Mauro Santayana comenta sobre os oito dias de violência em SP

É direito de todos os brasileiros saber exatamente o que houve em São Paulo, durante o mês de maio. Sabe-se agora que, apenas nos oito dias da primeira batalha nas ruas, houve 493 mortos, de acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado. É preciso

por Mauro Santyana


 


É direito de todos os brasileiros saber exatamente o que houve em São Paulo, durante o mês de maio. Sabe-se agora que, apenas nos oito dias da primeira batalha nas ruas, houve 493 mortos, de acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado. É preciso saber quem eram esses mortos. Os médicos examinaram corpos recolhidos aos necrotérios, localizaram e contaram seus ferimentos. Falta saber como viviam essas pessoas, o que faziam, como e por que morreram, quem foram os matadores.


 


Não foram tiros acidentais: em cada corpo havia de três a seis disparos. Houve, assim, a intenção de matar, mas, paradoxalmente, nem todos os alvos foram identificados pelos matadores, uma vez que, em sua imensa maioria, os disparos partiram de longe. A dedução é a de que os executores atiraram a esmo, em grupos de pessoas reunidas por acaso, nas portas das casas, na frente dos bares, em qualquer lugar.


 


Alguns argumentam que, surpreendida pelos fatos, a polícia tenha reagido sem controle. Cabia-lhe dar uma resposta aos membros do PCC e, ao mesmo tempo, uma satisfação ao Estado e à população. Se havia mortos de um lado, era necessário que houvesse mortos do outro. Mas onde se encontrava o outro lado? Era quase impossível identificar os que se moviam em carros roubados, em motos velozes, encapuzados, camuflados na escuridão da noite e nas vielas dos subúrbios. Por tudo isso, os cidadãos têm o direito de saber de quem são os mortos recolhidos aos necrotérios. É preciso que se lhes dêem nome, endereço, passado. Alguns, como se sabe, foram identificados. Segundo os familiares, nada tinham a ver com crimes ou criminosos. A fatalidade os colocou diante das balas.


 


Há muitos anos que as pessoas sensatas têm advertido para o agravamento da violência nas grandes cidades. Morre-se ao atravessar a rua, pela imperícia do motorista desatento ou estressado; morre-se no saguão de um banco, quando ocorrem os assaltos; morre-se quando as balas, nos tiroteios, desviam-se de seus alvos e atingem pessoas indefesas, muitas vezes crianças, muitas vezes idosos. Os policiais e os criminosos usam coletes protetores, portam armas poderosas, adestraram-se para o exercício frio da violência. Os outros, ou, seja, todos nós, devemos a vida à precária concessão das circunstâncias.


 


Tornou-se também lugar comum dizer que, na raiz desse tipo de violência, se encontram as causas sociais. Mas não é só o desemprego e as frustrações humanas que explicam o agravamento assustador da criminalidade. No caso de São Paulo há precedente apavorante, o do massacre dos prisioneiros do Carandiru. De um lado estavam os policiais, com suas armas de fogo; do outro, os presidiários. Talvez alguns poucos deles tivessem armas precárias em suas celas, mas a desproporção dos meios é inegável. A partir daquele momento, a sociedade deveria ter exigido do Estado a imediata reforma do sistema penal e da estrutura presidiária de São Paulo, a ser adaptada em todo o Brasil – e isso não houve. Já se passaram 14 anos do massacre de Carandiru, 12 dos quais sob o governo dos social-democratas em São Paulo. Houve bastante tempo para que a administração do Estado, que era intimamente ligada à Presidência da República até 2003, obtivesse reformas na legislação penal, e recursos para reestruturar o sistema presidiário. O governador Lembo não pode ser responsabilizado pelo que ocorreu em seus primeiros dias de interinidade.


 


Temos o direito à verdade. As famílias honradas de trabalhadores – dos policiais e das pessoas comuns – que tombaram naqueles oito dias de maio, esperam a reparação moral do Estado.



Fonte: Jornal do Brasil