Ubes, reorganizada há 25 anos, “é uma escola de democracia”

A Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) completa em outubro 25 anos de sua reorganização, após 12 anos de intervalo nos seus 58 anos de história, entre 1971 e 1983, devido à repressão da ditadura militar. No restante do período ditatoria, a

Na conversa, Apolinário convocou os estudantes a participarem mais ativamente na formulação de políticas públicas e terem uma atuação direta no desenvolvimento do país. Poluca, como é conhecido, defendeu o voto aos 16 anos, relembrou a luta na época da ditadura militar, analisou os principais momentos políticos e afirmou que os estudantes continuam mobilizados e atuantes.
“Dizem que os estudantes de hoje não são mais como os de antigamente. Mas são momentos diferentes e cabeças diferentes. Não dá para fazer uma comparação rigorosa. Além do mais, os movimentos sociais do Brasil não são movimentos retilíneos e uniformes. Os jovens de hoje podem ser até mais politizados do que os daquela época”, explica. Confira abaixo a íntegra da entrevista:



EstudanteNet: Quanto tempo a Ubes ficou ilegal? Qual foi o prejuízo para os estudantes nesse período?



Apolinário Rebelo: A Ubes foi fundada em 25 de julho de 1948 e ficou legalidade até 1º de abril de 1964, quando passou a funcionar na clandestinidade, após ter a sua sede no Rio de Janeiro, na Rua do Catete, número 132, queimada e destruída pela ditadura. A entidade permaneceu na ilegalidade até o início 1985, quando houve a posse do presidente [José] Sarney. Ele sancionou a lei de autoria do deputado Aldo Arantes que legalizou as entidades estudantis. Esse período de 21 anos de ilegalidade foi muito ruim para a democracia e para os estudantes, que ficaram sem representação e voz na sociedade e nas escolas. Foi muito ruim também para as lideranças estudantis, brutalmente perseguidas e, muitas delas, mortas.



A Ubes foi uma entidade fundamental para a democracia do país. Sempre foi importante neste aspecto, de mobilizar os jovens em defesa da melhoria do país, principalmente, no que diz respeito à educação. Mas também estávamos antenados com o debate político, o debate sobre a economia, porque sabíamos que, sem a participação política dos jovens, o país poderia ficar na estagnação.



Após 25 anos desde a reconstrução da entidade, qual sua avaliação sobre a Ubes hoje? Foi possível responder às demandas dos estudantes e da sociedade?
Sei que a atual diretoria tem condições e está fazendo o melhor para os estudantes. Tenho acompanhado, mas não tão de perto quanto deveria, porque hoje estou com várias outras atribuições. Mas sempre que possível acompanho os congressos, as manifestações, as mobilizações e as outras atividades. Existem as demandas que são estruturais: o problema do emprego juvenil, a qualificação para o mercado de trabalho, as questões ligadas à qualidade do ensino e aos recursos para a educação.


Essas demandas foram resolvidas em parte. Os estudantes conseguiram retomar a meia-entrada no cinema, estabelecer a meia-passagem que em muitos lugares não existia, conquistaram Reserva de Vagas para estudantes de escolas públicas em algumas universidades federais, pressionaram para a redução das mensalidades escolares, foram recebidos pelo governo. Isso não acontecia antes. Ou seja, houve conquistas. Mas há demandas que são históricas, das estruturas desiguais e injustas do Brasil; os estudantes precisam continuar lutando.



Quais os desafios para a luta do movimento estudantil hoje em dia?



Acho que hoje o movimento estudantil tem uma estrutura melhor. As entidades hoje têm sede própria, o país vive em uma democracia em que os estudantes conquistaram mais acesso às escolas e às universidades. Enfim, o desafio que se tem hoje é procurar combinar três tipos de atividades no meio dos estudantes. A primeira é fazer com que as entidades estudantis promovam atividades recreativas, esportivas e que agreguem os estudantes de forma mais ampla. O segundo desafio é fazer com que os estudantes tenham uma organização melhor para lutar pelas bandeiras atuais e históricas do movimento. A terceira é lutar por um Brasil melhor, um mundo melhor, pela liberdade, pelos direitos do povo; porque os estudantes não existem sozinhos, eles são parte da sociedade e precisam se incomodar e, unidos, lutarem pelos seus direitos e interesses.



Muitas vozes pregam que o jovem hoje não se interessa por política. Qual a sua avaliação? O jovem de hoje é menos ou mais politizado do que no começo da década de 1980? É possível fazer essa comparação?



Essa pergunta sempre se faz. Dizem que os estudantes de hoje não são mais como os de antigamente. Mas são momentos diferentes e cabeças diferentes. Não dá para fazer uma comparação rigorosa. Além do mais, os movimentos sociais do Brasil não são movimentos retilíneos e uniformes. São mais variados, mais instáveis. No Brasil houve sempre grandes campanhas em que os estudantes participaram, como a da independência do Brasil, pela abolição da escravatura e pela república. Outras como a campanha pelo petróleo, pela entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial contra o eixo fascista, a campanha pela democratização contra a ditadura, por ampliação na educação, Diretas Já, o impeachment do presidente Collor. Ou seja, houve períodos de alta e períodos de desmobilização. O que é interessante é que, pela característica da vida juvenil, os estudantes sempre participaram dos momentos políticos importantes do país, mas são sempre movimentos distintos, de acordo com a demanda de cada época.



Ficam dizendo que a Ubes não é mais a mesma, mas de repente vem a campanha para o impeachment e a força da juventude tira um presidente da República do poder. As pessoas, às vezes, não têm a visão histórica dos fatos, apenas a visão segmentada, muito pontual, deixam de ver o conjunto para ver a parte. Vêem a árvore e não vêem a floresta.



A história da Ubes e do movimento estudantil é assim. Os jovens de hoje podem ser até mais politizados do que os daquela época, pois há mais espaço para a participação política. Hoje existem as ONGs, as entidades comunitárias, os grêmios estudantis, os clubes de recreação, as estruturas de esporte, as comunidades de igreja, o movimento Hip Hop. Temos que pensar que as entidades estudantis representam uma parte desse movimento e precisam se articular nessa teia que é a estrutura social para que a gente una essas forças e consiga melhoria em todos os aspectos.



Quais foram os grandes desafios e quais as bandeiras que marcaram a sua gestão?



Na minha gestão, em 1983, o Brasil vivia um momento de transição entre o fim da ditadura, que já dava sinais visíveis de esgotamento, e a luta pela democratização do Brasil. Foi a época em que os governos de oposição, eleitos em 1982, já haviam tomado posse. Foi o início da campanha das Diretas Já, quando a Ubes teve grande participação. Nós fizemos parte da coordenação nacional da campanha e foi a Ubes que abriu o comício das “Diretas Já”, com 1 milhão de pessoas na Candelária, no Rio de Janeiro. Além disso, fizemos milhares de manifestações pelo país. Os estudantes secundaristas sempre estiveram presentes. Em São Paulo, quando teve o comício em 25 de janeiro de 1984, as escolas foram fechadas e os estudantes saíam às ruas, ocupavam o metrô, pulavam as catracas e iam todos à Praça da Sé. Foi essa época que marcou a Ubes. Na gestão em que eu a presidi, nós retomamos o registro legal da Ubes nos cartórios do Rio de Janeiro, relançamos o jornal que a Ubes tinha e que havia sido fechado em 1964, e conseguimos também realizar o 1º Seminário Nacional sobre a Educação e o 1º Encontro de Escolas Técnicas de Nível Médio. Retomamos as sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro e apresentamos o Projeto de Lei de Legalização dos Grêmios Livres no Congresso Nacional.



Como era a conjuntura política na época em que você foi presidente? E como foi fazer movimento estudantil dentro deste contexto?



Naquela época era um período de esgotamento do regime militar, com uma crise econômica, inflação galopante, dívida externa absurda, desagregação do sistema social, de seguridade, de assistência. Era um momento em que o país procurava outra alternativa, sobretudo respirar democracia. Era fim do governo do [general João Batista] Figueiredo e a transição para um possível governo de centro, movimento na época liderado pelo Tancredo [Neves], pelo [José] Sarney, pelo [Franco] Montoro e outras lideranças políticas. Então foi um momento extremamente importante da vida nacional e acho que garantiu uma transição, limitada, vacilante, negociada e lenta como nós vivemos hoje. Mas foi um período de saída da ditadura para a democracia.



O atual presidente da República vivia sendo preso e fazendo greve contra essa ditadura e pelo direito dos trabalhadores, ou seja, um cara perseguido hoje é presidente da República. Também haviam muitos partidos clandestinos que hoje são legais. As entidades estudantis não podiam se organizar legalmente: hoje estão legalizadas. Os estudantes não eram recebidos pelo governo: hoje são. O Brasil era um país com muito mais injustiça, muito mais desagregados sociais e com muito mais miséria: hoje já melhorou. O país era gerenciado pelo FMI: hoje não é mais. O Brasil tinha uma margem de pobreza muito grande e hoje muita gente se recuperou e está entrando no mercado de consumo, mesmo que seja em um mercado mais modesto, que é do básico e do alimento. Eu acho que são diferenças brutais. O Brasil já avançou muito, apesar de ainda ser muito desigual.



O senhor acredita que o ensino médio tem melhorado no país? Qual o papel da Ubes para que avancemos mais nessa área?



Eu acho que sim, de certa forma. Há melhores condições hoje do que havia naquela época. O que aconteceu foi um aumento muito grande do número de estudantes que se formam no ensino médio e a demanda por mais escolas permanece. O ensino melhorou um pouco, até mesmo o salário dos professores. Mas ainda temos que entender que as vagas nas escolas precisam ser ampliadas, as verbas para a educação precisam aumentar, os salários dos professores e suas qualificações precisam ser melhorados, e é necessário investir na abertura de mais escolas públicas, mais escolas técnicas e agrotécnicas, porque a demanda pelo ensino médio qualificado permanece em várias regiões do país. Ou seja, fazendo uma avaliação sobre se está melhor, eu acho que está. Mas ainda está muito longe de ser o suficiente e o necessário para as demandas do país.



A campanha “Se Liga 16”, que estimula o voto a partir dos 16 anos, uma conquista da redemocratização do Brasil, é uma das mais fortes bandeiras da Ubes. Qual a importância dos jovens votarem e participarem da vida política do país?



A Ubes tem por excelência a representação dos estudantes de segundo grau, que são exatamente os que estão na faixa dos 16 aos 18 anos e que via de regra votam pela primeira vez. Essa conquista do voto aos 16 anos eu atribuo à presença da Ubes na Constituinte. Mas é uma conquista dos estudantes e da juventude, porque muitos jovens no Brasil começam a trabalhar desde os 12, 14 anos e não era justo ter uma participação na economia, na construção da riqueza, na sustentação da família e não ter direito de participação política. Essa conquista reparou uma injustiça que havia. Essa participação coloca os jovens muito mais cedo na vida política nacional.



Muitos diretores e ex-presidentes da Ubes ocupam ou ocuparam posição de destaque na vida política do país. Em que participar do movimento estudantil contribui na trajetória política das lideranças?



A Ubes é uma escola de democracia, de liderança e de participação política. Muitos líderes do movimento estudantil secundarista, naquela época, ocupam espaços importantes na vida política nacional atualmente. Tem ex-presidente da Ubes que trabalhou na Câmara e chefiou gabinete de liderança de partido. Outros foram candidatos e deputados estaduais, vereadores, dirigentes partidários. Outros são assessores diretos da presidência da República, ou jornalistas de destaque, editores de revistas, jornais e outros que até mesmo viraram empresários. Ou seja, esse pessoal que passou por essa escola amadureceu numa velocidade e dimensão muito grande e estão aptos a ocupar espaços políticos significativos na política nacional e regional.