François Ozon faz um dos filmes mais belos do ano

Confira a crítica de Cássio Starling Carlos para o novo filme de François Ozon, O Tempo que Resta, em cartaz a partir desta sexta-feira (25/8).

Ao ser criado, o cinema suplantou as tradicionais artes da representação (pintura, escultura e fotografia) ao capturar o movimento das pessoas, objetos e paisagens e assim avançar na reprodução realista do mundo. Junto do movimento, veio o tempo e, com ele, a idéia de que tudo se constrói mas também se destrói. Mais de cem anos depois, essa metafísica do tempo continua a dar belos frutos. Nas mãos de François Ozon, a indagação sobre seus efeitos transforma-se em um dos mais belos filmes do ano.


 


Sintético na duração (85 minutos), O Tempo que Resta narra o período na vida de um fotógrafo de moda arrogante quando descobre que sofre de um câncer letal e que terá poucos meses de vida. Como a personagem de Cleo de 5 às 7, de Agnès Varda, a má notícia impõe, mais que uma súbita revisão dos valores da personagem, uma alteração em seu mundo e em sua visão de mundo.


 


Cineasta irregular, Ozon tem o costume de partir de premissas estimulantes de roteiro, mas se perder em demonstrações, como em Swimming Pool, cuja excelência psicológica da primeira hora é desperdiçada em seguida. Ao contrário, O Tempo que Resta é um filme que cresce à medida que o personagem entra num beco sem saída. Sua psicologia, esboçada nas primeiras cenas, ganha em profundidade na razão dos encontros e desencontros que a presença da morte impõe. É assim que O Tempo evolui de mera reflexão existencialista para retomar outro tema freqüente em Ozon: o amor e suas razões.


 


Depuração
Pois é sob o signo do fim, mais uma vez, que o diretor retoma sua obsessão sobre a degradação dos sentimentos, exposto aqui na figura do amante, mas, sobretudo, na dimensão da família (pais, irmã e avó, presente na imagem sublime de Jeanne Moreau velha).


 


Não há ênfase no martírio nem romantização do personagem, pois o filme evolui como um processo quase abstrato de depuração das emoções. A dor avança gradualmente até alcançar um patamar de beleza que o diretor mantém sem recorrer a cacoetes de estilo. Em contraponto, predomina uma paixão física no filme, conduzida pela presença magnética de Melvil Poupaud, protagonista. Por meio dele, o corpo alcança o status do visível, forma essencial da representação no cinema. Trata-se de um corpo que sofre e no qual o espectador sente as forças minguarem.


 


Há, porém, ali uma vitalidade encarnada sob essa forma de transmissão mais conhecida de todas, esse intangível que denominamos amor.


 


Tanto a morte como o amor passam pelo corpo e é este que torna essas duas vivências visíveis, e tangíveis, no filme. Graças a essa atenção aos corpos, Ozon oferece uma das mais belas cenas de sexo do cinema, um “ménage-à-trois” filmado com uma sobriedade e um erotismo que produzem um enorme impacto no espectador.


 


Naquele momento, em que a morte se transforma em vida, em que o amor atua como a força que reúne, Ozon abandona sua concepção niilista e executa um hino ao tempo como o grande enigma que tudo move.


 


Por Cássio Starling Carlos