Valor Econômico: Não só as traições abalam Alckmin

Por Maria Inês Nassif
Não apenas os erros de campanha do candidato tucano, Geraldo Alckmin, e seu pequeno fôlego nas pesquisas de opinião, são responsáveis pela debandada dos apoios estaduais à sua candidatura. “Traição” é um termo que apenas pode ser

Alckmin é um político tradicional; o PSDB é um partido tradicional – isso sequer é monopólio deles, mas o tradicionalismo dificulta a percepção de que existem novos elementos no cenário político, e que a velha fórmula de unidade de forças de centro e direita, com os seus tentáculos nas políticas estaduais, não é mais suficiente para garantir uma candidatura no mínimo mais robusta do que a que o tucano ostenta hoje.



A tentação da ofensiva udenista



Existem os pecados próprios de Alckmin. José Serra, candidato nas eleições passadas contra o vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aprendeu que não se pode passar sobre o partido para garantir uma candidatura e uni-lo depois: o PSDB é uma agremiação pouco coesa e pouco orgânica. Serra foi traído; Alckmin está sendo. Alckmin, pelo seu perfil ideológico, levou um partido já empurrado para a direita, pela guinada à direita do PT, para uma posição mais conservadora ainda. Perde votos à esquerda para Heloísa Helena (P-Sol) e ao centro para o próprio Lula.



O candidato tucano faz uma campanha morna, para desespero dos seus aliados que defendem uma ofensiva udenista, mas não dá para saber se isso é um erro. Afinal, ataques diretos seriam desferidos contra um presidente que tem uma popularidade evidente – poderia ser o feitiço contra o feiticeiro.



Bolsa Família desintermediou voto pobre



Mas, para além dos erros estratégicos do candidato, existem outras variáveis que são externas à sua campanha e à sua postura política. O Brasil, sem dúvida, passou por um surto de modernização econômica a partir dos anos 90, que em algum momento entraria em conflito com uma política anacrônica. Embora não tenha tido efeitos sobre a distribuição de renda até neste governo – e ainda agora modestamente – essa modernização tem um componente cultural, na medida em que traz uma realidade diversa, pela televisão ou pelos meios eletrônicos, para uma população pobre antes isolada.



Dois programas simples, implantados diretamente pelo governo Lula, no entanto, foram fundamentais para desestabilizar as bases da política tradicional – ela historicamente resiste: passou por momentos de crise e voltou para onde sempre esteve, mas agora vive outra crise, das grandes. Um dos programas, o Bolsa Família, claramente desintermediou o voto da população pobre, que antes passava pelo chefe local – processo, aliás, facilitado pela urna eletrônica. Mas não se pode desprezar também uma mudança nas relações entre o governo federal e os municípios.



Ministério das Cidades muda relação



Quando foi criado o Ministério das Cidades, a impressão que se tinha era a de que seria uma mera compensação política ao ex-governador Olívio Dutra, do PT do Rio Grande do Sul. Mas a relação direta estabelecida com os prefeitos quebrou uma das lógicas mais importantes da política tradicional. Os prefeitos precisavam da mediação dos deputados federais e senadores para conseguir verbas federais. Essas verbas eram moeda de troca do governo federal, para obter apoio parlamentar; e o vínculo do prefeito com o deputado federal ou senador.



Não que isso tenha acabado: as emendas parlamentares ainda abrem muito espaço para isso, como mostra o escândalo das sanguessugas. Mas a mediação do político federal para obras de saneamento, habitação, regularização fundiária, planos diretores e transporte urbano, por exemplo, não é mais obrigatória. Isso ocorre num momento em que os governos estaduais não têm condições financeiras de atender demandas municipais, o que também torna mais tênues os vínculos entre os prefeitos e governadores.



Os prefeitos e o fator Bolsa Família



No passado, eram normais as debandadas de prefeitos para o partido do governador eleito, fosse ele quem fosse. Ser oposição municipal era um grande ônus para o administrador municipal e para a sua cidade. Não houve uma corrida ao PT, até porque o mote da relação do governo federal com os municípios é o de que ele não segrega adversários. Mas, desde o início do mês, nota-se um crescente número de apoios públicos de prefeitos de todos os partidos a Lula.



Eles não devem ser atribuídos apenas à desintermediação das relações entre governo federal e municípios: os prefeitos de regiões mais beneficiadas pelo Bolsa Família, por exemplo, estão mais próximos do seu eleitor e sentem maior pressão da popularidade de Lula. Mas, na certa, o afrouxamento das relações entre os dirigentes municipais e os políticos estaduais e federais deixam-nos menos sujeitos a represálias e pressões.



Tudo pela internet



A impessoalidade no trato aos prefeitos, no caso do Ministério das Cidades, conta agora a favor do governo Lula – no futuro, no entanto, pode ser assimilado como uma nova cultura de relacionamento entre unidades da Federação. Segundo o ministro Márcio Fortes, as cartas-convite são feitas pela internet – e pela internet é divulgada a pontuação dos municípios e a aceitação ou não dos projetos. Na internet são disponibilizados os manuais para cada programa. A Caixa Econômica Federal analisa os projetos, acompanha a execução e informa ao ministério. Hoje tem programas em todo o país, em prefeituras com administradores de todos os partidos – inclusive na cidade de São Paulo, administrada pelo PFL.



A mudança não foi a quantidade de dinheiro disponível para as cidades, mas o fato de o componente político no atendimento ao município ter sido minimizado.



Fonte: Valor Online; intertítulos do Vermelho