Oscar Niemeyer: Pensando em Cuba

Hoje (13/8) recebi um telegrama de Havana. Era o meu amigo Ricardo Ventura. Ele está em Cuba trabalhando na instalação de uma escultura que presenteei a Fidel e que está sendo colocada numa nova praça em construção naquela capital.

É a figura de um dragão, que representa o império de Bush, a ameaçar o povo cubano, que, pequenino, com uma bandeira na mão, corajosamente o repele.


 


“Oscar”, disse-me Ricardo, “estamos trabalhando muito. Todos estão gostando da escultura, que vai ficar muito bonita.”


 


Não era apenas a realização desse sonho de ver uma escultura minha em Cuba que me agradava. Com maior satisfação ainda eu sentia que, nesse momento de expectativa que vivem os cubanos, a vida no país continua tranqüila, e o governo, voltado para os problemas desse povo tão ameaçado e destemido.


 


E fiquei a lembrar dos meus primeiros contatos com Cuba: estava na França, recebia convites para ir àquele país -o que com pesar protelava, pensando nas viagens de avião que tinha de enfrentar. Teria de viajar até a Espanha para pegar um avião soviético. Mas a vitória da revolução cubana me absorvia, e recordo que, na conversa com os amigos, as figuras de Fidel Castro e Che Guevara nos levavam a pensar que, um dia, o mundo seria muito melhor.


 


E assinávamos manifestos, rebatendo com vigor tudo que surgia contra a revolução cubana.


 


Como de longe os atentados contra Cuba nos revoltavam -principalmente o cerco odioso que os Estados Unidos organizaram contra esse país!


 


E era com orgulho, como se fosse coisa nossa, que víamos como a figura de Fidel se destacava nos encontros internacionais.


 


Um dia, ele veio ao Rio de Janeiro.


 


Foi visitar-me no meu escritório, em Copacabana, a conversar com os meus amigos que, para aquela reunião, eu convidara.


 


Lembro-me de um episódio engraçado que vale a pena contar: Fidel se despediu, o elevador social não funcionava, e, para pegar o elevador de serviço, teria de passar com os seus seguranças por um apartamento. Não havia alternativa, e o seu proprietário se viu forçado a aceitar aquela invasão inesperada que, altas horas da noite, lhe solicitávamos.


 


Ah, como a personalidade de Fidel se impõe!


 


Ao que eu saiba, era o único morador comunista naquele edifício. Mesmo assim, lá estava o prédio todo iluminado, com gente às janelas, a celebrar a visita do líder cubano. E, no dia seguinte, o meu vizinho apareceu, a contar o que ocorrera, nos mostrando, orgulhoso, o charuto que Fidel amavelmente lhe havia oferecido.


 


O tempo correu. Veio a invasão do Iraque, e agora a do Líbano. Um sentimento de revolta se fortalece por toda parte, e até os países mais pobres sentem a necessidade de se reorganizar; a ambição e a arrogância de Bush não têm limites. As forças populares começam a se mobilizar, como se verifica na América Latina.


 


São muitos os camaradas cubanos que me procuram no Rio de Janeiro, contentes com a vida em Havana, apaixonados pelo comandante Fidel, de quem falam com o mais vivo entusiasmo. E me espanta ver como são politicamente atualizados, conscientes das ameaças que se multiplicam contra Cuba, convictos de que irão defender a sua soberania de qualquer forma.


 


E fico a ouvi-los, pensando que o mesmo ocorre com o nosso país e toda a América Latina, que chegou o momento de falarmos de tudo isso, de levarmos às escolas essas idéias -um pouco esquecidas entre nós- de pátria e soberania.


 


A propósito, dias atrás fui convidado para receber uma medalha no Corpo de Bombeiros e me surpreendi ao me sentir emocionado naquele ambiente festivo, todo feito de entusiasmo e patriotismo.



Texto publicado nesta segunda-feira (14) na Folha de S.Paulo.