Alckmin flerta com a tática de bater; prós e contras

Por Bernardo Joffily
O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-PFL) escolheu este domingo (20) para azedar o tom do seu discurso oposicionista. Acusou Lula de trabalhar ''ao lado dos Waldomiros, dos mensalões, dos sanguessugas, dos valeriodutos'' e arremat

Em resposta aos números desfavoráveis de pesquisas anteriores, o candidato presidencial do bloco conservador sempre respondeu que a campanha começaria mesmo com o horário de TV. Agora, portanto, começou. E como os números se repetiram, e até pioraram um pouco, Alckmin se inclina para o oposicionismo agressivo.



''Essa praga da corrupção''…



''O Lula deu às costas para o povo, para a justiça, para os bons costumes. Trabalhou ao lado dos Waldomiros, dos mensalões, dos sanguessugas, dos valeriodutos. O Brasil não vai para frente com essa praga da corrupção'', atacou Alckmin, ao discursar  na Casa Verde, bairro da zona norte de São Paulo.



O presidenciável oposicionista disse também que Lula ''foi arrogante''. E voltou a insistir que  ''a campanha ainda nem começou'', apesar do horário na TV e dos exatas seis semanas que faltam para o 1º de outubro.



''Picolé de Chuchu'', um cerebral



Não se deve atribuir o novo tom ao destempero ou ao desespero com os números ingratos nas pesquisas, ou as infidelidades que se espalham nas hostes pefelistas e até tucanas. Pessoas que acompanham Geraldo Alckmin desde os tempos na Pindamonhangada natal dizem que mele não é disso. Pelo contrário. Se peca é por ser excessivamente cerebral e frio no cálculo, ''nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração'', nos versos do sambista, ou ''Picolé de Chuchu'', como resumiu o Macaco Simão.



Desde o início, cerebralmente, a campanha Geraldo Alckmin se debate entre duas vias possíveis mas excludentes entre si: bater ou não bater. O próprio candidato preferiu a segunda, mas neste domingo deu sinais de que pode abandoná-la pela primeira.



Os atrativos de bater



Esta tem defensores. E eles vão do prefeito pefelista do Rio de Janeiro, Cesar Maia, incansável nos conselhos de seu ''ex-blog'' (sic), até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje meio sumido, exceto por uma entrevista um tanto desesperançada, na edição que está nas bancas da revista Playboy (!).



A idéia tem seus atrativos para o bloco conservador. Consiste em fazer da campanha neleitoral, inclusive o programa de TV, uma continuidade da ofensiva oposicionista do ano passado, que acuou o governo com as denúncias do ''mensalão''. Desperta apoio e até entusiasmo, atestado nas pesquisas qualitativas, da chamada classe média para cima. Foi a tática que encostou Lula nas cordas, no fim do ano passado, quando as quantitativas chegaram a colocá-lo em desvantagem, diante de José Serra, e empate técnico no confronto com o próprio Alckmin.



O medo do ''classe contra classe''



A opção por bater possui contudo também contra-indicações. Não por acaso vinha sendo afastada até agora, ao menos em ligação direta com a figura do candidato.
Os fatores de risco também aparecem nas pesquisas, as quantitativas e sobretudo as qualitativas.



Lula figura nelas como fortemente identificados com certos segmentos do eleitorado — os pobres, os nordestinos, os trabalhadores assalariados estruturados enquanto classe. Não pode ser chamada de identificação emocional, poisse baseia em cálculos perfeitamente racionais sobre salários, empregos, preços, vagas universitárias, condições concretas de existência. Mas tem também a sua carga de emoção, em especial quando o debate na qualitativa envereda para as contradições entre ricos e pobres, povfão e elites.



Se uma Heloísa Helena bate em Lula, a mossa é pequena, para ele mas também para ela. Mas se a candidatura Geraldo Alckmin e o candidato Geraldo Alckmin batem em Lula, a mensagem será outra.



De uma parte da ''classe média'' para cima, ela poderá ser entendida como o honesto que bate no corrupto, ou o vigilante da ética que ataca o leniente com a ''roubalheira'' (para usar um termo do sociólogo Fernando Henrique''. Mas nos segmentos citados acima, há indícios de que será peercebida como o ataque do rico contra o pobre, do patrão contra o trabalhador, deles contra nós.  E os efeitos dessa percepção podem se projetar para muito além das urnas de 1º de outubro.



A previsão de Getúlio



Quem estuda a relação de Getúlio Vargas com os ''trabalhadores do Brasil'' — no poder ou no exílio de São Borja, acossado no ''mar de lama'', saindo da vida para entrar na história ou mesmo bem depois de morto e enterrado — pode ter uma idéia do quanto a tática de bater pode ser um eqüívoco estratégico.



Não por acaso  o presidente recorre com freqüência à analogia com Getúlio, sempre com a ressalva de que não vai se suicidar. E não por acaso já se viu em Lula a realização da célebre previsão getulista no discurso aos trabalhadores em 1º de Maio de 1954, “Hoje estais com o governo, amanhã sereis o governo”.



Duas gerações mais tarde, é provável que a grande maioria nem conheça a frase, tão envelhecida com suas duas segundas pessoas do plural. Mas o sentido de classe de ''ser governo'' é perfeitamente compreensível. E não irá longe o candidato que for interpretado como o porta-voz de uma revanche das elites.



A palha e o paiol: que venga el toro



Lula, intuitivo porém sagaz como poucos, calibra seu discurso exatamente nesta direção. ''Que ninguém nunca mais ouse duvidar da capacidade de governar do povo brasileiro e dos trabalhadores'', disse nesta sexta-feira, no Clube Atlético Juventus, São Paulo, para 5 mil sindicalistas.



''Meus adversários podem provocar e baixar o nível da campanha. Podem colocar quantas denúncias quiserem. Eu não moverei nenhuma palha contra eles, porque sei que vocês moverão o paiol inteiro contra eles'', explicou, domingo, o candidato à reeleição. E aí mostrou o seu jogo — que não é segredo para ninguém: nenhum ataque aos concorrentes, sejam eles candidatos, partidos ou coligações. Mas um discurso que sempre lembra, sublinha e grifa que este país tem trabalhadores, secularmente excluídos da política, para não falar do poder político, que o ocorrido em 2002 subverteu essa lógica, e, à sua maneira, deu certo.



Sim, há gente disposta a ''mover um paiol'' caso venham os ataques (e o ''caso'' cabe aqui, pois ainda não está claro se a fala alckmista de doingo representa mesmo uma inflexão). Que venga el toro.