Um Iraque longe de qualquer possibilidade de recuperação

Cenário, o norte do Iraque, com suas riquíssimas jazidas de petróleo na região de Kirkuk, habitada majoritariamente pelos curdos. Em comparação a outras áreas, é relativamente mais seguro morar por lá. No entanto, embates políticos travam-se com a mesm

Durante a ditadura de Saddam Hussein, — brutal, despótica e conduzida com mão de ferro — o país ainda gozava de relativa liberdade, desde que não interferisse na cobiça pelo poder, que sempre norteou a política do ex-ditador. Em 35 anos, foram cometidos muito menos assassinatos, prisões e seqüestros do que durante três anos de ocupação americana. Os recursos petrolíferos, no entanto, eram explorados até a exaustão dos poços, comprometendo a recuperação secundária e terciária, mesmo com o emprego de sofisticada tecnologia. O petróleo deveria gerar lucros mesmo que levasse à exaustão prematura das jazidas.


 


A repressão instalada no Iraque, depois da ocupação norte-americana e levada a cabo pelos líderes alçados ao poder — xiitas radicais, clérigos ou seculares — instalou um regime de terror, principalmente contra os sunitas, que são assassinados, presos, seqüestrados, torturados e não têm poder de decisão. Líderes religiosos agem com a máxima crueldade, tentando eliminar qualquer oposição. Como definiu um muçulmano sunita secular — o país está além de qualquer recuperação, o modelo de democracia ocidental simplesmente não funciona no Oriente Médio. O que mais surpreende é o apoio irrestrito dado pelo governo norte-americano a estes mesmos governantes locais, com ligações profundas com o Irã, que é a peça chave para entender os desdobramentos da guerra.


 


O Iraque é fundamental na geopolítica de três países: EUA, Irã e Israel. Todos os três lucrariam com sua eliminação. Os EUA teriam mais fácil acesso ao petróleo da área, o Irã formalizaria o prolongamento de seu governo teocrático xiita e Israel é o mais intrigante deles. Segundo fontes no Iraque, a suposta guerra verbal entre Irã e Israel não passa de jogo de cena local, para agradar platéias, sendo que nenhum atacaria o outro. Irã e Israel são as duas maiores potências militares na região e os EUA não teriam nada a ganhar atacando o Irã.


 


Voltando ao Iraque. Já no tempo de Saddam Hussein, os curdos, ao norte, juntamente com os xiitas, eram a parcela mais rica da população e dominavam os cargos mais estratégicos no governo. Era a recompensa para Saddam Hussein fazer o que quisesse e se perpetuar no poder. A maioria dos atentados visando eliminá-lo partia dos sunitas desalojados do poder e Saddam, apesar de ser um deles, não hesitava em praticar a mais violenta repressão quando um novo complô era descoberto. O que choca é ouvir dos próprios iraquianos que a CIA trabalhava para Saddam Hussein, descobrindo quem tencionava matá-lo ou depô-lo e entregava os nomes ao próprio ditador. É o que se chama de “covert actions” no linguajar do serviço de Inteligência.


 


Ainda sob Saddam Hussein, o Iraque era um país com bons recursos médicos, agora destruídos. O governo financiava os estudos de seus habitantes e os que tinham doutoramento estavam com emprego garantido.


 


Hoje os portadores de títulos de PhD encontram-se desempregados, os serviços médicos regrediram a níveis inimagináveis e as gangs de delinqüentes ligados às drogas, praticamente inexistentes há algum tempo atrás, tornaram-se banais.


 


O governo atual, dominado pelo xiitas com o suporte dos EUA, arregimenta as temíveis milícias que matam, seqüestram e pedem resgate. Parte dos lucros fica com os próprios organizadores instalados no poder. É um negócio rendoso, juntamente com cerca de 300.000 barris de óleo cru que são roubados por dia e vendidos no mercado paralelo, além do saque sistemático de sítios arqueológicos para serem vendidos no exterior. O país está sendo destruído brutal e sistematicamente e parece que após a farsa das eleições, onde centenas de milhares de iranianos com títulos de eleitor falsos entraram no país clandestinamente ajudaram a eleger exatamente os candidatos que estão no poder.


 


O país, em palavras de seus cidadãos, atinge um estágio que está além de qualquer possibilidade de recuperação.


 


Claudia G. S. Martins é pesquisadora em religiões comparadas e escreve sobre diálogo interreligioso e resolução de conflitos além de assuntos da área de política internacional. Artigo publicado no site do Instituto da Cultura Árabe