Tammam Daaboul: Líbano “redestruído”

Em 1975 eclodiu no Líbano uma das mais violentas guerras civis na historia da humanidade, uma guerra que teve entre seus motivos principais a péssima distribuição de renda por etnias, a divisão no como tratar a questão árabe israelense e o suporte aos ref

31 anos após o inicio da guerra civil, o Líbano se depara com a triste realidade da “redestruição” de sua infraestrutura e o massacre indiscriminado da sua população civil. Como uma nação onde parte da sua população estava há um ano comemorando a independência, a soberania e sonhava com o seu futuro brilhante que ia de chegar, assiste impotente ao fim que estão levando os duros 15 anos de reconstrução? Quais são os motivos que levaram a isso? É a captura dos soldados israelenses? É o direito de Israel responder a ameaça do Hezbolá, apesar de ser a quarta maior potência militar do mundo? É a tentativa do retorno da Síria após sua retirada no ano passado? É o resultado de um jogo de conflito político que envolve o Irã (xiita) e a Arábia saudita (sunita)? É o conflito árabe-persa-israelense? Na verdade, o mundo árabe e islâmico enxerga hoje claramente, a extrema inteligência do planejamento estratégico dos Estados Unidos e Israel em parceria de seus cúmplices árabes, aliada à igualmente extraordinária ignorância no conhecimento que possuem da reação da sociedade árabe.


 


Três meses antes de ser prorrogado o mandato do presidente libanês Emil Lahud, a Síria foi informada da preparação da resolução que forçaria a Síria a se retirar do Líbano, foi esta informação que a levou à decisão de insistir pela estabilidade no posto de presidência libanesa através da permanência do Emil Lahud.


 


A resolução 1559 possuía, entre outros, dois itens importantes:



  1. A retirada de todas as tropas estrangeiras do Líbano (entende-se com isso Síria, não Israel).

  2. O desarmamento de todas a milícias em solo libanês.

 


Mesmo antes da resolução 1559 ter sido aprovada a discussão interna no Líbano crescia inversamente proporcional á chance da resolução ser prontamente cumprida já que o Líbano tinha se dividido ao analisar a veracidade da boa intenção americana em querer ver um Líbano sem as tropas sírias. Os analistas políticos no mundo árabe alertavam o risco do cumprimento de tal resolução o que enfraqueceu a mesma e seus defensores no Líbano. Isto frustrou o plano e as pressões que pediam uma retirada Síria imediata, até que vimos estarrecidos, o assassinato do primeiro ministro libanês Rafik al Hariri.


 


O assassinato do Hariri gerou uma ampla onda de ódio e repúdio da qual os “revolucionários” foram logo aproveitando ao apontar os dedos imediatamente para o governo sírio, com justificativas e teorias no mínimo absurdas. Parece que em momentos de dificuldade e revolta não havia muito espaço para a razão responder a uma simples pergunta, o que a Síria teria a ganhar com isso? A emoção também não permitia lembrar que muitos “revolucionários” dividem a responsabilidade com políticos sírios em todos os erros cometidos no Líbano, afinal, grande parte desses “revolucionários” nunca tinha deixado se ser governo.


 


A revolta popular resultou no primeiro momento histórico desde o fim da guerra civil em que era possível afirmar a existência de uma maioria libanesa que desejava a retirada Síria do Líbano, isso aliado às reanimadas pressões internacionais levou a uma retirada Síria muito mais rápida do que era esperado, deixando no Líbano um vazio na segurança interna por não haver um preparo militar ou policial suficiente.


 


Não há duvidas de que a saída das tropas deveria ter acontecido muito mais rapidamente do que vinha sendo desde o ano 2001, assim como ninguém tira o direito do povo libanês de desejar uma nação ideal, com crescimento econômico, soberania e independência, mas o que preocupava era a crescente distância entre parte do povo libanês e o povo sírio, e a distância entre os libaneses. A cada dia que passava se perdia a chance de manter a histórica ligação entre os dois povos irmãos que tinham que se separar para tornar possíveis os objetivos estadunidenses na região.


 


A retirada Síria foi comemorada por aqueles que viam se realizando a primeira etapa da revolução libanesa rumo á independência e o desenvolvimento que foi prometida pelos “revolucionários” e seus aliados EUA, França e alguns paises árabes como a Arábia saudita. Mas a transição pós Rafik al Hariri foi difícil, pois no ano que passou não foi realizado nada do que havia sido prometido.


 


O governo, sem projeto político claro, ficava amarrado pelas discórdias com outros grupos libaneses e todos os esforços dos “revolucionários” se esgotavam na tentativa de incriminar a Síria na investigação do atentado que assassinou Rafik al Hariri. Investigação essa que passou por muitas dúvidas de credibilidade, teve seu primeiro investigador retirado e substituído por pressões de juizes alemães ao verem o processo caminhando de forma parcial. A alegação oficial foi a de “problemas pessoais”, surgiram denúncias de propinas e tentativas de coagir testemunhas pelos “revolucionários” e, mesmo o que parecia impossível, aconteceu: Michel al Aoun, o maior defensor da retirada Síria, decepcionado e iludido, se desliga do governo e assina uma carta de acordo com o Hezbolá, praticando discursos que o fazem ganhar respeito, pela sua fidelidade ideológica e patriotismo libanês, até em solo sírio.


 


Tal mudança e a deteriorada situação econômica alem da continua interferência americana na política interna libanesa, enfraqueceu a credibilidade do governo e de seus publicamente declarados aliados EUA e França.


Em todo este período o governo “revolucionário”, já desfalcado, tratou a Síria como inimigo não muito diferente de Israel, e a verdade dos desejos sobre a busca pela justiça se distanciava das crenças dos seus seguidores já que dois meses antes do atual conflito foram descobertos 7 libaneses que estavam, em parceria com o Mossad (Serviço de espionagem israelense), planejando e realizando atentados no Líbano, mesmo o grupo confessando suas atividades não houve mudanças no processo de investigação do assassinato do premie libanês.


 


Michel al Aoun disse na ocasião “sabemos que colocam a suspeita na Síria, e isso tem chance de ser verdadeiro, mas mesmo que a chance fosse de 90% eles não podem ignorar este grupo de terroristas, ao não envolverem o grupo ligado ao Mossad nas investigações internacionais eles estão perdendo a credibilidade em toda a investigação e nos seus objetivos de busca pela verdade”.


 


Neste momento ficou claro que as pressões sobre a Síria eram o preço a ser pago pelos “revolucionários” libaneses ao apoio americano para a retirada das suas tropas do Líbano. Através destas pressões os estadunidenses queriam uma reação Síria para o desarmamento do Hezbolá, o fim ao apoio da resistência na palestina e a ajuda no controle da insurgência iraquiana, mas os americanos descobriram que a Síria continua se negando a negociar a resistência.


 


A partir daí a estratégia mudou para tentar derrubar o governo sírio, Bush declarou apoio financeiro e político a todos os grupos ou indivíduos de oposição sírios, apoiou até o maior responsável pelos erros sírios no Líbano o Ex-vice-presidente sírio Abd al Halim Kadam, este plano também foi em vão, pois descobriram que o povo sírio e a oposição Síria, por maiores que fossem as discórdias que tinham com o governo, não venderiam sua pátria. A falha de pressionar a Síria ou mudar seu governo direcionou os planos para a opção militar já prevista e legalizada pela resolução 1559.


 


O governo libanês não investia esforços suficientes para libertar os libaneses das prisões israelenses ou reconquistar a soberania nas ocupadas fazendas de Chabaa ou conseguir os mapas das minas israelenses implantadas no sul do Líbano que causam vítimas todo mês ou de denunciar as continuas invasões israelenses dos espaços aéreo, marítimo e terrestre libaneses que acontecem segundo a ONU em uma assustadora média de três vezes ao dia desde a retirada israelense da maior parte dos territórios libaneses em 2000.


 


Estas causas abandonadas se tornaram às causas defendidas principalmente pelo Hezbolá, que não se confundia ao apontar a direção do inimigo do Líbano. “A causa das fazendas de Chabaa pode ser vista com mais calma, mas a questão dos prisioneiros não, as décadas passam e eles são negados de viver suas vidas na sua nação ao lado de suas famílias” esta era a justificativa do Hezbolá para agir, e como já tinha acontecido no passado a resistência libanesa realiza uma ação militar na fronteira com Israel, para aprisionar militares israelenses e trocá-los por prisioneiros libaneses que já estão em presídios israelenses a mais de 20 anos.


 


Sempre a resposta israelense destas operações vinha em forma de bombardeio israelense nas aldeias do sul e de postos do Hezbolá, mas desta vez a resposta veio em forma de uma guerra aberta de um estado escondido sob o véu do holocausto se dando o direito de eliminar toda uma civilização e praticar os mais terríveis massacres em uma população indefesa, com a desculpa inicial de resgatar dois soldados.


 


O início do massacre no Líbano provocou lágrimas em alguns e sorrisos em outros. Lágrimas caíam dos que sabiam que esta não seria uma guerra comum; dos que sabiam a indiscriminação israelense na separação entre civis e militares; lágrimas daqueles que sabiam a importância da resistência libanesa e temiam por ela. Os sorrisos estavam nos rostos daqueles que acreditaram ver o desarmamento do último símbolo bem sucedido de resistência e a eliminação do ultimo obstáculo para a completa ocidentalização do Líbano, esses não são poucos e alguns infelizmente são árabes.


 


“Os aventureiros irresponsáveis que iniciaram esta aventura que dêem um jeito de resolvê-la” esta foi à primeira reação ao massacre das mais potentes nações árabes: Arábia Saudita, Jordânia e Egito, mais forte ainda foi à reação dos grandes amigos do governo “revolucionário” libanês: EUA e França, ambos deram a Israel o direito de se defender da grande ameaça, o Hezbolá.


 


Mas que ameaça o Hezbolá realmente representa? São as ogivas nucleares? Os mísseis de uma e cinco toneladas de precisão? Os caças indetectáveis? Não. Todas essas armas são do poderio militar israelense, então o que Israel tem a temer? Porque muitos políticos e estrategistas israelenses estão tratando esta guerra como questão de vida ou morte?


 


Israel sabe que a vitória do Hezbolá significaria a reanimação da causa árabe, poderia levar à união do povo árabe e um aumento do apoio aos movimentos de resistência que seria um grande perigo para os planos estadunidenses e israelenses na região.


Os objetivos da ofensiva:



  1. Impedir o surgimento do que esta sendo erroneamente chamado de “nascente Xiita” o que seria a união política entre Irã, Iraque, Síria e Líbano.

  2. Destruir o último símbolo de resistência bem sucedido dos povos árabes, com isso espera deprimir ainda mais o já deprimido povo árabe o levando a aceitar as condições israelenses de paz.

  3. Eliminar a figura do Said Hassan Nasralá, um líder que cresce em popularidade sem restrições de fronteira ou religião, pesquisa realizada com 250.000 árabes pela al Jazira mostrou um apoio de 93.3% ao Hezbolá e seu líder.

  4. Enfraquecer o governo sírio e iraniano ao provocar maior isolamento, com a perda de seus aliados no Líbano.

  5. Enfraquecer os contrários à ocidentalização do Líbano e de outros paises árabes, abrindo caminho aos aliados americanos instalarem seus governos fantoches.

  6. A necessidade do exército israelense de se redimir perante sua população e levar derrota à única força que foi capaz de derrotá-lo no passado. Este pode parecer um objetivo infantil, mas é verdadeiro, há muita humilhação dentre os comandantes israelenses no que diz respeito a seus confrontos com o Hezbolá.

 


Estes objetivos são revelados hoje pela política americana que visa à criação de um “novo Oriente Médio” a guerra do Iraque já fazia parte deste plano. Um “novo Oriente Médio” em que a cultura será alterada, a religião será reformada e os regimes serão derrubados ou sustentados para com isso manter governos “pró-ocidente” que acabem servindo aos planos e desejos americanos na região.


 


Interesses das três nações árabes


 


A Arábia Saudita está em uma guerra fria com o Irã, por um lado é um conflito xiita-sunita pela visão religiosa da Arábia, por outro lado é uma luta pela sobrevivência do regime saudita, assim como o regime egípcio e jordaniano, já que a desaprovação das suas políticas pelas suas populações é clara e cresce com cada vitória do Hezbolá sobre Israel. Países ditadores costumam se preocupar muito mais com opinião publica do que paises democráticos, por isso impedem o surgimento de lideres ou heróis que ganhem grande popularidade e consigam poder de mobilização.


 


A prova desta preocupação é visível na mudança do posicionamento publico das três nações árabes por pressões populares pedindo, ao menos publicamente, um cessar-fogo imediato e doando grandes fortunas para com isso acalmar suas ruas. A maior quantia foi de três bilhões de reais da Arábia saudita que prometeu reconstruir o Líbano ao invés de impedir sua destruição; tática semelhante à americana, ao doar remédios e alimentos ao Líbano enquanto apressa o carregamento de poderosas bombas a Israel.


 


A estratégia


 


A estratégia traçada por Israel previa aniquilar a resistência sem invasão terrestre e usar o terror na destruição de parte dos bairros civis xiitas e da infra-estrutura comum a todos com o objetivo de manipular a opinião publica para que rejeitasse o Hezbolá, da mesma forma com a qual manipularam para a retirada Síria.


 


Mas a ignorância na compreensão da sociedade árabe não permitiu que previssem a radicalização da região para um posicionamento favorável à resistência, como não previam o crescimento mundial do antijudaísmo proporcional ao aumento dos massacres, já que as tentativas de explicar os massacres deliberados de civis, como sendo culpa da resistência, convenceram ninguém no mundo. Até a definição de terrorista do Hezbolá está sendo questionado pelo ocidente, já que a percentagem de civis assassinados do lado libanês é infinitamente maior que a do lado israelense.


 


As investidas aéreas não deram resultado e a aniquilação do Hezbolá não foi possível, mas para não declarar derrota, Israel decidiu invadir o sul do Líbano para impedir os mísseis da resistência alcançarem o norte de Israel, isso ocorreria com a criação de uma “zona de segurança” de 20 quilômetros que é a capacidade de ação dos foguetes da idade da Segunda Gguerra Mundial, os Katiuchas, que atormentam o exército israelense.


 


Graças à resistência, o avanço foi muito lento, em 7 dias Israel ainda mentia sobre a conquista de Bent Jbail, que fica a 2 km da fronteira, em outros tempos nações árabes já teriam perdido a guerra. Ao mesmo tempo, o Hezbolá se mostra capaz de alcançar Haifa e ameaça Tel-aviv.


 


A cada aviso do Hezbolá, Israel incrédulo aumenta os massacres de civis como sinal de desespero, aos poucos o véu de Israel se desmanchava e o rosto de um terrorista assassino se definia mostrando um monstro impulsionado por sua raiva, descriminação e racismo, que cometia mais atrocidades cada vez que via seus objetivos se distanciarem e a derrota política se aproximando, já que finalmente percebera que não lutava mais contra governos, mas sim contra sociedades, e nesta luta não alcançará vitória.


 


Perto dos 30 dias do inicio do conflito, a vitória já foi proclamada para o Hezbolá até por analistas israelenses; No Líbano, Walid Jumblat, considerado hoje anti-Hezbolá e anti-sírio, diz: “Israel já perdeu a guerra. Perdeu em 1982, perdeu em 2000, quando o Hezbolá conseguiu expulsá-lo daqui, e perdeu agora. O mito da invencibilidade do Exército israelense acabou. A única coisa que conseguiram fazer foi destruir o Líbano”.


 


Jumblat também faz a seguinte questão: “para quem o Hezbolá ira dedicar esta vitória?”. Pensar na resposta nos fará temer mais do que a guerra, aquilo que virá após ela. Pois há muito espaço para conflitos crônicos entre libaneses ou com o envolvimento de estrangeiros.


 


Os povos árabes esperaram muito tempo pelas continuas propostas e contra propostas de paz realizadas pelos governos árabes com intermediação estadunidense, depois de tanto tempo de espera encontramos nossas nações frágeis, econômica e cientificamente atrasadas, e nosso povo desunido, envolvido em conflitos internos de caráter religioso ou político que nunca existiram no passado, e que levaram à guerra civil no Líbano e no Iraque, isso é resultado da incompetência de parte de nossos governos que não só impedem o desenvolvimento de nossas nações como traem a nossa principal causa.


 


Mas uma imagem, que vi na al-Jazira, no terrível massacre de Kana, me dá esperanças da mudança deste quadro político. A imagem do grupo de resgate retirando os escombros que esmagavam uma mão enrijecida apontando para o céu mostrando o V de vitória, quando revelaram o corpo, vi uma mulher e ao seu colo estava agarrado o corpo de seu filho que com o dedo indicador levantado mostrava seu ultimo testemunho a Deus e Seu profeta.


 


Isso me dá esperanças sim, pois se esta mulher extraordinária, no momento de sua morte e da morte de seu filho teve a força de expressar seu apoio à resistência e declarou sua vitória. Então nós não seremos tão medíocres a ponto de não ultrapassarmos nossas diferenças, e esquecermos o que há de negativo no nosso passado, e nos unirmos para enfrentar o mais terrível dos inimigos, aquele que não distingue entre nós para matar, enquanto distinguimos entre nós para unir.