Petta: a UNE contra a mídia de dois pesos e duas medidas

A poucos dias das eleições, uma série de denúncias envolvendo a compra de um dossiê que incriminaria algumas importantes figuras do PSDB ganhou as páginas dos jornais e revistas com exaustiva repercussão nos telejornais. Diante de tantos fatos e versões,

Nesta entrevista, Gustavo Petta expõe sua preocupação com a ofensiva da direita brasileira, que, segundo ele, “na história do país, sempre teve uma tradição de desestabilizar o processo democrático”.  Petta questiona a legitimidade do pedido de impugnação e faz uma alerta: “Então quer dizer que a democracia só vale quando a população escolhe para governar os candidatos que a elite apresenta? Quando a população opta por um outro governante passa a ser questionado inclusive a capacidade do povo de escolher o seu próprio governante?”. Leia a seguir trechos da entrevista.



Nos últimos dias, a população brasileira foi bombardeada por uma série de fatos e versões sobre casos de corrupção na campanha eleitoral. Como a UNE observa esse cenário?



Duas graves denúncias vieram à tona. A primeira, que envolve figuras importantes do PSDB, é o caso da “máfia dos sanguessugas”. O principal chefe da máfia afirmou em uma revista de circulação nacional o envolvimento do ex-ministro José Serra no caso, dizendo taxativamente que seria “mais fácil” a atuação no período em que o candidato ao governo de São Paulo era ministro da Saúde do governo FHC. O que, de certa forma, desmascara de vez o discurso moralista que a direita brasileira tentou impor nestes últimos meses.



A segunda, que envolve filiados petistas numa tentativa de compra do dossiê que acusaria exatamente o José Serra, o Geraldo Alckmin e outras figuras importantes do PSDB. E essa tentativa desastrada, equivocada e insana de compra do dossiê provocou a prisão de alguns petistas. Eu acho que, diante dessa seqüência de ilícitos, os movimentos sociais, o movimento estudantil principalmente, deve exigir, junto ao poder público, a punição e apuração, com abertura de processo criminal, de todos os envolvidos, tanto no caso da compra do dossiê, como na máfia dos sanguessugas.



Com a proximidade das eleições, a oposição vem subindo o tom das críticas. Quais objetivos você acredita estarem por trás deste discurso mais agressivo?



Esses casos lamentáveis ocorridos neste último período deram força para que a direita voltasse com o seu discurso golpista, que já fez parte do processo político no último ano e agora vem com mais fôlego. O que há de mais perigoso nisso tudo são as insinuações de que, mesmo as eleições sendo encerradas no primeiro turno, a direita tentaria deslegitimar o processo eleitoral que está acontecendo no Brasil, com todas as suas garantias de democracia, de liberdade, para que as pessoas possam optar pelo seu candidato. Isso realmente deve ser amplamente repudiado pela sociedade brasileira, pelos movimentos sociais, pela sociedade civil, pela academia, pelos intelectuais. Temos que combater essa tentativa de deslegitimar a soberania do voto popular.



A oposição tem o direito legítimo de se apresentar como uma alternativa, de tentar ganhar as eleições, mas o resultado das eleições precisa ser garantido. No entanto, acredito que isso não fica claro para eles. A oposição aposta num eventual segundo turno e até mesmo numa vitória, mas em caso de derrota ela já visualiza a idéia de impedir a diplomação do presidente eleito. Inclusive, o PSDB e o PFL já entraram no TSE com pedido de impugnação da candidatura do Lula.


 


Outros capítulos da nossa história já mostraram que a direita, sempre que derrotada nas urnas, apela para outros tipos de mecanismos, como foi o caso do Getúlio Vargas, que inclusive acabou se suicidando diante da pressão conservadora que estava colocada no país naquele momento. Como foi também o caso do João Goulart que foi impedido de continuar o seu governo por causa da ditadura militar, bancada pela elite brasileira. Então, temos que ficar alerta diante da possibilidade de uma tentativa golpista. Mas é claro que se isso ocorrer a reação popular será imediata, porque nós estamos vivendo um momento democrático dos mais importantes para o país e isso tem que ser respeitado com a garantia da soberania do voto popular.



Alguns setores mais radicais levantaram a possibilidade de impugnar a candidatura à reeleição do presidente Lula. Tentam até mesmo comparar com 1992…



Existe uma diferença muito grande. Primeiro, porque nós estamos num processo eleitoral. É o momento mais legítimo para a população dizer se esse projeto coordenado e liderado pelo atual presidente deve prosseguir ou não. É um processo talvez muito mais legítimo, no qual a população é que deve decidir, do que a Câmara dos Deputados dizer se o presidente deve ou não continuar governando o país. O voto direto é o que a gente construiu de mais legítimo até agora na democracia brasileira, porque são as pessoas que de certa forma decidem sobre o seu próprio destino.


 


Uma segunda questão é que os projetos políticos, econômicos e sociais são totalmente antagônicos. O Brasil vive um outro momento político, totalmente diferente do vivido na época do afastamento do Collor. Nas atuais acusações, não foram provadas a ligação direta do presidente da República, assim como ocorreu no caso do Collor. Nesse caso, houve uma comprovação clara e evidente do envolvimento direto do presidente.


 


Então, não existe nenhuma legitimidade para o pedido de impeachment. Nem legitimidade popular, nem legitimidade jurídica, nem legitimidade política. Em 1992, você tinha um forte apelo popular, com mais de 70% da população a favor do impedimento do presidente; existia também uma legitimidade jurídica no pedido, com comprovações claras das denúncias que foram feitas; e a maioria das forças políticas, representadas pelos partidos, também queriam que aquele processo fosse levado adiante. Naquela época, milhares de pessoas foram às ruas, o que não ocorre agora, exatamente porque não há essa vontade popular do impeachment.



Alguns casos famosos mancham a cobertura da grande imprensa no Brasil em campanhas eleitorais. Como você avalia a cobertura da mídia nestes últimos episódios?



Acho que existe uma dose diferenciada para as denúncias que estão aparecendo. Você percebe na grande mídia que 90% dos espaços são quase exclusivamente dedicados à compra do dossiê, muito pouco se falando sobre o seu conteúdo. Acho que isso é a prova mais clara e evidente de um peso diferenciado na abordagem dos temas, com uma parcialidade total na cobertura dos fatos. Boa parte da imprensa realmente vem se tornando quase que um partido político dentro do processo eleitoral, tomando lado e se posicionando de forma totalmente parcial. Acho que infelizmente o monopólio e essa grande concentração de poder em pouquíssimos veículos de comunicação acabam criando esse desequilibro.



Qual seria a melhor maneira de equilibrar o poder midiático?



Enquanto o Brasil não democratizar os meios de comunicação, todos os governos vão ficar reféns desses veículos que tem uma concentração muito grande de poder em suas mãos. Infelizmente, o governo Lula não enfrentou essa questão. Acredito que o próximo governo deve melhor avaliar isso, porque realmente só democratizando os meios de comunicação é que mudanças importantes na sociedade serão de fato aprofundadas. Mas enquanto a concentração for deste tamanho e desta ordem o poder deles continuará muito forte e, em muitos momentos, o governo poderá ficar totalmente refém da opinião destes jornais e revistas que concentram boa parte da força midiática no país.



Apesar de estar constantemente sobre fogo cerrado, as pesquisas de opinião demonstram que as intenções de voto se consolidam cada vez mais em favor de Lula. Como você avalia isso?



Acho que uma questão muito importante que foi dita pelo jornalista Franklin Martins é que há uma singularidade neste processo eleitoral que está acontecendo no país. Ele fala do “efeito pedra no lago”, que diz que quando um determinado fato político ocorria no Brasil, a versão apontada pelas elites deste fato ganhava rapidamente os grandes meios de comunicação, assim como o efeito de uma pedra que cai sobre um lago e rapidamente ganha toda a sua superfície. Essa versão construída ganhava toda a população brasileira. Partia de uma opinião formada na elite e rapidamente já estava nas classes mais baixas. E isso ia se consolidando como uma opinião hegemônica na sociedade.


 


Talvez a elite esperava realmente que a idéia de que este governo tinha acabado e de que não representava mais uma alternativa de construção de modelo fosse absorvida pela população. Eles acreditavam que este discurso chegaria facilmente até à classe com menos acesso à informação e que levaria à formação de uma opinião comum de que era necessário impedir o governar de continuar o seu projeto. Então, acho que de certa forma ocorreu a emancipação política do povo brasileiro, que percebeu que pode sim opinar no processo político, independente da opinião das elites.



A direita continua insistindo no processo de impedimento da candidatura do presidente Lula. Você acha que a democracia brasileira corre risco?



Acho que a gente tem que estar a todo momento em estado de alerta para defender a democracia no Brasil. Isso eu falo porque a história da democracia no país é recente e sempre em períodos muito curtos, impedidos por algum tipo de golpe feito pelas elites. Precisamos impedir qualquer tentativa de questionamento sobre as eleições e a soberania do voto popular. Como eu já disse antes, isso aconteceu no Brasil em outros momentos, já teve um golpe feito em 1964, exatamente porque o João Goulart estava governando para a população mais pobre do país e construindo várias reformas que beneficiavam aqueles mais excluídos. Isso aconteceu com o Getúlio Vargas, que tinha um governo voltado para a população mais pobre e isso incomodava a elite.


 


Casos como esses não podem voltar a acontecer, porque é impressionante como alguns intelectuais, principalmente de direita, começam a questionar a própria capacidade do povo de decidir o seu próprio destino. Então quer dizer que a democracia só vale quando a população escolhe para governar os candidatos que a elite apresenta? Quando a população opta por um outro governante passa a ser questionado inclusive a capacidade do povo de escolher o seu próprio governante?



Caso realmente a oposição tente “melar” o processo eleitoral, de que forma os movimentos sociais pretendem se posicionar?



Os movimentos sociais já estão se reunido exatamente para defender o fortalecimento da democracia e impedir qualquer tentativa de golpe no país. Vamos lançar um manifesto que pede a apuração e punição dos envolvidos em ambos os casos de corrupção que foram colocados nos últimos meses. Um manifesto que denuncia e desmascara de certa forma a parte da mídia brasileira que tenta acobertar um dos fatos e dar todo o relevo ao outro. Será um manifesto que repudia qualquer tentativa de desestabilização do processo democrático, e defende a soberania do voto popular. Esse documento será lançado e nós estamos preparados para, se preciso for, mobilizar a sociedade para ocupar as ruas do país em defesa da democracia e contra a impugnação do processo democrático.



Fonte: EstudanteNet
http://www.une.org.br