FHC revolta tucanos e abre nova crise na campanha de Alckmin

Mal-estar generalizado no ninho tucano. A ''Carta aos eleitores do PSDB'', escrita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e divulgada na quinta-feira (07/9), azedou ainda mais os bastidores da campanha presidencial de Geraldo Alckmin. Nem mesmo a mí

O insucesso foi tão grande que, se a carta quis ''dar luzes'' à corrida eleitoral, provocou o efeito contrário: jogou mais sombras sobre a já debilitada imagem de seu autor. Para quem já disse, levianamente, que ''a ética do PT é roubar'', nenhum dos vitupérios contra o governo Lula merece muita credibilidade. O problema é que os principais incomodados da hora são os coordenadores da campanha presidencial tucana.


 


Sem consultar ninguém do partido, FHC criticou a gestão Alckmin à frente do governo paulista, sobretudo na área de segurança pública. Qualificou como ''fracasso'' o processo de privatização do setor elétrico. São duas críticas corretas e, mais do que isso, baseadas em colapsos visíveis a olho nu. Surgem, porém, tardiamente para a opinião pública. Soam hipócritas, como se FHC usasse o artifício da humildade e da autocrítica para ostentar credibilidade. Não funcionou.


 


A coordenação da campanha Alckmin se decepcionou com a carta, recebida como um golpe traiçoeiro. Segundo a Folha de S.Paulo, Alckmin e correligionários acusam FHC de dar como encerradas as eleições 2006, com vitória sacramentada de Lula. Partindo desse pressuposto, a carta ''aponta para o cenário político pós-2006 e, nas entrelinhas, rifa o tucano da disputa presidencial em curso''.


 


Para o comando da campanha, o ex-presidente usou a cena eleitoral apenas para mandar um recado interno: ele, FHC, não quer perder o prestígio dentro do partido, embora com um desempenho em 2006 que não pára de desgastar sua liderança. Mais: fez jogo de cena para reaparecer nas manchetes de jornal e na cena pública, à base de afirmações polêmicas e desagradáveis sobre seu partido.


 


''Deslealdade partidária''
Mais incisivo na reação, o senador de Minas Gerais e ex-presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, considerou a carta ''inoportuna, injusta e incorreta''. Em 1998, quando era candidato ao governo mineiro, Azeredo recorreu ao expediente do caixa dois, usou recursos públicos em campanha e recebeu doações do empresário Marcos Valério.


 


Ao mencionar o escândalo na carta, FHC assume que o PSDB mentiu. ''Erramos (…) quando quisemos tapar o sol com a peneira (…). Calamos muito tempo e sequer dissemos o que sabemos: entre os responsáveis pelas finanças de campanha do então governador estava seu vice''. Azeredo não perdoou: ''O momento é de fazer o que estou fazendo: pedindo votos no interior de Minas, mesmo sem ser candidato. O momento não é de ficar fazendo crítica ou de ficar fazendo análise'', cutucou.


 


Para o senador, ''a nota foi inoportuna porque vem criar cizânia no momento em que há necessidade de união. Ela foi injusta porque eu sou um fundador do partido que sempre fui muito leal com o partido. E foi incorreta porque diz que poderia ter havido uma tentativa de tapar o sol com a peneira quando eu considero o contrário''.


 


A crítica atinge até o caráter de FHC: ''Ele realmente nunca se pronunciou sobre essa questão. Se ele pensava que eu deveria ter outro tipo de posição, no mínimo ele deveria ter falado''. Azeredo pôs em xeque a postura do ex-presidente como membro de uma sigla, acusando-o de ter cometido ''uma deslealdade partidária''. E o senador questiona ainda a falta de empenho de FHC. ''Eu estou aqui no interior (fazendo campanha). E Fernando Henrique está aonde? Eu não sei.''


 


Abalo
O jornal O Globo foi mais categórico ao noticiar a repercussão da carta de FHC entre os tucanos. Em matéria intitulada ''FH abala campanha Alckmin'', o periódico carioca relata que muitos dirigentes demonstraram verdadeira irritação com a nota do ex-presidente. ''Nos bastidores, tucanos admitiram que foram pegos de surpresa'' e afirmam que a carta ''não ajuda em nada o PSDB nesta reta final''.


 


O presidente do partido, Tasso Jereissati, tentou apagar o incêndio, mas cometeu ato falho ao dizer que a carta será logo esquecida. ''Amanhã, tudo estará em paz.'' Por que tanta pressa, se a carta de FHC, segundo Tasso, estaria adequada? E como fingir desprezo a uma carta que motivou o governador mineiro, Aécio Neves, e o coordenador da campanha de Alckmin, Sérgio Guerra, a telefonarem para Eduardo Azeredo, manifestando solidariedade?


 


Sobrou dissimilação também para o candidato a vice-presidente, José Jorge (PFL), que foi ministro de Minas e Energias durante o apagão. Co-responsável pelo que FHC chamou de ''fracasso'', ele preferiu ver só a parte suave do texto – as críticas a Lula. ''O que importa'', disse José Jorge, ''é o ponto central da carta, o chamamento à sociedade''.


 


Ironias pela mídia
A carta de FHC mereceu toda sorte de alfinetadas por parte de jornalistas, sobretudo em blogs. Ricardo Noblat confirma que o ex-presidente ''deixa a impressão de quem passa a borracha nesta campanha e tenta assumir o leme do PSDB no pós-campanha''. É luta de poder o que está em jogo.


 


Para Josias de Souza, FHC recorreu ao ''equilibrismo retórico'' e omitiu, em sua carta, que também já recebeu recursos da empresa de Marcos Valério. O jornalista cita matéria da Folha: ''A SMPB, agência publicitária da qual Marcos Valério Fernandes de Souza era sócio, doou R$ 50 mil à campanha de Fernando Henrique Cardoso à reeleição em 1998. Esse dinheiro não foi declarado na prestação de contas do candidato à Justiça.''


 


Luis Nassif enfatiza os três enfoques do ''destempero'' de FHC: ''nenhuma auto-crítica em relação ao seu governo; 'auto-crítica' em relação a erros de terceiros do PSDB; e 'fogo no palheiro' contra o governo Lula. Os dois primeiros são típicos FHC; o último é o novo FHC''. A opinião de Nassif é impiedosa: ''(FHC) não visa Lula, mas José Serra e Aécio Neves. Não visa fortalecer Geraldo Alckmin, mas puni-lo (faz a 'auto-crítica' na questão da segurança de São Paulo) por tê-lo esquecido''.


 


''No fundo'', escreve Nassif, ''a falta de discurso na campanha de Alckmin reflete a falta de definições do PSDB e o incômodo de ter sua imagem associada a um ex-presidente rejeitado por parcelas expressivas do eleitorado''.


 


Mino Carta foi outro jornalista a escrever sobre a carta. Em seu novo blog, ironiza: ''Fernando Henrique Cardoso vive dias agitados, quem sabe a vitória de Lula nas próximas eleições precipita seu enterro político''. O destaque de Mino vai para um trecho da nota, em que o ex-presidente diz condenar o mensalão: ''me ocorre a lembrança dos dias do debate parlamentar sobre a emenda constitucional da reeleição, que seria a dele mesmo, FHC, em 1998. Não foi aquela uma inovação, em matéria de compra de votos? É provável, contudo, que a taxa nunca tivesse sido tão salgada''.


 


E a Folha estilhaça FHC
Mas nenhum jornal da grande imprensa metralhou tanto FHC quanto a Folha – aliás, cabe frisar que o papelão do Estado de S. Paulo, que deu um espaço pífio à crise, dando a entender que a carta não merecia considerações relevantes. Em sua coluna deste sábado, Fernando Rodrigues decretou o fim de Fernando Henrique Cardoso. E lembrou os feitos do ex-presidente: ''Ao apontar o dedo para os 'companheiros' petistas hoje no governo, FHC parece ter se esquecido do loteamento que fez de seu ministério em 1997. Deu a Justiça para um jurista internacionalmente conhecido (sic), o goiano Iris Rezende. O Ministério dos Transportes foi para o gaúcho Eliseu Padilha. Ambos eram do PMDB. No Congresso, em troca, foi enterrada a CPI da compra de votos''.


 


O jornalista aproveita para esculhambar os parlamentares do bloco conservador. ''No início deste ano, tucanos e pefelistas aflitos abordavam jornalistas: 'E aí? Tem mais coisa?'. Preguiçosos. Sem ação. Esperavam que só a mídia investigasse. Tenham dó. Agora, essa carta de FHC falando até de 'carestia', expressão há muito fora de uso. O vocabulário antigo pode ser o prenúncio de uma fase nova para políticos antes influentes. Hoje parecem rumo a um estágio crepuscular''.


 


O articulista Marcelo Coelho poupa ainda menos FHC. ''Como ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso andava tendo nos últimos anos um desempenho entre regular e razoável'', inicia o texto. ''Mas FHC está deixando de ser ex-presidente para se tornar uma espécie de vice-candidato, e vão de mal a pior as suas atitudes nesse papel. À medida que a candidatura Alckmin foi-se encolhendo, Fernando Henrique entra em cena, com veemências constrangedoras''.


 


Coelho escancara as contradições do líder tucano. ''Começou lamentando a falta de um 'Carlos Lacerda' na atual conjuntura. Para alguém com o passado de esquerda de Fernando Henrique, a frase é um verdadeiro escândalo; um passo a mais, e ele estaria manifestando saudades de Castelo Branco e do regime militar''. E conclui: ''Não estamos mais no plano do 'esqueçam o que escrevi'; é do 'esqueçam quem eu fui' de que se trata''.


 


Por André Cintra,
da Redação, com agências