Dornelles, deputado nota zero, agora quer ser senador

Por Altamiro Borges*
Na acirrada disputa para o Senado no Rio de Janeiro, Francisco Dornelles tem procurado esconder a sua história. No programa de rádio e TV, no seu site na internet e em atividades de campanha, o atual vice-presidente do PP, uma forç

A maquiagem na biografia pode ser flagrada na internet. O site de Dornelles (http://www.dornelles.com.br/) reproduz o texto do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, da Fundação Getúlio Vargas. Mas, marotamente, suprime seis parágrafos esclarecedores da respeitada publicação.



Dois parágrafos mostram por que o atual candidato durou menos de cinco meses como ministro da Fazenda do governo Sarney, em 1985. ''Dornelles preconizava a adoção de uma política centrada na elevação das taxas de juros e num rígido combate ao déficit público'', diz o Dicionário, e mostra ''os efeitos recessivos de tal orientação''. Diz que ''o receio do presidente Sarney de se comprometer com uma política econômica de orientação recessiva'' levou ''ao rápido isolamento'' e demissão do ministro.



Outros quatro parágrafos surrupiados do texto contam como Dornelles chegou a comandar um racha no seu partido (na época usando a sigla PPB) para defender a emenda constitucional da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Houve, segundo o Dicionário da FGV, ''uma acirrada disputa'' entre duas alas no partido: o de Paulo Maluf era contra a emenda, o de Dornelles, a favor. Na votação, em janeiro de 1997, o PPB rachou: 43 dos seus deputados, numa bancada de 87, seguiram Dornelles. E com isso garantiram o projeto de FHC, pois a emenda passou com 28 votos a mais que o mínimo necessário.



Se houvesse ''código de defesa do eleitor''…



Muitos eleitores pensariam duas vezes em votar num candidato que mutila a sua própria biografia durante a campanha eleitoral. Se existisse um “código de defesa do eleitor'', Dornelles já teria sido processado por tentar ludibriar a sociedade, vendendo imagens falsas.



Porém mesmo a biografia exposta na internet tem informações interessantes. Ali o candidato se apresenta para a sua principal base social, o empresariado, sem a maquiagem publicitária usada para iludir os eleitores mais incautos. Fica evidente que o atual deputado, nascido em Belo Horizonte em 1935, atua na política há muitos anos e que só ganhou projeção devido à notoriedade de Tancredo Neves (em 1961, quando este foi nomeado primeiro-ministro do governo parlamentarista de João Goulart, Dornelles tornou-se o seu secretário particular).



Quando do golpe militar, ele se encontrava na França e depois migrou para os EUA, onde se especializou em tributação em Harvard, centro do pensamento neoliberal. De volta ao Brasil, passou a contribuir com o governo militar, ocupando funções no Ministério da Fazenda. Em 1979, ele foi nomeado Secretário da Receita Federal pelo general João Figueiredo. Como revela a sua página, “com a consolidação do nome de Tancredo Neves como candidato do PMDB à presidência da República, realizou gestões no sentido de estabelecer canais de diálogo entre o candidato oposicionista e setores do governo e das forças armadas”. Vitorioso no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985, o novo presidente o nomeou ministro da Fazenda.



Na Constituinte, nota zero



Mantido na pasta após a morte de Tancredo Neves, Dornelles se orgulha de ter sido “enviado em missão no exterior com o objetivo de transmitir ao FMI a intenção de governo brasileiro de cumprir os acordos anteriormente firmados com relação à dívida externa do país”. Apesar de sua página não fazer qualquer referência, sua gestão no Ministério da Fazenda foi alvo de duras críticas do sindicalismo em decorrência de sua ortodoxia econômica. Em 1986, foi eleito deputado constituinte pela legenda do PFL, dando início a uma fase ainda mais marcada por suas posições neoliberais e contrárias aos direitos trabalhadores.



Conforme se vangloria na biografia, “na Constituinte votou contra o estabelecimento de limites ao direito de propriedade privada, a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, o limite de 12% ao ano para os juros reais, a limitação dos encargos da dívida externa, a possibilidade da desapropriação da propriedade produtiva”. Em síntese, defendeu intransigentemente os interesses do sistema financeiro e do capital estrangeiro. Já no que se refere aos direitos trabalhistas, ele foi um dos ícones da direita contra os trabalhadores. Tanto que recebeu nota zero do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), ou, mais exatamente, nota 0,75.



Segundo o livro do Diap intitulado Quem foi quem na Constituinte, Dornelles se omitiu nas votações mais polêmicas ou simplesmente votou contra todas as matérias de interesse dos trabalhadores. Ele disse sim à exigência da idade mínima da aposentadoria, ao redutor de até 30% no salário do servidor público e ao aumento do tempo de serviço do segurado do INSS.



O quinto pior entre 573 congressistas



Para se ter uma idéia, apenas quatro dos 573 constituintes tiraram notas mais baixas. Dornelles teve menos que um terço da média do seu partido na época, que tirou uma nota já vergonhosa, 2,38, a segunda pior depois do PDS, que teve média 2,32 (As médias mais altas foram do PCB, 10, PCdoB, 9,98, PT, 9,90, e PSB, 9,46).



Ao justificar a nota dada, o livro do Diap ainda fez uma síntese da sua atuação no conjunto da Constituinte. “Deputado de direita, adepto da economia de mercado, apoiou sem restrições as propostas neoliberais do governo federal para a ordem econômica. Um dos principais interlocutores do empresariado no Poder Legislativo”. 



Passada a Constituinte, Dornelles ainda investiu contra seus artigos mais avançados, pregando a urgência da sua revisão. “Para Dornelles, que considerava a Constituição detalhista e programática, produto típico das ‘pressões corporativas e ideológicas’, a revisão representava a oportunidade de limitar a abrangência do texto… Ressaltou a necessidade de se promover alterações de caráter liberalizante no capítulo referente à ordem econômica, entre os quais listava o fim do monopólio estatal sobre a exploração do petróleo e as telecomunicações, maior liberdade para atuação do capital estrangeiro e a diminuição do poder regulador do Estado sobre a economia”, diz o Dicionário da FGV.  Ele se torna um dos primeiros introdutores da idéias neoliberais no país.



''Ministro do Capital” de FHC



Com a posse de FHC, em janeiro de 1995, que dá novo impulso ao neoliberalismo no Brasil, Dornelles passa a ocupar funções de destaque no processo de desmonte do Estado e de flexibilização dos direitos trabalhistas. Em 1996, assume a pasta de ministro da Indústria, Comércio e Turismo. “Ao ser empossado, defendeu a desregulamentação da economia como forma de reduzir o chamado ‘custo Brasil’… Na mesma linha, propôs também a elaboração de um novo estatuto para as micro e pequenas empresas, o estimulo à privatização das empresas estatais e a redução dos impostos sobre exportações”, revela sua página. Nas eleições de 1998, ele levou o seu partido a apoiar o candidato do PFL, César Maia, ao governo estadual.



Reeleito deputado federal, Dornelles logo foi nomeado por FHC para o Ministério do Trabalho, função que ocupou até quase o final daquele fatídico segundo mandato. O cargo foi uma retribuição aos serviços prestados, como já vimos, à causa da reeleição presidencial.



Ofensiva geral contra os trabalhadores



Este período é considerado trágico para os trabalhadores. Como ministro, Dornelles promoveu uma cruzada contra a Justiça do Trabalho, impondo o rito sumaríssimo, a Comissão de Conciliação Prévia (CCP) e o fim do juiz classista – todas visando fragilizar a Justiça e dificultar o acesso dos trabalhadores. Ele também atacou o sindicalismo, propondo a redução do número de dirigentes sindicais e a proibição do desconto da contribuição assistencial. A sua investida mais fatal, a Proposta de Emenda Constitucional nº. 623, que impunha um selvagem pluralismo sindical, não vingou devido à resistência do sindicalismo.



O livro Era FHC: a regressão do trabalho, lista algumas das medidas impostas pelo ministro Dornelles sem qualquer diálogo com o sindicalismo. “Lei nº. 9.957, de 2000. Criou o ‘procedimento sumaríssimo’ nas ações judiciais com valor inferior a 40 salários mínimos; Lei nº. 9.958, de 2000. Criou as comissões paritárias de conciliação prévia, que inviabilizam a reclamação dos direitos; MP nº. 1.960, convertida na Lei nº. 10.206, de março de 2001. Proibiu a indexação salarial e a correção automática dos salários; MP nº. 2104, convertida na Lei nº. 10.208, de 2001. Introduziu a ‘possibilidade’ de o empregado doméstico receber FGTS e seguro-desemprego por opção do empregador; MP-2.197. Criou dispositivo que dificulta o acesso de advogados ao pagamento, em processo judicial, da dívida trabalhista relativa ao FGTS”.



A liberdade da forca contra o enforcado



Mas o objetivo maior do ''ministro do Capital” era extinguir todos os direitos trabalhistas. Em 2001, o Ministério do Trabalho apresentou o projeto de lei nº. 5.483 para alterar o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), impondo a chamada prevalência do negociado sobre o legislado.



O discurso foi dos mais hipócritas, com Dornelles afirmando que esta mudança garantia a conquista da livre negociação. Num cenário de defensiva dos trabalhadores, com a explosão do desemprego, esta alteração colocaria em perigo históricas conquistas dos assalariados, como o 13º salário, férias, descanso semanal remunerado e a irredutibilidade salarial. Seria a liberdade da forca contra o enforcado.
A PEC, porém, esbarrou na reação unitária do sindicalismo, que promoveu vários protestos e audiências em Brasília. Ela também gerou duras críticas no parlamento. “A proposta vai permitir a negociação de conquistas já consagradas na Constituição, como férias e FGTS. Em tempos difíceis, serão negociados os direitos dos trabalhadores”, denunciou o deputado Paulo Paim.



O governo chegou a gastar R$ 2,5 milhões numa ostensiva campanha publicitária para dirimir as resistências. Dornelles deu várias entrevistas para relativizar o impacto negativo da medida – que “não retira os direitos e fortalece a negociação”. Mas não adiantou. O projeto foi congelado e, mais recentemente, foi arquivado pelo governo Lula.



Suspeitas e fortuna



Durante sua prolongada trajetória política, sempre a serviço das forças mais conservadoras e entreguistas, Dornelles foi alvo de várias denúncias de uso irregular de suas funções. Uma que ficou famosa revelou os seus fortes vínculos com FHC. “Em 2001, o governo jogou pesado contra a criação da CPI para investigar denúncias de corrupção. Aliados foram ameaçados com corte de verba e de cargos na administração. Uma tropa de choque foi articulada para evitar a chamada CPI da Corrupção. O deputado Francisco Dornelles (PPB-RJ) pediu demissão do Ministério do Trabalho e reassumiu a sua cadeira na Câmara. Com isso, sua suplente, a deputada Alcione Athayde, que havia assinado o pedido de CPI, teve o nome retirado da lista”.



Já em meados de 2002, a mídia deu destaque às denúncias de desvios de dinheiro da Previdência Social. Segundo o jornal Correio Braziliense, de 17 de junho, “desde o fim do ano passado, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Ministério da Previdência investigam a rede de fraudes que, durante anos, sugou milhões dos cofres do INSS. Nas últimas três semanas, o Correio teve acesso a 20 depoimentos. Em seis deles, aparece com freqüência o nome do ex-ministro do Trabalho e deputado Francisco Dornelles”. Ele teria pressionado o superintendente do INSS no Rio de Janeiro, Jackson Luis, ex-secretário geral do PFL, e forçado a indicação de duas servidoras em postos de gerência no órgão – Maria do Carmo e Antônia Gezilda. “No fim de 1996, em apenas três meses, Maria do Carmo desviou R$ 4 milhões do órgão… Parte desse dinheiro foi repassada a assessores de Dornelles, principalmente para João Carlos Boechat”.



Na ocasião, o candidato à reeleição negou as denúncias – “tenho plena confiança no meu assessor” – e o caso foi abafado pela mídia. Se não há provas sobre o seu envolvimento em esquemas ilícitos, uma coisa é certa: Francisco Dornelles é hoje um dos políticos mais ricos do Brasil.


 


Conforme a declaração de bens apresentada à Justiça Federal, ele hoje conta com um patrimônio de R$ 5,127 milhões, que inclui ações em várias empresas e bancos, sete imóveis e seis automóveis. Não é para menos que sua campanha para o Senado do Rio de Janeiro é bilionária e não economiza recursos em cabos eleitorais profissionalizados, centenas de veículos e várias peças publicitárias. Apoiado entusiasticamente por banqueiros e poderosos industriais, ele apresentou à Justiça Eleitoral uma estimativa de gastos de R$ 6 milhões na sua campanha. 



* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)