Aldo Rebelo: “É preciso quebrar resistências”

Em entrevista ao Correio Braziliense desta quinta-feira (24), o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), responde às denúncias que tem sido feitas nas últimas edições do jornal ''contra parlamentares da Casa, a partir das investigaçõ

“O Poder Legislativo tem que ser uma instituição acima da média da sociedade, pela responsabilidade que ele tem, pela expectativa que ele gera. Vamos fazer um esforço para que os atos do Legislativo sejam atos da mais absoluta transparência e de grande visibilidade para a população. E ter rigor no enfrentamento das suas deformações. Devo me apoiar na maioria dos deputados que não está envolvida nisso, não importa se são do governo ou da oposição”, afirma Aldo. 



 
Correio Braziliense – O que pode ser feito para moralizar as ocupações dos cargos de natureza especial na Câmara?
Aldo Rebelo – Pedi um programa de racionalização e redução de custos assim que assumi a presidência. E um recadastramento de todos esses cargos para tornar pública a lotação, a responsabilidade e a função de cada uma dessas pessoas. Mandei que a diretoria preparasse um projeto de resolução coibindo determinadas práticas que eu acho que dão origem ao abuso nesses cargos. Recomendei que nenhuma função dessa pode ser exercida fora de Brasília. Mesmo que o funcionário tenha que cumprir uma missão fora tem que ser por um termpo determinado, que não seja superior a cinco dias e nem superior a 30 dias no ano.


 


CB – É possível fiscalizar tantos cargos?
AR – É possível exercer o controle com a informação da presença, que não poderá ser dada por um superior. Tem que conferir a assinatura do funcionário que está na função. Também não será permitido ceder funcionários para outros órgãos. Os funcionários têm que trabalhar onde estão locados.


 


CB – Mas quando os CNEs foram criados a determinação era essa.
AR – O TCU (Tribunal de Contas da União) permitiu que eles fossem exercidos em outros estados. Houve uma consulta de parlamentar. Eu acho que não deveria ser exercida no estado. Para isso, tem os funcionários do gabinete do deputado. Com essas medidas e com o recadastramento, nós vamos poder coibir toda a forma de abuso. Também proponho, por projeto de resolução, proibir a contratação de parentes.


 


CB – A Câmara agora vai combater o nepotismo? O Judiciário levantou essa bandeira. Há críticas de que o Legislativo já deveria ter seguido a recomendação do Supremo Tribunal Federal, de demitir os parentes dos cargos.
AR – Exatamente. Será por meio desse projeto de resolução. Há também uma proposta de emenda à Constituição que trata desse assunto.


 


CB – O senhor tinha idéia de que havia servidores recebendo da Casa e trabalhando em campanha de ex-deputado, como ocorreu com Bernadete Vidal Firmino dos Santos? (A servidora mora em Limoeiro, Pernambuco, e deveria estar lotada na 4ª Secretaria da Mesa Diretora)
AR – Os órgãos da Casa são autônomos exatamente para assegurar a liberdade de ação. O presidente não tem como controlar a função e o exercício da atividade de um funcionário da liderança, de um partido. Isso seria do ponto de vista democrático questionável. Os partidos têm que ter autonomia, da mesma forma os integrantes da Mesa. A responsabilidade é naturalmente dos órgãos da Casa, que têm o funcionário sob sua responsabilidade.


 


CB – Uma das primeiras providências do seu antecessor (Severino Cavalcanti) foi mapear todos esses cargos para negociar voto. Esse mapeamento existe? Também houve negociação entre ele e o antecessor, deputado João Paulo Cunha. Não há nada formalizado nem organizado?
AR – Porque isso se foi feito, foi feito num processo de eleição da mesa, de composição. Eu fui eleito para um cargo que vagou porque o presidente renunciou, não houve portanto negociação, não houve composição. Eu não tinha como mexer e nem interferir nas funções que já estavam destinadas aos órgãos da Casa, as lideranças, aos integrantes da Mesa, a não ser quando o PSol recuperou o direito da liderança.


 


CB – Isso provocou desgaste com a deputada Luciana Genro, líder na época. Ela alega que não sabia que havia irregularidades na cessão desses cargos.
AR – Eu achei que não era o momento de se criar cargos. Por isso, cedi os CNEs. Ela não ficou com cargos para ela, mas sim para a liderança do partido.


 


CB – Cabe abertura de sindicância para apurar a responsabilidade pelas indicações e negociações desses cargos?
AR – A primeira medida é promover o recadastramento com a identificação, anotação, a função de cada servidor. Depois disso, vamos ter como apurar melhor não apenas quem trabalha, mas quem indica. Esses são servidores que já estavam nomeados, já estavam sob a responsabilidade de cada um desses órgãos. Acho que a única forma de se apurar é pelo recadastramento.


 


CB – Dois grandes escândalos dessa legislatura, o mensalão e a máfia dos sanguessugas, têm uma simbiose com o Executivo. O senhor acha que o arranjo institucional está errado?
AR – Há quem atribua a ausência de uma reforma política que valorize os partidos, que discipline, que aprove o financiamento público de campanha. Essas mudanças podem reduzir em 70% o que temos enfrentado. Eu creio que é possível também que os partidos cuidem melhor da escolha dos seus representantes porque a primeira eleição de um deputado não é a eleição a que ele é submetido no voto do eleitor. É dentro do partido dele, é numa convenção, numa prévia ali onde ele é escolhido.


 


CB – O fracasso da Câmara como instituição é o seu fracasso também. omo é que o senhor se sente nessa situação? De onde o senhor pretende tirar energia e tentar mudar esta situação?
AR – Eu tenho a convicção de que o Congresso é uma instituição importante para a democracia, não vejo que outra instituição ou pública, ou privada possa substituir o Congresso na sua função e na sua missão constitucional. Desempenho minha tarefa, que é a missão que me deram no sentido de preservar e defender essa instituição tendo como referência o interesse da população e o interesse do país. Creio que este esforço de recuperar a credibilidade do Congresso, de restaurar o papel da Câmara dos Deputados como representação do povo brasileiro, eu tenho que liderá-la. Mas não é só minha.


 


CB – Quais são as maiores resistências que existem? Além da comissão de orçamento, onde existem mais resistências? Na Mesa, por exemplo, existe resistência?
AR – O que propus até agora à Mesa foi aprovado. Naturalmente, essas coisas foram organizadas e essa cultura firmou-se dentro da Câmara porque houve quem ajudasse a construir, quem tivesse interesse nisso. Acho que é esse o tipo de resistência que precisa ser quebrada, porque existe uma resistência natural. Comparada com as outras instituições públicas e privadas, a Câmara ainda é a que tem maior transparência. Pode comparar a transparência e o acesso à informação da Câmara com o Tribunal de Contas, com o Ministério Público, com Receita Federal, com Judiciário, com Executivo. Pode comparar com qualquer instituição o grau de transparência e de acesso à informação que a Câmara oferece, mas para se afirmar e ter autoridade a Câmara precisa elevar isso ao paradigma.


 


CB – O senhor já entrou para a história como o primeiro comunista a ser o presidente da Câmara. Que prioridade o senhor estabelece nesse fim de mandato?
AR – Se cumprir esse programa de racionalização, de redução dos custos e de transparência, já deixo uma situação mais favorável para a próxima Mesa. Creio que a população terá mais confiança na Câmara dos Deputados se tiver a noção de que tem um controle maior sobre o seu funcionamento.


 


Fonte: Correio Braziliense