A reunião do G-20 e a luta por uma nova ordem internacional

Por Ronaldo Carmona*
A reunião do G-20 (1), nesse fim de semana no Rio de Janeiro – o primeiro encontro de um grupo de países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde o colapso das negociações da Rodada de Doha em julho último –, teve um

Primeiro, porque enviou uma mensagem ao mundo, na forma de uma declaração,(2), assinada por todas as coalizões dos países em desenvolvimento,(3) que defende que o comércio internacional tenha como centro a garantia de possibilidades de desenvolvimento, pelo que, os paises ricos, “devem demonstrar sua disposição de implementar medidas que eliminem distorções no comercio e promovam a abertura significativa de seus mercados”.



É certo que a correlação de forças no mundo segue marcada pela hegemonia das idéias neoliberais, a despeito de seu desgaste. Identificar essa realidade, no entanto, não pode dar margem para passividade e acomodação: os países em desenvolvimento devem sim lutar, numa resistência ativa, por uma nova ordem mundial, contra o atual estado de coisas no mundo.



A segunda questão que se depreende da reunião do Rio é que, a despeito da posição do mundo em desenvolvimento por retomar a Rodada tendo como centro o desenvolvimento, as causas do colapso persistem e a morte definitiva da Rodada de Doha é o desfecho mais provável dessa persistência. Afinal, se a Rodada for retomada, seu bom termo não será possível, uma vez que não se pode esperar mais do que pequenas concessões dos países ricos a troco de pesadas novas concessões e novas restrições à autonomia para a promoção de políticas nacionais de desenvolvimento. O motivo é o mesmo que gerou o colapso das negociações em julho: os países ricos não tem interesse em alterar o atual estado de coisas na ordem econômica internacional. Agem para prolongar no tempo a atual divisão internacional do trabalho, baseada na assimetria norte-sul, centro-periferia – conceitos ainda bastante atuais –, e mesmo por aprofundá-la, no que é o programa da globalização neoliberal (4), a despeito do crescimento da resistência em todos as partes do mundo.



O colapso da Rodada de Doha, em si, é um freio, ao menos parcial, ao programa livrecambista radical da globalização neoliberal. Esse freio, só foi possível graças à organização dos países em desenvolvimento em coalizões como o G-20, fato inédito na historia do sistema internacional de comércio surgido no pós-guerra com a ordem de Bretton Woods. Em todas as oito Rodadas de negociações comerciais no após-guerra o desfecho sempre foi o mesmo: os países ricos impondo sua agenda de liberalização ao mundo em desenvolvimento. Desde o G-20, as coisas começaram a ficar diferentes.



Diante desse impasse, o que se coloca na ordem do dia é o debate sobre as alternativas para os países em desenvolvimento diante dessa expectativa de manutenção por mais um período histórico do atual status quo da ordem econômica internacional. É intenso esse debate entre as forças progressistas no mundo, seja no plano das nações, seja no plano dos movimentos sociais.



Nesta semana mais dois eventos terão esses debates no centro de sua agenda. Em Brasília, ocorre a primeira reunião dos chefes de Estado do Ibas, coalizão entre três grandes países em desenvolvimento, Índia, Brasil e África do Sul. A outra,  em Havana, Cuba, é a 14ª Conferencia do Movimento dos Países Não-Alinhados, com a participação de mais de uma centena de países e dezenas de chefes de Estado, que deve aprovar uma avançada declaração final. Trata-se de uma tentativa positiva de relançar os Não-Alinhados, num outro contexto, de um mundo unipolar, distinto de seu auge na época da guerra fria. Mais sucesso terá nessa empreitada quanto mais buscar atualizar os preceitos que motivaram sua criação na histórica Conferencia de Bandung em 1955, que em linhas gerais permanecem atuais, em especial a luta por uma nova ordem internacional.



O Brasil, no geral, tem sido protagonista neste debate, com posições avançadas, progressistas, sob o governo Lula. Barrou a Alca, relançou o Mercosul e articulou os países em desenvolvimento através do G-20. No próximo período é preciso aprofundar esses movimentos, na linha do que propõe o Programa de Governo 2007-2010, recém lançado. Nessa luta, de nítido caráter antineoliberal e antiimperialista, o Brasil pode seguir jogando papel destacado, até pelo seu peso geopolítico.



* Da Comissão de Relações Internacionais do Comitê Central do PCdoB.



Notas



(1)   O G-20 é um grupo de países em desenvolvimento formado na Conferencia Ministerial da OMC em Cancun, em 2003, em reação à tentativa de imposição de uma agenda ultraneoliberal dos países ricos. Liderado por Brasil e Índia, e composto por países como China, África do Sul, Cuba e Venezuela, defende a abertura dos mercados agrícolas dos paises ricos à produção agrícola do mundo em desenvolvimento e o fim dos bilionários subsídios que distorcem o comercio agrícola no mundo, prejudicando milhões de agricultores pobres em todo o planeta.



(2)   Ver a íntegra em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=7303



(3)   O próprio G-20; o G-33, que defende a pequena agricultura familiar dos países em desenvolvimento; os paises ACP (África, Caribe e Pacifico), ex-colônias européias que defendem a manutenção de preferências tarifarias em suas exportações à ex-metrópole; os PMDRs (Paises de Menor Desenvolvimento Relativo), as nações mais pobres do mundo; o Grupo Africano, composto pelos membros africanos da OMC; o Grupo das Economias Pequenas e Vulneráveis; o Grupo C-4 (quatro países produtores de Cotton, algodão em inglês, daí C-4); e o Nama-11, Grupo de nações – incluindo o Brasil – que defende que as negociações industriais na OMC resguardem o direito ao desenvolvimento industrial dos países em desenvolvimento.



(4) Conforme buscamos argumentar quando do anuncio da suspensão das negociações em julho, em “Paises ricos atuam para prolongar atual ordem internacional”, disponível em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=5664