O projeto estratégico do presidente Chávez

Ao retornar de suas visitas de Estado à China, Malásia, Síria e Angola e uma rápida passagem por Havana para visitar o convalescente Fidel Castro, périplo que levou 17 dias, recebido por uma multidão de simpatizantes numa praça central de Caracas, o presi

“Estive pensando muito no assunto, vou anunciá-lo, vou desembuchá-lo”, declarou, convicto de sua vitória por larga maioria nas próximas eleições de 3 de dezembro, afirmando que quando chegar ao terceiro ano, ou seja, à metade do próximo mandato irá convocar, com base na Constituição, um referendo popular que terá duas perguntas básicas: a primeira – você está de acordo que o presidente Chávez continue sendo presidente da Venezuela? Sim ou não?; a segunda – se a sua resposta anterior for positiva, você está de acordo que Hugo Chávez possa concorrer a outro período? Sim ou não?.



A idéia subjacente a essa proposta é que de janeiro de 2007 a dezembro de 2020 serão 14 anos para estender a revolução bolivariana a todos os espaços sociais e geográficos a fim de que o país venha a se constituir em república socialista bolivariana em toda a sua dimensão, para que haja uma verdadeira igualdade, liberdade plena, democracia profunda, democracia popular, democracia participativa e democracia em que o povo seja o protagonista.



Adiantou ainda o presidente Chávez que em seu próximo período presidencial serão desenvolvidas sete linhas estratégicas:



1. nova ética socialista – “sem moral socialista não há revolução socialista. Devemos realçar os valores do ser humano, aprofundando os autênticos valores revolucionários. Deixar de lado as ambições materialistas de riqueza e apenas sermos úteis”;
2. modelo produtivo socialista, economia socialista;
3.  Democracia revolucionária  como protagonista;
4. Poder do povo como máximo poder (“que o poder do povo seja o máximo poder da república, aferido de acordo com as normas constitucionais e democráticas”.);
5. Nova geopolítica nacional, desenvolvimento desconcentrado das cidades e do campo;
6. Nova geopolítica internacional, um mundo pluripolar (“um mundo equilibrado que já desponta no horizonte”);
7. Venezuela potência energética mundial.



O que o presidente Chávez está propondo claramente à população venezuelana é um “choque de socialismo”, parodiando uma expressão tão a gosto dos neo-neoliberais de “choque de capitalismo”. Em 3 de dezembro, portanto, o povo ao votar saberá exatamente o que pretende para o futuro de sua nação.



Exemplo histórico
Analistas políticos e juristas saíram a campo para acoimar a proposta de reeleição indefinida como “antidemocrática e totalitária” que viola o princípio da alternância no poder. Ora, esquecem-se que nos próprios Estados Unidos, visto por eles como modelo secular de democracia formal, havia a reeleição indefinida o que levou Franklin Roosevelt a ser eleito e reeleito em 1932, 1936, 1940 e 1944. E se sua vida não tivesse sido ceifada em abril de 1945, aos 64 anos, provavelmente seria reeleito por mais 2 ou 3 mandatos, tal era a sua popularidade. A pedra angular da democracia, no entanto, é a soberania popular, expressa no conceito de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Não por outro motivo que o mundo hispanofalante ao se referir ao povo exercendo seu direito chama-o de soberano.



O “choque de socialismo” irá certamente contrariar interesses angulares de parcelas da sociedade, que se movem por conceitos, idéias, comportamento e valores próprios do que se conhece no mundo moderno por neoliberalismo. Ora, o “choque de capitalismo” não contraria também interesses fundamentais de outras parcelas da sociedade? Como exemplo, uma grande corporação, diante de dificuldades reais, fruto de má gestão ou da concorrência, ou de simples decisão administrativa para manter os seus níveis de lucratividade, resolve como primeira medida – é sempre a primeira medida – inclemente, ceifar de uma vez milhares de postos de trabalho, jogando seus trabalhadores na rua da amargura. São interesses de classe contraditórios, conflitantes, que num dado momento histórico, em condições objetivas e subjetivas maduras, levam inexoravelmente ao confronto. Basta olhar ao nosso redor. A oligarquia e os velhos e novos setores dominantes da Bolívia, bem como os seus porta-vozes não aceitam que um líder indígena nascido das lutas populares, legitimamente eleito pela maioria absoluta do seu povo, governe o país atendendo aos anseios básicos dos de baixo. Vendo seus privilégios e poder ameaçados tramam agora sua derrubada. A democracia para essa gente, que enche a boca para dela falar, só vale quando está a serviço de sua ideologia. Se não, manda a democracia às favas, arquiteta e prega o golpe com a maior sem-cerimônia.



De que socialismo, Hugo Chávez está falando?  De um socialismo do século 21 ainda a ser teórica e praticamente construído. Lições da história do século 20 a serem aprendidas, respeito à história, cultura política e tradições de cada nação, mas também leis gerais como as tem o capitalismo. É uma discussão que começa a ganhar mentes e corações, porque, especialmente em nossa região, duas décadas de neo-liberalismo e seus ditames, levaram ao agravamento das condições de vida, à extensão da pobreza e do desemprego, ao endividamento externo e interno.



Condições específicas da Venezuela levaram-na a assumir a dianteira nessa questão.Logo após o golpe de Estado de abril de 2002, ainda na noite de seu retorno ao palácio presidencial, Chávez propôs aos seus adversários e partidos políticos não golpistas e ao empresariado o que na ocasião chamou de ‘retificación’: um grande acordo político com o fim de facilitar o avanço das reformas e das medidas públicas previstas na constituição e no programa de governo. Essa trégua se constituiu no ‘cria cuervos’e permitiu que as forças de oposição se reorganizassem para em dezembro do mesmo ano desencadearem a grande paralisação da indústria petroleira, com atos de sabotagem, a fim de criar o desabastecimento, o caos e a desestabilização para desta vez tornar o golpe vitorioso. Muito parecido com o Chile de Allende, até pelo dedo logístico e político de Washington.



Lição aprendida o que levou o governo de Chávez a acirrar a disputa, especialmente depois de sua vitória no referendo de agosto de 2004, no plano interno contra as forças sociais representadas pelos partidos tradicionais e no plano externo, em defesa de sua soberania e autodeterminação, contra o governo Bush.



Dentro desse quadro geral, as eleições presidenciais de 3 de dezembro na Venezuela, face a polarização política lá reinante, são cruciais para o futuro desenvolvimento político, econômico e social em nosso continente.

* Max Altman é jornalista.