Tendências do PSOL se dividem entre voto nulo e em  Lula

Por Bernardo Joffily


 


À medida que se aproxima o 29 de outubro e se acirra a polarização Lula-Alckmin, acende-se a luta interna no PSOL, legenda da senadora Heloísa Helena, terceira colocada no primeiro turno. O partido se debate

HH retornou à sua Alagoas natal para os últimos meses de seu mandato de senadora. Antes, lançou-se como a primeira e até agora única candidata à sucessão presidencial de 2010 e, mal foi conhecido o resultado do primeiro turno (dia 3), reuniu a Executiva Nacional da sigla para firmar vposição sobre o segundo turno.


 


Proibir é fácil; garantir a proibição…



A Executiva ''deliberou por não indicar o voto nem em Lula e nem em Alckmin'' e chamou o povo ''a não confiar em nenhum deles''. A nota da Executiva esclarece que ''nossa resolução tem caráter proibitivo'', ou seja, ''nossos filiados […] publicamente, não podem'' declarar um posicionamento no segundo turno.



A proibição foi fácil de colocar no papel, mas revelou-se impossível na execução. A jovem sigla passa por turbulâncias neste seu primeiro teste político, que ameaça dispersar o capital de 6,6 milhões de votos confiado a Heloísa em 1º de outubro.



Para entender as circunstâncias do teste, é preciso levar em conta as especificidades do PSOL. O partido, que teve sua existência formalizada em setembro do ano passado, formou-se a partir da expulsão de HH e três deputados federais do PT, em outubro de 2003, por terem votado contra o governo Lula na momentosa reforma da Previdência. Do PT, levou a tradição de um ''partido de tendências'', aprofundada por sua origem na rebeldia de uma tendência contra a maioria do partido.


 


Três agravantes da dispersão em tendências



Atuam no interior do PSOL em torno de uma dezena de tendências organizadas, na maioria vindas do PT (em duas levas, a de 2003 e outra de outubro passado), mas também do PSTU. É um número similar ao das tendências internas petistas, porém com três agravantes.



O primeiro é que se trata de um partido muito menor, mesmo se comparado com os primeiros passos do PT, um quarto de século atrás. Menor não só em termos institucionais e parlamentares, mas também em bases concretas, inserção em movimentos sociais como o sindical ou o estudantil, militância e estruturação.



Segundo, porque o PSOL é um partido com vida orgânica ainda por implantar. Apenas a Executiva Nacional Provisória, com 15 membros, eleitos no Encontro Nacional de fundação, tem tido funcionamento regular. O Diretório Nacional teve sua última reunião em abril passado e não foi convocado para deliberar sobre o segundo turno. As estruturas partidárias nos estados e municípios são ainda mais recárias e flutuantes, quando não inesxistentes.



Terceiro, porque o PSOL, apesar dos 5,85% dos votos presidenciais obtidos por HH no dia 1º, que podem ser considerados uma proeza, sai derrotado desta eleição. Sua bancada federal sed reduziu de sete deputados e uma senadora para três deputados (Chico Alencar, RJ, Ivan Valente, SP, e Luciana Genro, RS). Os deputados estaduais se reduziram. Os candidatos a governos estaduais tiveram todos votações inferiores à da candidata presidencial.



Nestas circunstâncias, a ''resolução proibitiva'' da Executiva do PSOL tem dificuldade em se efetivar. O debate sobre o segundo turno, que parecia precocemente liquidado 48 horas depois do 1º de outubro, ressurgiu em seguida, com o pronunciamento das tendências e personalidades psolitas, como o sociólogo Chico de Oliveira (clique aqui para ler a entrevista ''Agora voto em Lula'').


 


Como se posicionam os três deputados



Dos três deputados federais reeleitos pelo PSOL, Chico Alencar reuniu uma plenária ''não deliberativa'' de suas bases no Rio de Janeiro, dia 11, e não oculta a sua preferência pela reeleição de Lula, face à ameaça de retorno da direita sem peias representada por Geraldo Alckmin.



Já Luciana Genro, do MES (Movimento de Esquerda Socialista), subiu à tribuna da Câmara para proclamar: ''Nós, do PSOL, não estaremos com nenhum dos dois. Não daremos nosso voto a nenhum dos dois. Ambos merecerão a nossa oposição, a nossa resistência''.



Ivan Valente é figura proeminente da APS, uma das tendências mais estruturadas dentro do PSOL — o que lhe valeu alguns votos contra quando a direção do partido examinou o seu ingresso, em janeiro deste ano. A APS examinou e firmou posição sobre o segundo turno já nos dias 6 e 7, quando reuniu sua Coordenação Nacional. Curiosamente, o site de Ivan Valente só a divulgou nesta sexta-feira (20), talvez por concluir que é hora de mandar às favas a ''resolução proibitiva'' da Executiva.


 


O documento da APS



Em síntese, a Coordenação Nacional da APS faz um julgamento severo dos ''resultados parlamentares negativos'' do PSOL (ela própria teve uma baixa sentida, ao não reeleger a deputada Maninha no Distrito Federal). Proclama não ter ''ilusões'' de que Lula e Alckmin  ''significam diferentes formas regressivas''. Mas em seguida faz a defesa do voto em Lula, no crucial item 16, sintetizadfo também no título: Nenhum voto em Alckmin.



''Num segundo turno, a tática não é necessariamente igual à do primeiro. Assim, esta posição da executiva nacional do PSOL, abre a possibilidade, na prática, tanto para o voto nulo quanto para o voto crítico em Lula, pois consideramos impossível que a militância de esquerda venha a dar algum voto em Alckmin, e muito menos indicar voto para este candidato. Portanto, pode ser legítimo tanto o voto nulo quanto um voto crítico na candidatura de Lula. Isto se dá pelo fato de que uma importante parte dos movimentos sociais sérios e combativos do campo democrático e popular, tendo compreendido ou não – completamente e em toda profundidade – os enormes equívocos e a prática burguesa do governo petista de Lula, ainda acredita na possibilidade de reversão dos seus rumos e, portanto, os apóiam'', diz o texto da APS.



Veja abaixo a íntegra do documento:




'' Nenhum voto em Alckmin. Continuar na resistência ao neoliberalismo, seja qual for o novo governo''



''Acabou o primeiro turno e com ele a presença na cena eleitoral da única candidatura presidencial importante que tinha o objetivo de construção de uma alternativa de esquerda no Brasil, que esteve representada por Heloísa Helena e pela Frente de Esquerda encabeçada pelo PSOL. Foi uma campanha politicamente vitoriosa, em que Heloísa representou o Coração Valente da esquerda. No segundo turno, tanto a candidatura de Geraldo Alckmin quanto a de Lula da Silva, significam diferentes formas regressivas em relação às conquistas populares. Não temos ilusões sobre isto. Mas a tática num segundo turno não é necessariamente igual à do primeiro. Neste caso concreto, há a possibilidade tanto para o voto nulo quanto para o voto crítico em Lula, mas nenhum voto em Alckmin. Nosso lema geral continua sendo “Na luta pelo socialismo, construir a Resistência Indígena, Negra, Feminina e Popular contra o neoliberalismo”. E nossa posição será de oposição de esquerda a qualquer um dos concorrentes que vencer o segundo turno.



1. O processo eleitoral de 2006, tanto no que diz respeito à eleição presidencial quanto às estaduais e parlamentares, está sendo uma importante experiência para o povo e para a esquerda socialista brasileira. Terminado o primeiro turno, já podemos ter uma visão geral, mesmo que ainda inicial, dos seus resultados e perspectivas.
2. Numa disputa eleitoral na qual os candidatos mais votados não escaparam dos limites dos interesses fundamentais das diversas frações e setores que compõem o Bloco de Poder (político, econômico, social, cultural e midiático) burguês em nosso país, a novidade foi a candidatura de Heloísa Helena.



3. A sua candidatura e os resultado obtidos, dentro das grandes dificuldades e condições políticas e materiais adversas, foi uma importante vitória política da esquerda socialista, dos lutadores do povo que a encaparam, do PSOL e da Frente de Esquerda – também constituída pelo PCB e o PSTU. Heloísa Helena, com sua combatividade e paixão, representou o Coração Valente da esquerda, superando grandes obstáculos para levar a campanha de modo politicamente vitorioso até o fim. Destacamos também, como justa e acertada, a indicação do companheiro César Benjamin, que contribuiu substantivamente para dar densidade política à campanha, sendo um ator que dignificou o espaço de vice na chapa da Frente.



4. Toda esta experiência da primeira campanha eleitoral do PSOL e da Frente de Esquerda por este encabeçada, ainda precisa passar por uma avaliação mais profunda, seja para melhor entender os seus resultados, seja para um balanço de todo o processo que envolveu a definição do programa, da estratégia de campanha, das alianças, da formação das chapas e da sua coordenação cotidiana. Portanto, ainda é necessário um balanço mais aprofundado do seu significado essencialmente positivo.
5. A votação obtida pela candidatura de Heloísa Helena foi, assim, a expressão daquilo que foi possível acumular na atual correlação de forças e condições de luta. Os erros e falhas que possam ser identificados na sua condução, e que precisam ser discutidos, se situam dentro das dificuldades complexas colocadas para o seu lançamento e sustentação.



6. Dos sete deputados federais do PSOL, três conseguiram se reeleger, de modo combativo e independente: Ivan Valente (da APS de São Paulo), Chico Alencar (RJ) e Luciana Genro (RS). Fará enorme falta à luta popular a não eleição dos demais, especialmente a companheira Maninha (da APS de Brasília), assim como dos companheiros Fantazzini (SP), João Alfredo (CE) e Babá (RJ). Também fará grande falta os mandatos estaduais que, apesar, do excelente exercício parlamentar, da boa votação e do grande espírito de luta, não conseguiram se eleger por insuficiência de coeficiente eleitoral para a Frente de Esquerda em seus estados. A eles – Araceli Lemos (PA), Brice Bragatto (ES), Afrânio Boppré (SC) e Randolfe Rodrigues (AP) nosso forte abraço de companheiras e companheiros de uma luta permanente pelo socialismo, com ou sem mandatos parlamentares. Por outro lado, o PSOL elegeu três novos companheiros deputados estaduais, Giannazi (SP), Raul Marcelo (SP) e Marcelo Freixo (RJ) que seguramente saberão honrar os mandatos o que o povo está dando.



7. O PSOL que sai de seu primeiro teste nas urnas nacionais, tem uma bancada menor do que a inicialmente formada por deputados dissidentes do PT, mas o partido estendeu sua representatividade e reconhecimento nacional. Além do mais, tendo lançado candidatos em todos os estados brasileiros junto à Frente de Esquerda, na grande maioria dos casos encabeçada por militantes do partido, mostrou uma possibilidade de crescimento e enraizamento, que precisa ser bem estudada para ser melhor potencializada.



8. Como regra geral, estão de parabéns nossos candidatos a governador, vice-governador e senador, pelo importante papel que cumpriram na campanha, nos seus debates e com a demarcação política que realizaram diante de outros candidatos que se limitaram a defender, também nos estados, variações dos projetos neoliberais que nacionalmente foram patrocinados pelas candidaturas de Lula da Silva e Geraldo Alckmin. Destacaram-se, com votações relativamente mais expressivas, os companheiros Toninho Andrade (DF), Edmilson Rodrigues (PA), Clécio Luiz (AP), Plínio Arruda Sampaio (SP), Renato Roseno (CE) e Ricardo Barbosa (AL). Mas todos estão de parabéns pelo investimento militante que deram em mais esta etapa da resistência popular.



9. Temos certeza, entretanto, que somente o aprofundamento de suas definições políticas e de sua inserção nos movimentos sociais, poderá fazer do PSOL um instrumento político-partidário socialista, democrático e de massas capaz de responder aos desafios estratégicos que a construção de uma alternativa socialista em nosso país exige.



10. Os resultados parlamentares negativos, atingiram também os outros partidos da Frente de Esquerda: o PCB só elegeu um deputado estadual (no Amapá) e os candidatos do PSTU, mesmo nos estados de maior presença deste partido, obteve votações muito baixas. Já a chamada esquerda do PT, teve forte redução nas bancadas da DS, AE (que tiveram suas bancadas reduzidas a menos da metade). TM, FrS e BS praticamente ficaram sem bancadas e OT teve votações baixíssimas. Além disso, muitos dos petistas eleitos estão envolvidos com os escândalos do mensalão, quebra do sigilo bancário, compra de dossiê etc. Assim, o PT que sai das urnas é ainda mais identificado com o chamado campo majoritário, suas políticas neoliberais e os interesses dos grandes grupos econômicos e, portanto, mais conservador, pragmático e fisiológico.



11. Acabou o primeiro turno e com ele a presença na cena eleitoral da única candidatura presidencial importante que tinha o objetivo de construção de uma alternativa de esquerda no Brasil, que esteve representada por Heloísa Helena e pela Frente de Esquerda encabeçada pelo PSOL.



12. Todo este processo de disputa político-eleitoral do primeiro turno veio ainda reafirmar a decisão correta de construção da alternativa do PSOL, desenvolvida principalmente por aqueles que também corretamente formaram dissidências e saíram do PT e do PSTU. Assim como o total acerto do lançamento da candidatura de Heloísa Helena a presidente, sem a qual a disputa eleitoral de 2006 ficaria limitada a variantes do neoliberalismo.



13. No segundo turno, ambas as propostas de governo dos candidatos Geraldo Alckmin e Lula da Silva, seja pelo que expressam, seja pelo que já praticaram, seja pela composição de suas alianças, significam diferentes formas regressivas em relação aos direitos dos trabalhadores. Não temos ilusões sobre isto.



14. No segundo turno, Alckmin continuará evitando mostrar sua verdadeira face de inimigo do povo e bastião dos interesses do grande capital internacional e nacional. Suas relações de classe, seu passado político e de seus aliados, são a cara do conservadorismo e do reacionarismo típico da direita. E prometerá melhorias que a coligação PSDB-PFL nunca fez e uma ética que nunca teve. Por outro lado, sem Heloísa Helena na cena eleitoral e sem divergências fundamentais de estratégia e métodos de governar, Lula agora vai aos debates tentando reduzir tudo à comparação de estatísticas que não representam diferenças fundamentais. E continuará manipulando a simbologia de um passado de lutas que não mais é exercitado. O segundo turno será dominado, também, pela troca de acusações de corrupção num vale tudo onde, ao final, o que fica nítido é que estas duas coligações, em que pesem suas diferenças de origem e o grau de responsabilidade histórica sobre a corrupção no país, acabam muito comprometidas também nesta questão.



15. A Executiva do PSOL tirou uma posição de nenhum apoio a ambos os candidatos, liberando o voto dos seus filiados. Entendemos isto considerando que, depois do tipo de embate realizado durante o primeiro turno, dificilmente a posição expressa oficialmente pelo PSOL como partido poderia ser outra.



16. Entretanto, entendemos que, num segundo turno, a tática não é necessariamente igual à do primeiro. Assim, esta posição da executiva nacional do PSOL, abre a possibilidade, na prática, tanto para o voto nulo quanto para o voto crítico em Lula, pois consideramos impossível que a militância de esquerda venha a dar algum voto em Alckmin, e muito menos indicar voto para este candidato. Portanto, pode ser legítimo tanto o voto nulo quanto um voto crítico na candidatura de Lula. Isto se dá pelo fato de que uma importante parte dos movimentos sociais sérios e combativos do campo democrático e popular, tendo compreendido ou não – completamente e em toda profundidade – os enormes equívocos e a prática burguesa do governo petista de Lula, ainda acredita na possibilidade de reversão dos seus rumos e, portanto, os apóiam.



17. A APS não tem ilusões sobre isto. Mas, compreendendo este contexto, acredita que um segundo mandato de Lula poderia, inclusive, pela reincidência de políticas neoliberais e outras práticas nefastas, contribuir para uma maior consciência deste seu caráter atrasado e manipulador (que reforça práticas e concepções ideológicas dos grupos dominantes) entre aqueles ativistas sociais que ainda acreditam que este seja ou ainda possa vir a ser uma real alternativa de transformação social.



18. Por outro lado, não é possível impedir que qualquer militante enraizado nos movimentos sociais ou presente na ação institucional, expresse suas posições, seja a de um voto crítico em Lula, seja a de voto nulo – já que, na prática, não há nenhum sinal de que algum militante do PSOL possa vir a votar em Alckmin.



19. Tudo isto significa que o nosso principal esforço deverá ser dirigido para a busca da construção de uma plataforma de luta para resistir às políticas regressivas que certamente virão, qualquer que seja o presidente eleito neste segundo turno. Nosso lema geral de “Na luta pelo socialismo, construir a Resistência Indígena, Negra e Popular contra o neoliberalismo”, continua na ordem do dia. E nossa posição será de oposição de esquerda a qualquer um dos concorrentes que vencer o segundo turno.



20. Nesta tarefa, a APS buscará estar lado a lado com toda a militância do PSOL, assim como do PCB, do PSTU e de todos aqueles agrupamentos, correntes, movimentos sociais e militantes que ainda mantém o horizonte de luta pelo socialismo e que não querem aceitar novos ataques aos direitos dos trabalhadores e do povo oprimido e discriminado de modo geral, ao meio ambiente, à soberania nacional e à auto-determinação dos povos.



Nenhum voto em Alckmin



Na luta pelo socialismo, construir a Resistência Indígena, Negra, Feminina e Popular contra o neoliberalismo



Combater todos os ataques aos direitos dos trabalhadores e do povo oprimido e discriminado de modo geral, ao meio ambiente, à soberania nacional e à auto-determinação dos povos.



Construir a oposição de esquerda, qualquer que seja o novo governo



Coordenação Nacional da Ação Popular Socialista
Brasil, 6 e 7 de outubro de 2006''