos lutadores do PSTU, PCB, PCR e do nosso PSOL e ao carinho e generosidade dos nossos 6.575.393 eleitores. Agradecemos pelas flores e orações, pelos beijos e centenas de blusinhas brancas (risos!) delicadamente costuradas por muitas mãos femininas do Brasil.



Suportamos sem tremer os infames açoites das perseguições implacáveis, as humilhações grotescas e a difamação sórdida; ao contrário dos covardes que sempre se ajoelham diante do poder, soubemos renascer a cada dia, em coragem e esperança, honrando a memória dos velhos e dignos socialistas e ajudando a preparar as novas lutas das futuras gerações.



Ao contrário da cantilena de alguns que dizem que não apresentamos propostas na campanha -apenas porque tivemos a coragem de denunciar o banditismo político-, nós apresentamos todas as alternativas concretas à farsa técnica e fraude política da política econômica neoliberal tucano-lulista, ajudando a desmascarar a verborragia do pensamento único e disponibilizando todas as propostas para democratização da riqueza, da informação e da cultura, das políticas sociais, da terra e do espaço urbano.


 


Viajei sozinha pelo Brasil, sem Aerolula nem jatinho tucano, sem comitivas ou corriolas, de carro ou avião de carreira, com insignificantes condições de trabalho. Mas todas as dores do cansaço e o sofrimento mutilador das muitas decepções foram afetuosamente suavizados na alegria das crianças, na exuberante rebeldia da juventude, no doce acalanto dos idosos, na solidariedade masculina e na força poderosa das mulheres.



Em cada momento de dor, lembrei das meninas que nasceram como eu e foram condenadas à prostituição e das lutadoras mães que disputam suas crianças amadas com o narcotráfico e sonham e lutam pela vida digna em plenitude.



Claro que sinto muita tristeza ao identificar a perpetuação parasita dos políticos corruptos que são base de bajulação de quaisquer governos e as vitórias eleitorais de conhecidos mensaleiros, sanguessugas e outros bandos mais.



Com todo respeito ao encantador mundo da matemática, os sujos ditos cujos só enxergam números, calculam em todas as áreas onde a imaginação possa alcançar, delimitam territórios e votos a serem comprados, contabilizam até a venda da mãe e não a entregam -não por amor à digna genitora, mas pela possibilidade concreta de voltar a vendê-la. Conhecem todas as probabilidades do negócio político, são inovadores na metodologia de transporte de dólares nas peças íntimas do vestuário masculino, pagam publicitários via paraíso fiscal, conseguem milhões de reais e dólares com o crime organizado dentro ou fora da administração pública, privatizam o Estado para empresas e/ou gangues partidárias.



É preciso realmente muita fé em Deus e muita fé nas lutas do nosso povo para continuar sendo honesto e desbravando caminhos socialistas! Quanto ao segundo turno, ao contrário do que dizem os mentirosos que nos acusam de impor punição, silêncio obsequioso, o solene lavar as mãos ou outras considerações igualmente cínicas e oportunistas, importa reafirmar que nossa posição é de clara firmeza ideológica. Não compartilhamos os projetos da direita neoliberal assumida ou enrustida, da traição de classe e da vigarice política.



E, caso alguém queira comer o transgênico fruto podre do pomar alheio, poderá fazê-lo, pois punição não haverá, mas nós, que não somos cúmplices desse modelo, comemoraremos alegremente as vitoriosas sementes das futuras flores e frutos da nossa maravilhosa luta política. Ela ainda tem cheiro de terra molhada -às vezes, de lágrimas, também-, e as mãos calejadas ou delicadas que semearam conosco continuarão nos ajudando no cultivo e preparando a bela celebração da festa de colheita que um dia chegará!



Quanto aos nossos queridos eleitores, dúvidas não há de que não precisam mesmo de liberação -pois já são mulheres e homens livres, sem grilhões, amarras ou malditas conveniências quaisquer- nem do farol arrogante da síndrome de vanguarda a ousar lhes iluminar os caminhos. Enfim, como em parte diz o poeta, tudo vale a pena quando a alma não é pusilânime!”



* Heloísa Helena, 44, professora licenciada da Universidade Federal de Alagoas, é senadora por Alagoas. Neste ano, foi candidata à Presidência da República pelo PSOL e ficou em terceiro lugar.