Belluzzo: Com esse câmbio e esses juros, não dá para crescer

Economista não se surpreende com crescimento de 0,5% do PIB no 3º trimestre. Impulso poderia vir do investimento público, mas política de superávits primários altos, juros e sobrevalorização cambial são impeditivos.


 


Por Gilberto

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp, a pífia expansão de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, divulgada na quinta feira (31/8), não é surpresa. “Os dados anteriores já apontavam essa perda de ritmo no crescimento”, diz ele.


 


Nesta entrevista, o ex-chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia) fala de crescimento, câmbio e dívida pública.


 


Como o sr. vê o reduzido crescimento do PIB no segundo trimestre?
Era mais ou menos previsível que isso acontecesse, e os dados anteriores indicavam uma perda de ritmo no crescimento. A taxa de investimento já apontava esse declínio, e as exportações líquidas acabam não impulsionando a economia. Ao longo do ano, a economia cresceu pouco. A indústria de transformação e a indústria de bens de capital, por exemplo, que têm conexões grandes com o restante da economia, não crescem. Essas cadeias interligadas estão funcionando abaixo da média. O nível de investimento público é muito baixo e está concentrado em infra-estrutura. Se fosse alto, geraria empregos em uma longa cadeia. Se olharmos os países que crescem – e neste caso, sempre falamos da China -, veremos que o impulso não é dado pelo investimento privado, mas pelos gastos públicos em estradas, energia elétrica etc. O Brasil tem sua política de investimentos bloqueada pela dívida pública extremamente elevada, pela taxa de juros altíssima e pelo superávit primário. Esses são sorvedouros de recursos que impedem o desenvolvimento.


 


A imprensa diz existir uma gastança do governo. É verdade?
Dizem que os gastos correntes comprometem o crescimento. O problema é que os gastos correntes têm crescimento vegetativo e o PIB cresce pouco. O consumo das famílias não consegue segurar o impulso. É um cenário muito distinto do consumo das famílias nos Estados Unidos, que segura o crescimento do PIB. Lá há um delírio, pois há um ciclo de crédito fortíssimo, que não ocorre aqui. Estamos muito longe do padrão dos Estados Unidos, pois o consumo aqui é muito modesto.


 


O senhor fala sempre da relação dívida/PIB. Mas a relação é muito pior na Itália, onde a dívida representa 106% do PIB.
A dívida italiana precisa ser vista de outra forma. É uma dívida no interior da União Européia, em euros, uma moeda com demanda e liquidez mais qualificadas. Isso gera uma situação muito diferente da dívida brasileira, que é em reais. A dívida em si não tem tanta importância. O problema é que ela não tem tanta liquidez quanto uma dívida em euro ou em dólar. Há o problema dos vencimentos também, que aqui não têm prazos tão favoráveis. Com uma taxa de juros real de 10% e um crescimento de 3%, pode-se fazer superávit e tudo, que a dívida não cai.


 


O governo apresentou há alguns dias indicadores favoráveis, como a elevação do salário real. Isso não deveria ajudar na elevação do PIB?
O fato de o salário real crescer tem mais a ver com a valorização cambial do que com crescimento do PIB. Com uma taxa de câmbio dessas não dá para crescer.


 


Que projeção podemos fazer para o crescimento anual do PIB?
Temos de esperar mais um pouco para ver se essa tendência de fraco crescimento se mantém, e se chegamos pelo menos a 3% de crescimento neste ano. Não é tão difícil mudar isso. Mas este debate pode ser realizado de maneira mais racional fora da época eleitoral.