Altamiro Borges: ''As idéias neoliberais de Francisco Dornelles''

O deputado federal Francisco Dornelles, que agora postula a vaga ao Senado pelo Rio de Janeiro, é o que se poder chamar de um quadro orgânico da burguesia. Pragmático, serviu à ditadura militar, mas também ocupou funções de relevo na fase da ofensiva neol

por ALTAMIRO BORGES*


 


Nestes vários períodos da história recente, seja como constituinte, deputado ou ministro de FHC, Francisco Dornelles projetou-se como um fundamentalista do deus-mercado, adepto do “estado mínimo”, da total desregulamentação da economia e da globalização sob domínio da ditadura financeira.


 


A leitura de seus ensaios e discursos, disponíveis na sua página na internet, ajuda a entender porque goza de tanto prestígio junto à nata do empresariado e desmistifica a imagem de “defensor dos trabalhadores” que o atual candidato alardeia na disputa ao Senado. Dornelles sempre propugnou a redução do papel do Estado, com a transferência do patrimônio público para o setor privado. Foi um entusiasta do desastroso processo de privatização das estatais, imposto por FHC, e usou toda a sua verve para desqualificar os que se opunham à medida destrutiva. Num dos seus textos, ele esculhamba “a posição demagógica e atrasada de alguns grupos que não entendem que a atuação do Estado deve se restringir às suas funções básicas”.


 


Na sua concepção, a privatização acelerada seria o sinônimo de modernidade. “Os regimes fechados têm como corolário a concentração de poder que, no Brasil, se caracterizou pelo superdimensionamento do governo federal e pela redução da área de atuação do setor privado da economia”, garante, contrapondo-se a todo o esforço de construção do Estado nacional encabeçado por um parente distante, Getúlio Vargas. Para ele, a badalada globalização exigiria “a quebra dos monopólios, a desregulamentação da economia e a privatização das empresas estatais”. Numa linguagem tipicamente neoliberal, ele afirma que “o Estado é incompetente para administrar empresas” e deve ser enxugado ao máximo.


 


Servidores públicos na mira


 


Noutro texto ainda mais ideologizado, “Estado, economia e sociedade”, ele argumenta que “a posição estatista exerceu e ainda exerce grande atração sobre os espíritos deste século. Nutrido originalmente nas idéias políticas totalitárias formuladas no século passado, o estatismo cristalizou-se neste século em regimes opressivos, de esquerda e de direita, causando irreparáveis prejuízos à liberdade e as demais direitos da pessoa”. Para ele, a globalização faria com que as nações “se movam para o reconhecimento da liberdade econômica crescente e da privatização cada vez mais generalizada”. O objetivo, segundo ele defende, seria implodir o “Estado centralizador que impede o florescimento da economia de mercado”.


 


Bem ao estilo “caçador de marajá” de Collor de Mello, que satanizou os serviços e os servidores públicos, Dornelles não perde uma chance para defender a redução do funcionalismo e a terceirização dos serviços. Para ele, “o Estado centralizador tomba inevitavelmente no Estado burocrático, onde um corpo imenso e pesado de funcionários substitui o mercado… O Estado centralizador e burocrático significa, para a sociedade que paga a conta, uma estrutura gigantesca, de um culto social alto e perverso, impossível por isso mesmo de ser bem administrado. Está ai a raiz da enorme ineficiência do Estado-empresário”. Na sua longa trajetória política, ele sempre se colocou contra os direitos dos servidores públicos. 


 


Este visão neoliberal também fica patente em seus pronunciamentos favoráveis à reforma administrativa. “Defendo a tese de que tudo o que pode ser feito pelos Estados não deve ser feito pela União, o que pode ser feito pelos Municípios não deve ser feito pelos Estados, o que a iniciativa privada pode fazer não deve ser feito pela União, Estado e Municípios… Um grande esforço de terceirização deve ser empreendido. O Estado deve comprar tanto quanto possível os serviços do setor privado em vez de manter as pesadas e ineficazes máquinas prestadoras de serviço… Por último, deveria ser vedado o direito de greve para o funcionalismo público, visto que os direitos de estabilidade e de greve são antagônicos e incompatíveis”.


 


Advogado das grandes forturnas


 


Na ótica deste representante do patronato, o Estado deve ser mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital. Daí sua militância ativa pela redução dos tributos cobrados dos empresários, em especial contra a proposta do imposto sobre grandes fortunas. Num de seus textos, ele espinafra a “Constituição de 1988, que incluiu na competência privativa da União a previsão da instituição do imposto sobre as grandes fortunas… Pelas suas características próprias e seus elementos constitutivos, esse imposto poderá quando muito penalizar alguns ricos, mas não produzirá resultado alguma para melhorar a vida dos pobres”. Para ele, este tributo seria “um ente estranho”, que sobrecarregaria os abastados empresários.


 


Para o ultraliberal Francisco Dornelles, o mercado deve ser totalmente livre e a economia, completamente desregulamentada. Tanto que ele se contrapõe às medidas de proteção da soberania nacional, pregando a abertura das fronteiras e o tratamento privilegiado às corporações estrangeiras. No ensaio “Nacionalismo às avessas”, ele critica o anteprojeto de Constituição, apresentado no início dos trabalhos da Constituinte, em 1988, que propunha a inclusão de mecanismos de defesa da economia brasileira diante do enorme poderio das multinacionais. “No que concerne à definição de empresa nacional, o anteprojeto segue um caminho oposto ao que se vê hoje no mundo”, afirmou, na época, o apologista da globalização.


 


Com base nesta concepção, Francisco Dornelles se tornou um dos principais expoentes do neoliberalismo durante o triste reinado de FHC. Como ministro do Trabalho, apresentou vários projetos de flexibilização trabalhista e virou um inimigo declarado do sindicalismo. Com a vitória de Lula em 2002, o pragmático deputado ainda tentou manter alguma influência política no novo governo, defendendo uma aproximação do seu partido, o PP, uma organização fisiológica de direita, com o novo bloco no poder. Mesmo assim, ele nunca abandonou as suas idéias neoliberais e nem a defesa do seu maior promotor no Brasil, FHC. 


 


Bajulador do amigo FHC


 


Em outubro de 2003, diante da reação do ministro José Dirceu às declarações golpistas do ex-presidente, o subserviente parlamentar saiu imediatamente em sua defesa. “Entendo que o ministro José Dirceu, que tem história e tradição na defesa das liberdades democráticas, não pretende que o ex-presidente FHC, o mais democrata de todos os presidentes que o país conheceu e que, durante toda a sua gestão, respeitou plenamente o direito de crítica, seja cerceado no seu direito de emitir opinião sobre assuntos de natureza política e administrativa. Como ex-ministro de Estado do ex-presidente FHC, não poderia deixar de fazer estas observações às declarações do ilustre ministro-chefe da Casa Civil”. Haja bajulação e falsidade!


 


Em março de 2005, o deputado carioca novamente saiu em defesa de FHC diante das críticas formuladas pelo presidente Lula às práticas de corrupção no processo de privatização. “A honestidade, dignidade, honorabilidade e credibilidade do presidente Fernando Henrique, demonstradas em todos os postos que ocupou e ratificadas por todos aqueles que o conhecem, constituem um patrimônio não só de sua pessoa, como da própria história política do país… Quero reiterar ao presidente Fernando Henrique, de cuja administração tive o privilégio de participar, o meu maior respeito. O seu governo, pelas reformas que introduziu no Estado brasileiro, está esculpido no coração de todos os brasileiros como um dos períodos mais importantes da história política nacional”, afirmou o bajulador num discurso na Câmara Federal.


 


Na sua atual campanha para o Senado no Rio de Janeiro, Dornelles tem tentado esconder o seu passado. Nem sequer tem ocupado os holofotes na campanha pela televisão, repassando para terceiros a defesa de sua candidatura. Além de omitir sua trajetória, tem difundido a falsa idéia de que sempre defendeu os “mais carentes”. Num encontro recente com dirigentes da Social Democracia Sindical (SDS), ele teve o descaramento de afirmar que “no Senado, eu continuarei sendo um defensor intransigente do direito dos trabalhadores”. O marketing político, a exemplo do comercial, permite a venda de falsas mercadorias. O prazo de validade do produto, porém, esgota-se rapidamente para a decepção do desinformado eleitor.


 


Seria bem mais honesto se o candidato Francisco Dornelles apresentasse, abertamente, sua triste trajetória política – de servidor do regime militar a expoente do neoliberalismo – e se defendesse os seus inúmeros projetos de precarização do trabalho e as suas encarniçadas idéias neoliberais de privatização, redução do papel do Estado e abertura indiscriminada da economia nacional. Seria mais honesto se ele aparecesse ao lado do seu amigo FHC, que “está esculpido no coração de todos brasileiros” como um verdadeiro vende-pátria e devastador do trabalho. Mas FHC hoje tira votos e é mais oportuno esconder a história e as idéias.


 



*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor, junto com Marcio Pochmann, do livro “Era FHC: A regressão do trabalho”.


 


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