Rapin Hood: O rap de raiz é minha forma de fazer política

Confira trechos da entrevista de Rappin Hood a Lígia Hipólito, do portal EstudanteNet. O rapper fala sobre projetos artísticos, par, política e racismo.

Sujeito Homem: Rappin Hood com a palavra


 


Rappin Hood, um rapper de categoria, é conhecido pelo estilo inusitado, que une o rap com o samba, duas vertentes musicais que representam a voz das minorias, o grito da periferia. ''Filho de seu João e dona Beth'', como ele mesmo faz questão de citar, Rappin afirma fazer rap com compromisso, no propósito de ''falar por seu povo'', fazendo de seu trabalho um instrumento para articulação de mudanças na sociedade. Provido de microfone na mão e palavras na ponta da língua, ele se faz ''sujeito homem'' e é tudo no seu nome!


 


Há cerca de 20 anos na trilha do rap, Rappin Hood se prepara para gravar seu terceiro álbum. Seguindo a trilogia, dos trabalhos anteriores, o Sujeito Homem 3 continua na linha do rap com samba e terá a uma faixa em parceria com Jorge Benjor. Além disso, Rappin adianta ao EstudanteNet que, em novembro, deve sair o novíssimo DVD Sujeito Homem Especial, documentário que conta a sua trajetória dentro do rap. Ao saber que a repórter Lígia Hipólito é negra, não titubeia e logo brinca: ''Espero que você seja mais uma mulher negra a invadir o mercado de trabalho. Quem sabe uma próxima Glória Maria.'' Esse é Rappin Hood.


 


Quais são os planos atuais pra o seu trabalho?
Eu estou preparando um DVD, que deve sair em novembro desse ano, pela gravadora Trama e também terá uma execução de especial de final de ano, na TV Cultura. Na verdade é um documentário, que chama Sujeito Homem Especial, contando um pouco a minha trajetória. E, logo depois disso, estou preparando o Sujeito Homem 3, um CD de estúdio com músicas inéditas. A única coisa que posso adiantar é que eu continuo cada vez mais fundo, na junção do samba com rap. E terá também uma parceria com o (Jorge) Benjor. Paralelamente, eu trabalho com meu selo independente, o Raízes Discos.


 


Sendo o rap sua grande paixão, conforme você citou, você acredita que ele age como a voz da periferia e tenha o poder de falar pelo pobre nas altas camadas da sociedade?
Acredito, piamente, nesse papel do rap. E, não só acredito como vivo isso. Mas creio também que ele tende a ir por outros caminhos. Vai surgir gente que vai fazer música sem compromisso, vai ganhar muito dinheiro e eu não considero isso errado. Penso que cada um é cada um e sabe muito bem o que faz. Falando, por mim, posso afirmar que faço parte da raiz e não consigo fazer rap sem compromisso. Eu sou isso, meu trabalho é isso. Mas, eu respeito as outras pessoas. O rap também pode servir para descontrair, pode ter uma vertente mais romântica, pode ter um estilo 'gangsta'. No meu caso, eu procuro fazer rap com compromisso, essa é a minha linha.


 


Estamos a poucos dias das eleições. No Brasil, ainda vemos poucos ''candidatos do rap''. O que você acha do casamento do rap com a política?
Eu penso que cada um tem seu livre arbítrio e as pessoas têm seus critérios individuais. Eu faço rap de raiz, esse é o meu engajamento e a minha forma de fazer política. Mas, eu respeito as diferentes opiniões, e, se um rapper pretende se lançar como candidato, se ele acha que esse é o caminho que ele deve trilhar, ele deve segui-lo, independente de ter quem o apóie ou não. Eu tenho o meu pensamento, minha ideologia, não sigo cartilha no rap. Não acho que eu deva ser igual a ninguém, tampouco penso que os outros rappers tenham que ser igual a mim. Mas eu acredito que o rap, por ser um movimento, já é uma forma de fazer política. E, nem por isso, penso que todos os irmãos tenham que seguir essa linha, cada um deve determinar o que é melhor pra si.


 


Você acredita que o rap pode ir para a grande mídia, sem se corromper?
Eu falo por mim, pois cada um age conforme sua conduta. Eu posso afirmar que eu não abandono as minhas origens. Estando no Faustão ou na minha quebrada, sempre me comporto da mesma maneira. Mas não posso falar pelos outros irmãos. Acredito que é possível, sim, não se corromper. Podemos ir a grande mídia, sendo verdadeiros, mostrar o nosso trabalho, com a nossa verdade, da maneira que somos, direcionando pro nosso povo. Porém, pra isso é preciso ter uma cabeça boa e firme, por que é muito fácil se deslumbrar com glamour, festa, amigos, drogas, mulher…


 


Falando da inserção do jovem negro dentro do meio universitário, gostaria de saber se você é a favor da reserva de cotas para afro-descendentes dentro das universidades públicas?
É fato que existe discriminação, racismo e pré-conceito dentro do Brasil. Mas, eu acho que a nossa geração de negros não está mais em tempo de reclamações, estamos em tempo de conquistas, tempo de lutar, 'passo a passo' e 'pau a pau', com qualquer raça. Precisamos nos preparar para conquistar o mercado de trabalho e, por isso, sou a favor das cotas para negros, sim. Embora nós sejamos, hoje, mais que 50% da sociedade e muito pouco desse percentual consiga concluir um curso superior. Portanto, vamos nos incluir! Sou super a favor das cotas, inclusive, em respeito aos 'nego veio' do Movimento Negro que lutaram, há tantos anos, por essa conquista. E, quem sou eu, que chegou agora, pra desconsiderar a luta dos meus antepassados? Eu tenho que respeitar. Quero essas cotas por mim, pelos meus filhos, pelos meus avós, por todos nós.


 


Como artista negro, você enfrentou algum tipo de dificuldade relacionado a preconceito racial, no decorrer de sua trajetória?
Dificuldades sempre enfrentamos. É um problema vivido pelo nosso povo. Dificuldades sociais, raciais e principalmente pelo estilo de música que eu faço – o rap – que sempre foi rotulado como música de marginal, de ladrão. Passei dificuldades por ser um jovem negro, sem ter indicação; na real, sempre fui filho do seu João e da dona Beth, nunca tive grandes nomes ou famosos que tenham me aberto portas. Pra mim, sempre foi um caminho árduo, um caminho difícil. Consegui gravar meu primeiro disco, depois de, praticamente, quinze anos cantando.


 


Você já pensou em trilhar por outros caminhos, além do rap?
Na real, eu sempre estudei, trabalhei; fui auxiliar de escritório, office boy, vendedor… Mas a porta que se abriu pra mim foi a música. Cheguei a ter grupos de outros estilos, mas nunca, por pretensão, tocava aqui na vila e tal. O estilo musical que eu trabalhei pra seguir profissionalmente foi o rap mesmo.


 


Por que a idéia de unir o rap com o samba?
Na verdade, a minha identificação com o samba já é natural, só pelo fato de ser negro e brasileiro, escuto desde garoto, faz parte da minha história. A mesma coisa aconteceu com o rap, o soul, o funk, que me acompanham desde a infância. E essa história de casar o rap com o samba começou, quando eu chegava na roda de samba e a galera pedia pra eu cantar, mas não tinha dj e, na falta da batida do rap, eu improvisava e brincava ali com os sambistas, rimando, e assim nasceu o rap com o samba. Com o tempo, foi se aprimorando, rimar em cima da levada do samba. E pra mim é algo que surge muito naturalmente, vejo esse ritmo como o sotaque oficial do rap brasileiro, é a forma que eu encontro de incorporar a cultura do meu povo, a cultura do meu país.


 



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