Artigo: A juventude e a ''Campanha do Pacto MTV''

Está no ar a ''Campanha do Pacto MTV sobre as eleições: prepare ovos, tomates e, principalmente, a pontaria'', com críticas aos políticos em geral, ao governo e à oposição. É interessante como ela está suscitando um instigante debate na imprensa e entr

Juventude e eleições: para além dos ovos e tomates


 


Por Regina Novaes *


 


Está no ar a Campanha do Pacto MTV sobre as eleições: prepare ovos, tomates e, principalmente, a pontaria. A pontaria da Campanha atinge os políticos em geral: do governo e da oposição. Esta crítica generalizada seria para induzir o voto nulo? Mas, que segmento da juventude se deixaria induzir? Quais deles compartilhariam dos pressupostos da Campanha? Afinal qual seria o público alvo da Campanha? Estes são alguns pontos que estão suscitando um instigante debate na própria imprensa e entre grupos de jovens. O que deve ser muito bom para os objetivos publicitários da MTV. O que também pode ser muito bom para a reflexão sobre a diversidade da juventude atual e sobre a chamada ''linguagem jovem''. Vamos por partes.


 


Um dos detonadores do debate foi uma carta à imprensa. E esta carta tem uma história. A Campanha Ovos e Tomates esteve na pauta, em julho, na última reunião do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), composto por 20 membros do poder público e outros 40 da sociedade civil. Depois de ouvir as opiniões de muitos dos presentes, o Conselho resolveu não formalizar nenhuma apreciação sobre a Campanha. Naquele momento, valeu o argumento da cautela. Sendo o Conselho um órgão de Estado, ligado à Secretaria Nacional de Juventude, que faz parte da Secretaria-Geral da Presidência da República, qualquer apreciação poderia ser lida como algum tipo de censura ou, até mesmo, entendida como expressão de interesse eleitoral imediato.


 


Contudo, os conselheiros da sociedade civil presentes na reunião acharam por bem fazer uma carta à MTV e à imprensa. Nesta carta não há nenhuma afirmação que a Campanha da MTV seja um libelo ao voto nulo. Nela não há nenhum pedido para que a Campanha seja tirada do ar. Ao contrário, reconhece-se que a emissora pode tratar o tema como bem quiser e, para tanto, usar recursos publicitários que desejar. Os signatários apenas manifestam a preocupação com a veemência da mensagem veiculada, que condena, a priori, o processo eleitoral. Ao mesmo tempo, solicita-se que o tema ''juventude e eleições'' entre para valer – com toda sua controvertida riqueza – nas pautas dos meios de comunicação que têm uma função pública a cumprir.


 


Claro que a referida carta só foi divulgada na íntegra nos sites de organizações não-governamentais (ONGs) ou de grupos políticos. Com os cuidados com que foi escrita, ficou muito extensa e pouco espetacular para ser divulgada na íntegra pela grande imprensa. Mas, foi bastante citada. Algumas matérias jornalísticas compreenderam bem seu objetivo e entraram no debate trazendo novos pontos de vista. Mas, também houve outras reações que, fragmentando a ''Carta do Conselho'', revelaram vários (pre) conceitos vigentes sobre os espaços de participação dos jovens de hoje. Assim sendo, das entrelinhas surgiram veredictos contra a iniciativa. Assinada pelo movimento estudantil, pela UNE, a carta só poderia ser autoritária ou, no mínimo, paranóica? Assinada por ONGs, expressaria a chatice das ''campanhas cidadãs'' em oposição à sofisticação publicitária da MTV – reconhecido laboratório da linguagem televisiva jovem? Os signatários são conservadores, se não fossem como poderiam criticar a MTV que em sua programação tanto tem contribuído para derrubar tabus morais e preconceitos raciais? Tais questões não são banais, é verdade. Mas, para debatê-las, é preciso ultrapassar nosso estoque corrente de classificações e adjetivos. É preciso conhecer mais o que se passa com a ''juventude de hoje'' e, se possível, se deixar surpreender.


 


Enquanto projetamos sobre a juventude o desencanto com as eleições atuais, presente em uma parcela da sociedade brasileira, as informações sobre o alistamento eleitoral, divulgadas recentemente pelo TSE mostram um aumento de 39%, em relação a 2002, do número de eleitores de 16 e 17 anos, faixa etária em que o voto é facultativo. Foi nesta faixa etária o maior crescimento proporcional de eleitores. Certamente estes números não falam por si, mas eles são no mínimo intrigantes (e fornecem uma pauta e tanto para meios de comunicação). Com a mesma indagação na cabeça, vale citar a pesquisa Juventudes Brasileiras, recentemente divulgada pela Unesco, que revela que 68,8% dos jovens de 15 a 29 anos acreditam que o voto pode mudar a situação do país e que 66,6% deles afirmaram não ser aceitável não votar nas eleições.


 


Por outro lado, a despeito das estatísticas que buscam dar conta do todo, há muita informação qualitativa disponível. São múltiplas as experiências de participação juvenil existentes no Brasil. Não se pode pensar nos grêmios estudantis, nos centros acadêmicos, nas juventudes partidárias e sindicais de hoje com os olhos de décadas atrás. Hoje – distinguindo-se e/ou identificando-se com aqueles espaços usuais da política – há posses de Hip-Hop, há jovens reunidos em diferentes tipos de ONGs e em movimentos sociais específicos. Redes de jovens mulheres, da juventude negra e indígena, de jovens rurais, de jovens pela livre orientação sexual, de jovens com deficiência atuam buscando inscrever seus direitos em diferentes espaços. A Rede dos Jovens do Nordeste, que há anos tem feito uma campanha pelo voto consciente, se organiza através do recorte regional. Grupos culturais, religiosos e esportivos também fazem parte de um cardápio amplo e plural. Mas, há momentos em que as fronteiras (sociais e identitárias) existentes entre eles se suspendem produzindo combinações inéditas e desafiantes interlocuções. Alguns destes momentos surgem e ecoam no interior do Conselho Nacional de Juventude, onde se busca valorizar as diferentes formas de participação juvenil.


 


De fato, são múltiplas as expectativas da juventude brasileira. O convite é para que se conheça mais sobre as criativas e pouco divulgadas experiências em curso. Conhecendo, fica difícil dizer, a priori, que estes grupos não estejam produzindo em uma ''linguagem jovem'', a não ser que se considere que tal linguagem seja monopólio de alguém ou de algum canal.


 


Para terminar, vale citar uma pesquisa realizada sob a coordenação do Ibase e Polis, em conjunto com outras ONGs, em sete regiões metropolitanas brasileiras. Nesta pesquisa, amplamente divulgada, a grande maioria dos jovens entrevistados diz desacreditar dos políticos, mas acreditar na política e dela querer participar. Esta última frase pode parecer um mero jogo de palavras ou um enigma. Mas, pode ser vista também como um convite dos jovens para que não se economize reflexão e para que faça um debate que possa resgatar o sentido mais profundo da política. Para além dos ovos, tomates e eleições.


 


* Regina Novaes é antropóloga, secretária nacional adjunta de Juventude e presidente do Conselho Nacional de Juventude.


 


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