Ter segundo turno foi bom para Lula?

Por Bernardo Joffily


No QG da candidatura Lula em Brasília, já existe quem renda graças aos deuses porque o presidente não se reelegeu no primeiro turno. À primeira vista, o raciocínio parece uma tirada do doutor Pangloss, aquele personagem do

O autor do raciocínio convida seu interlocutor a imaginar como seria o quadro se Lula, em vez de ter 1,35% dos votos válidos menos que a minoria absoluta, tivesse tido, por exemplo, 1,35% dos votos mais. Como ficaria o quadro político, com a oposição e com a mídia do jeito que são no Brasil?


 


É razoável supor que o presidente reeleito passaria a viver quatro anos de sobressaltos. A cada entrevista de um Roberto Jefferson e a cada trapalhada de um petista ''aloprado'', pairaria a dúvida sobre se o diminuto contingente de 1,35% teria ou não se bandeado para o lado oposto. E sempre haveria quem a partir daí contestasse a legitimidade do mandato presidencial.


 


Um salutar tira-teima


 


Com o segundo turno, argumenta o falso Pangloss de Brasília, produziu-se um salutar tira-teima. O cenário com apenas dois candidatos, desimpedido de coadjuvantes, reflete uma polarização real entre dois projetos. Aliás, o único ponto em que Lula e Alckmin concordaram, no debate desta quinta-feira na rede SBT foi este: ambos se consideram completamente diferentes um do outro.


 


O tira-teima do próximo dia 29 deve produzir um resultado eleitoral e politicamente mais nítido do que o do último dia 1º. Os debates na TV com a participação de Lula, antes tarde do que nunca, têm ajudado essa nitidez, até quando o candidato do PSDB-PFL, ''como um delegado de porta de polícia'', interroga o presidente sobre ''de onde veio o dinheiro sujo para comprar o dossiê fajuto''. E o debate programático também ganhou alguma espessura, com a controvérsia sobre as privatizações.


 


Não foi o que Alckmin tanto pediu?


 


Com isso, os eleitores de Heloísa Helena (PSOL), Cristovam Buarque (PDT) e mesmo os de Lula e Alckmin passaram a revisitar o confronto eleitoral, agora sob a ótica bipolar do segundo turno. Por uma ironia da vida, foi justamente o que o presidenciável tucano pediu aos céus, e aos eleitores, até o 1º de outubro, quando insistia sobre as virtudes do segundo turno.


 


Só que, a julgar por todas as pesquisas de outubro, a reflexão do eleitorado diante de um cenário mais nítido não tem sorrido a Alckmin. Pelo Datafolha divulgado na terça-feira e o Vox Populi da quinta, a diferença entre os dois pode chegar aos 20 pontos percentuais e o candidato do bloco direitista corre o risco de ter menos votos que no primeiro turno.


 


Para a campanha Lula, o raciocínio do falso Palgloss tem um mérito eleitoral muito concreto. Ao contrário da doutrina do Pangloss autêntico de Voltaire, ele estimula a ação militante na campanha, ao introduzir uma variável nem sempre notada: institucionalmente, basta um voto de vantagem para ganhar a eleição; mas politicamente, cada eleitor que Lula ganha e cada eleitor que Alckmin perde é um fortalecedor e um estabilizador do hoje altamente provável segundo governo do PT-PCdoB-PRB.