Gustavo Petta (UNE): Qual o futuro da reforma universitária?

Leia o artigo do presidente da UNE, Gustavo Petta, sobre os destinos da reforma universitária.

Reforma Universitária chega ao Congresso. E agora?


 


Por Gustavo Petta*


 


A chegada do Projeto de Lei 7200/06, que trata da reforma universitária, ao Congresso Nacional, iniciou, no âmbito legislativo, a disputa pelos rumos da educação superior no país. Ao longo do processo de discussão, formaram-se dois campos opostos. De um lado, os que entendem a educação como um bem público, defendem a regulamentação do setor educacional brasileiro e melhoras na educação pública. De outro, os que colocam e tratam a educação como uma mercadoria e são contrários a qualquer espécie de regulamentação que possa a vir acabar com os seus privilégios.


 


Esse embate surge de entendimentos contrapostos sobre a função da universidade. Há uma tensão entre empregadores (o mercado) e aqueles que vêem na Universidade o compromisso essencial de uma formação baseada na pesquisa e extensão. A lógica do mercado é a de uma aplicação direta e imediata dos conhecimentos fornecidos pela universidade, ou seja, há uma ânsia pela rápida formação especializada, em detrimento de um ensino sustentado em conhecimentos mais amplos, que provoquem a crítica e reflexão.


 


Público x Privado
A solução para essa tensão encontrada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso foi adequar as universidades públicas aos preceitos do mercado e abrir de maneira indiscriminada o setor educacional à iniciativa privada. Dessa forma, inverteu-se a lógica. As universidades passaram a formar mão-de-obra minimamente qualificada. Esse processo, regido pelo ideário neoliberal, resultou no sucateamento dos setores públicos e no boom de instituições de ensino superior privado, que na maioria dos casos não foi acompanhada pela qualidade de ensino, com mais investimentos em pesquisa e extensão.


 


Para se ter uma idéia, segundo o censo do MEC, em 1991 existiam 893 instituições de ensino superior no Brasil (56 federais, 82 estaduais, 84 municipais e 671 privadas). Em 2000, esse número passa para 1.180 instituições (61 federais, 61 estaduais, 54 municipais, 1004 privadas). Dessa forma, o número de matrículas no ensino superior acabou se concentrando, mais de 70%, no setor privado da educação e principalmente nas universidades comerciais.


 


O fato mais grave, além do arrefecimento do setor público, claramente expresso nos números, é que, em sua maioria, as universidades privadas surgidas pela tensão do mercado acabaram por adotar uma lógica regida pelos princípios do comércio. A educação passou a ser tratada como uma mercadoria, sofrendo pressões de demanda, diminuição de custos do “produto”, busca incessante pela otimização da “produção”; e o estudante passou a ser tratado como um mero consumidor, tendo que escolher no valor da mensalidade a pretensa qualidade do seu curso e, ainda, tendo que se amparar no código de defesa do consumidor para se defender dos abusos cometidos pelas universidades.


 


Reforma chega ao Congresso
Todo esse processo perdurou até 2002 quando, sob o governo Lula, o Ministério da Educação suspendeu o credenciamento de novas instituições e decidiu iniciar amplo debate, democrático e aberto, sobre os rumos do ensino superior. A discussão envolveu mais de 200 entidades, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), além das entidades estudantis, UNE e UBES.


 


Concluído o longo debate, após alguns engavetamentos e três versões do projeto, o governo entregou para o Congresso Nacional a tarefa de concluir uma mudança estrutural da universidade brasileira.


 


É fato que o projeto altera a estrutura vigente da Universidade. Declara a educação como um bem público, aprimora a autonomia, amplia as vagas e os investimentos na universidade pública -com destaque para a subvinculação de 75% do orçamento da educação para as universidades- e cria marcos regulatórios para o ensino privado. Além disso, determina critérios, exigências e prerrogativas para as universidades, centros universitários e faculdades, com regras de avaliação pelo Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior).


 


Estipula ainda a exigência de 50% de professores com mestrado e doutorado e regime de dedicação integral, em contraposição à exigência atual de 1/3 para obter ou manter o título de Universidade. Regula a entrada do capital estrangeiro -por entender o papel estratégico do setor-, a 30% do capital votante das instituições e reforça o papel social das Universidades através da exigência de Plano de Desenvolvimento Institucional.


 


É preciso avançar mais
Apesar dos inúmeros avanços em relação a atual situação, consideramos necessário alguns avanços. Registramos três: aumentar a proposta de 9% para 14% a verba para assistência estudantil, garantindo aos alunos condições adequadas de permanência na universidade; aprimorar a democracia nas instituições, com eleições diretas e conselhos de decisão paritários; e implementar regras rígidas para os reajustes das mensalidades, evitando os atuais abusos contra os estudantes.


 


Por todas essas medidas, desde a sua entrada no Congresso, em regime de urgência, o projeto vem sendo alvo de disputa entre os diversos setores da sociedade e a força do lobby do setor privado já é sentida. No total de 368 emendas apresentadas ao PL, mais de 300 emendas foram apresentadas pela iniciativa privada, no intuito de descaracterizar o projeto apresentado. Tal setor não imagina a possibilidade de ver todos os seus privilégios, concedidos pelo ex-ministro Paulo Renato, serem encerrados por essa reforma.


 


Entre avanços e ausências do projeto, agora é o momento de se intensificar o combate aos interesses mercantis que norteiam o lobby da iniciativa privada. Perdido o caráter de urgência, temos que insistir para que o projeto seja votado e garantir a sua aprovação com as mudanças necessárias e eficazes para a melhoria da educação superior do Brasil. Em momento de eleição, é hora de cobrar dos futuros deputados e de possíveis reeleitos, o compromisso com uma educação com caráter público, de qualidade e compromissada com o desenvolvimento de nossa nação.


 


* Gustavo Petta é estudante de jornalismo e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)