Farc divulgam Carta Aberta aos integrantes do Noal

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc-EP) divulgaram nesta quarta-feira (13/9) uma Carta Aberta destinada a todos as delegações que participam da 14ª Reunião dos Países Não Alinhados (Noal).

O documento, assinado por Raúl Reyes, chefe da Comissão Internacional das Farc, traça um histórico político da Colômbia e defende que a guerrilha não é a responsável pela violência no país, ao contrário do que pregam o governo local e a maior parte da mídia internacional.



Confira abaixo a íntegra da Carta Aberta:



''A Colômbia é um país imensamente rico, com três cordilheiras, segundo lugar em biodiversidade, costas em dois oceanos, todos os patamares térmicos e climas variados, com terras férteis que permitem uma produção agrícola durante o ano todo. Uma população de 44 milhões de habitantes e um potencial econômico ativo de grande labor que teria, em condições de paz real, capacidade de produzir o suficiente para auto-abastecer-se e contribuir, do ponto de vista alimentar, para a alimentação de outros 60 milhões de seres humanos que não têm possibilidade iguais ou semelhantes.



Mas vimos de uma tragédia nacional, 60 anos de terrorismo de Estado e de maior geração de preocupações na complexidade da política internacional. Foram etapas de grandes injustiças sociais, de democracia cada vez mais restringida, tempos de grandes padecimentos que recrudesceram com a eleição à Presidência da Colômbia do Dr. Mariano Ospina Pérez, de filiação conservadora. Ao iniciar esse período, em 1946, começou-se uma repressão violenta contra a oposição de então, fundamentalmente contra o liberalismo, o que provocou um protesto pacífico histórico, que teve sua maior expressão na manifestação do silêncio, convocada pelo líder do Partido Liberal, Dr. Jorge Eliécer Gaitán. A Plaza de Bolívar, em Bogotá, encheu-se, ninguém lançou um grito, nem um viva, nem um abaixo, só falou Gaitán. Seu discurso foi a Oração da Paz, não apelou ao ódio, não apelou ao enfrentamento, apelou à reconciliação, ao entendimento e à paz.



Em 9 de Abril de 1948 Gaitán foi assassinado e até hoje o caso permanece na mais absoluta impunidade. Ninguém sabe quem foi o autor intelectual, pois deixou-se que a multidão enfurecida destroçasse fisicamente o autor material a fim de que ninguém soubesse quem o havia induzido ou contratado. Chama a atenção o fato de que a CIA, a 58 anos de distância do fato, não haja desclassificado os documentos sobre este crime, apesar da grande incidência que teve sobre o seu desenvolvimento agitado e sobre as ainda não bem analisadas conclusões da Conferência Pan-americana que nesse momento se reunia em Bogotá.



Ao povo colombiano custou muito caro estes anos de governos desastrosos. Foram assassinados 300 mil compatriotas entre 1948 e 1953. Esse período é conhecido como o da política oficial do ''sangue e fogo''. Continua hoje o infame massacre.



Desde então, a alta hierarquia liberal optou pelo exílio e aos liberais da base coube-lhes irem para as montanhas, empunharem as armas e combaterem para defender as vidas, suas famílias e proteger os poucos bens que possuíam.



No ano de 1953 veio o golpe militar, aparentemente orientado pelo general Gustavo Rojas Pinilla, que uma vez consolidado apelou às guerrilhas para que se entregassem sob o lema ''Paz, Justiça e Liberdade''. A maioria dos guerrilheiros que respondiam às diretivas do Partido Liberal entregou-se, mas o resultado não foi a paz. Quase imediatamente o governo militar converteu em inimigos todos aqueles que tinham um pensamento diferente do oficial e, sob os parâmetros anti-comunistas da IX Conferência Pan-americana, bombardearam-se regiões camponesas em Villarrica Tolima, causando a morte violenta de homens, mulheres e crianças.



No ano de 1957 o general Rojas Pinilla foi obrigado a abandonar o poder. O novo governo tornou a chamar os guerrilheiros à paz e ao trabalho. Estes aceitaram e voltaram a trabalhar nas regiões camponesas de Rio Chiquito, Marquetalia, El Pato e El Guayabero. Ali se produzia milho, banana, mandioca, café, feijão, porcos, gado e aves de capoeira, dentre outros produtos agrícolas. Uma parte destes produtos era consumidas pelos habitantes ou vendiam-se nas cidades vizinhas, convertendo-se numa contribuição para o desenvolvimento do país. Mas em 1964 foram novamente atacados pelo Estado colombiano. O Exército Nacional, seguindo as orientações do Departamento de Estado dos Estados Unidos, quiseram arrasar estas regiões, temerosos de que fossem o germe de outra revolução como a cubana.



Esta perseguição constante e sem precedentes é a origem das FARC-EP, a guerrilha mais antiga do mundo que, obrigada por seis décadas de violência oficial, combate um Estado injusto e violento, com o empenho de conquistar para o povo uma paz digna com justiça social.



Durante todo este período aziago houve várias tentativas de conseguir a paz, até que em 1984 firmaram-se os Acordos de la Uribe, uma trégua e uma cessação bilateral de fogos que durou até 9 de Dezembro de 1990, quando foi rompida pelo presidente da época, César Gaviria Trujillo, que, sem haver terminado a trégua e sem riscos, bombardeou Casa Verde, sede do Secretariado das FARC, no dia em que os colombianos elegiam a Assembléia Nacional Constituinte.



Como produto dos Acordo de la Uribe nasceu a União Patriótica, organização pluralista bem acolhida pelos trabalhadores e pela população. Num curto tempo de campanha eleitoral elegeu 14 congressistas, 17 deputados, 10 alcaides e 135 vereadores. A reação da ultra-direita não se fez esperar: dois dos seus candidatos à presidência foram assassinados – Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo. A maioria dos congressistas, deputados, vereadores e alcaides foram assassinados, juntamente com mais de 4 mil dirigentes, ativistas e simpatizantes do Partido Comunista e da União Patriótica. Foram assassinados igualmente os candidatos Carlos Pizarro León Gómez do M19 e Luis Carlos Galán Sarmiento do Nuevo Liberalismo. Todos estes assassinatos foram responsabilidade do Estado colombiano, pelo que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado pelo genocídio contra a União Patriótica.



Num novo passo na busca da paz, a 7 de Janeiro do ano de 1999 instalaram-se os diálogos em San Vicente del Caguán, Departamento de Caquetá, entre o governo do Dr. Andrés Pastraña e as FARC-EP. Mas em paralelo a este importante processo os Estados Unidos impuseram o Plano Colômbia, plano de guerra contra a estabilidade da região sul-americana. Três anos mais tarde, em 20 de Fevereiro de 2003, o presidente Pastraña dava por terminados os diálogos, abruptamente, sem ter tido em conta os 28 países amigos que apoiavam este novo esforço de paz e sem ter permitido ao enviado do Secretário-Geral da ONU, James Lemoyne, que despenhasse o papel de facilitar em que estava empenhado.



Durante o processo 1999-2003 avançou-se significativamente e firmou-se, pelos representantes do governo de Pastraña e pelas Farc, a Agenda Comum para a Troca. Os pontos a discutir já estão identificados e rubricados com a assinatura das duas partes. Só falta a vontade do governo atual de reiniciar um diálogo que conduza à paz na Colômbia e à estabilidade regional.



Excelentíssimos presidentes e delegações do Movimento dos Países Não Alinhados, fazemos esta pequena síntese histórica para mostrar que a guerrilha não é responsável pela violência, como apregoam o Governo da Colômbia e os grandes meios de comunicação que lhe são afetos.



Dirigimo-nos aos senhores não para lhes pedir que nos ajudem na guerra e sim para lhes pedir que nos ajudem na solução pacífica do conflito social e armado que padecem os colombianos desde há seis décadas.



Ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe Vélez, já reiteramos publicamente a proposta que lhe foi feita desde o início do seu primeiro governo, de desmilitarizar dois Departamentos: o Putumayo e o Caquetá e de retomar a Agenda Comum para a Troca para nos sentarmos com os partidos políticos, grêmios econômicos, a Igreja, o movimento sindical e de massas em geral, os militares, os estudantes, os camponeses, os indígenas e outras minorias, para que entre todos desenhemos a nova Colômbia, a que todos queremos, soberana, digna, pujante, justa e em paz.



Para o Acordo Humanitário, da parte das Farc, existem propostas concretas e realizáveis à luz do Direito Internacional, cabendo ao governo dar os passos pertinentes para avançar no seu desenvolvimento e concretização, o que é esperado pela nação, pela Comunidade Internacional e pelos familiares dos prisioneiros políticos e de guerra das duas partes.



Estamos dispostos a enviar delegações a fim de conversar com os seus governos nos seus países acerca das nossas propostas para as saídas políticas. Se pudermos contar com garantias, estamos igualmente dispostos a receber os seus delegados nos nossos acampamentos a fim de lhes dar a nossa versão do conflito interno e explicar-lhes nossos esforços e propostas destinadas a conseguir a paz definitiva e duradoura.”