Só pressão popular fará governo adotar metas de emprego

Por Nelson Breve, na Agência Carta Maior


Na segunda rodada de Debates Carta Maior, especialistas fazem diagnóstico da situação crônica de desemprego no país e concluem que a situação só será revertida se o país crescer a taxas mais elevadas por

Em 1989, o Brasil ocupava a 13ª colocação entre os países com maior desemprego no mundo. Eram cerca de 1,8 milhão de desempregados. Nos últimos anos, com cerca de 8 milhões de trabalhadores a procura de emprego, estamos entre os três países campeões mundiais, revezando com China, Índia e Indonésia. Somos responsáveis por 6% do desemprego mundial, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo uma população economicamente ativa equivalente a 3,5%.

As razões que nos levaram a essa situação e os desafios que a sociedade precisa enfrentar para sair dela foram o tema da segunda rodada de Debates Carta Maior-O caminho de faz caminhando – uma iniciativa da Carta Maior, com apoio da revista do Brasil e patrocínio da Petrobras -, realizada nesta segunda-feira (7), no Hotel Maksoud Plaza. A discussão foi acompanhada por até 14 mil internautas, simultaneamente, e teve a participação dos economistas Carlos Alonso, Márcio Pochmann e Anselmo dos Santos da Unicamp, Cláudio Salm, da UFRJ, Ladislau Dowbor, da PUC de São Paulo, e Sérgio Leite, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. O mediador foi o professor Flávio Aguiar, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP.

Como consenso geral, os economistas heterodoxos consideraram que o agravamento do desemprego no país foi provocado pela forma atabalhoada com que os governos neoliberais da década de 1990 aplicaram seu receituário para inserir o país no mundo globalizado. Cláudio Salm lembrou que nem mesmo o ideólogo do liberalismo David Ricardo defendia uma abertura econômica descontrolada. O economista da UERJ foi buscar a seguinte citação do filósofo, feita em 1815: “Devemos abrir a economia, desde que mantenha o país dinâmico e crescendo. Se não, vamos criar uma sociedade de criados e serviçais”. De certa forma, é o que fizeram com o Brasil no início da década passada.

O professor enumerou uma série de “mitos” que os economistas ortodoxos levantaram para sustentar que desemprego no mundo contemporâneo se combate com políticas para melhorar o nível de educação dos trabalhadores e flexibilização dos contratos de trabalho, para baixar o custo da mão-de-obra. Entre os “mitos” apontados por Salm, estão as teses de que crescimento econômico não garante aumento do emprego, que o desemprego é um problema de oferta de mão-de-obra qualificada e excesso de rigidez na legislação, que qualquer ocupação é trabalho (inclusive vendedor de bugigangas nos sinais de trânsito) e que o aumento do salário mínimo seria inócuo para reduzir a pobreza e distribuir melhor a renda. “Nosso grande problema advém da falta de demanda”, sustentou Salm, observando que as Políticas de Geração de Emprego Renda iniciadas no governo tucano e mantidas no governo Lula produziram resultados pífios.

Para sair dessa situação, Carlos Alonso enxerga apenas uma saída: taxas elevadas de crescimento por período prolongado de tempo, de modo que sejam absorvidos os jovens que entram no mercado de trabalho e também reduzido o subemprego existente no país. Isso, segundo ele, só poderá ocorrer com forte intervenção do estado, como ocorre na China e na Índia, onde o crédito bancário tem controle estatal, assim como o câmbio e o fluxo de capitais. Para Alonso, a inserção da China na economia mundial provocou um “tsunami”. Além de inundar o Brasil com produtos importados, invadiu mercados de produtos brasileiros.

O professor da Unicamp rejeita a tese de que a China consegue ser mais competitiva por ter um mercado de trabalho precário. Ele sustenta que o segredo chinês está na intervenção estatal, que mantém o câmbio desvalorizado e o protecionismo tarifário. E defende políticas defensivas semelhantes para a economia brasileira. “Temos que ter uma política de defesa do emprego nacional”, sustentou Alonso.

Políticas ativas
Ladislau Dowbor considerou que o problema do desemprego não será resolvido de maneira espontânea. Segundo o professor, a conta demográfica do país não fecha: 180 milhões de habitantes, dos quais 120 milhões em idade ativa (de 15 a 64 anos), com 93 milhões integrando a população economicamente ativa, mas dos quais só 34 milhões com emprego formal (27 milhões na iniciativa privada e 7 milhões no serviço público). “No conjunto, não é de se esperar que o crescimento sozinho resolva a questão do emprego formal. Temos que adotar políticas ativas”, propôs Dowbor, ensaiando uma leve dissidência.

Na verdade, o que ele sugere não é contrário ao consenso geral de que sem o crescimento sustentável prolongado não será resolvido o problema do emprego. Mas o professor da PUC adverte que essa condição não é suficiente. Ele defendeu políticas públicas que aproveitem a mão-de-obra disponível para ações comunitárias necessárias e com forte impacto social, como programas de redução do déficit de 7 milhões de moradias, universalização do saneamento básico e organização de cinturões verdes nas periferias, que resultam em impacto positivo tanto na qualidade de vida como na dinamização da economia local. “Temos que fazer uma ponte entre o problema do desemprego e o problema da desigualdade”, advertiu Dowbor, sustentando que a inclusão da massa de subempregados ao mercado de trabalho é o problema central do país. “É um custo ter pessoas desempregadas. É um absurdo econômico”, protestou.

Anselmo dos Santos considerou que a expansão do emprego público é fundamental para combater o desemprego. Ele lembrou que na Europa, os funcionários públicos, especialmente nas áreas de educação, saúde e segurança, representam um quarto da força de trabalho. Nos EUA seriam 20%, enquanto no Brasil, apenas 11%. Santos acredita que esse pode ser um caminho para enxugar ao menos uma parte do chamado exército de reserva, o que implicaria, inclusive, na melhoria da qualidade dos empregos no setor privado. “Desemprego elevado anda de braços dados com a precariedade do mercado de trabalho”, avisou.

Para Sergio Leite, o governo erra ao privilegiar a expansão da monocultura exportadora na política agrícola. Acredita que teria maior eficácia do ponto de vista da criação de empregos se prestasse mais atenção aos segmentos da agricultura familiar e dos assentamentos da reforma agrária, que criam mais ocupações a um custo significativamente mais baixo. Especialmente no Norte e Nordeste onde cada operação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) consegue manter entre seis e oito trabalhadores na atividade agrícola.

Leite afirmou que o agronegócio está expandindo as áreas plantadas a taxas de 14% ao ano, mas, efetivamente, é a agricultura familiar que vem gerando emprego no campo. Considerou que o governo deveria investir mais em ações como a do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que une ações sociais de combate à fome com estímulo à manutenção de mão-de-obra nas áreas rurais, mas o custeio está limitado atualmente a 50 mil famílias. “Não se trata de ocupação, em si, mas de reconstrução do tecido social”, argumentou.

Sem desqualificar a proposta, Cláudio Salm apontou uma falha na análise de Leite. Ele observou que a relação entre crescimento e emprego não pode ser vista apenas do ponto de vista setorial. Lembrou que a expansão do setor agrícola pode não refletir no emprego no campo, mas acaba se convertendo em postos de trabalho para outros setores da economia. Por isso, o mercado de trabalho precisa ser visto de modo global. “Se a economia como um todo está crescendo, outros postos são criados para compensar”, ponderou.

Emprego como meta estratégica
Márcio Pochmann assegurou que não será possível resolver o problema do emprego de forma decente com políticas setoriais. “É fundamental que o governo tenha o emprego como uma meta estratégica de desenvolvimento”, afirmou o economista, ressaltando que o mercado de trabalho brasileiro tem gente demais. “Precisamos de política para retirar pessoas do mercado de trabalho”, alertou Pochmann, lembrando que 5 milhões de crianças e adolescentes e um terço dos aposentados e pensionistas estão concorrendo com os trabalhadores em idade ativa e metade da mão-de-obra contratada ultrapassa o limite de 44 horas semanais de trabalho fixado na legislação.

O economista enfatizou ainda o fato de que 90% dos empregos que estão sendo criados no país são para remuneração de até dois salários mínimos. Portanto, com perfil de baixa escolaridade. Lembrando que para ser um país exportador o Brasil precisa de mão-de-obra qualificada, Pochmann lamentou a desilusão que vem tomando conta dos trabalhadores com maior escolaridade. De acordo com ele, dois em cada dez jovens que se formam no ensino superior estariam deixando o país em busca de melhores oportunidades de emprego. “Precisamos rever o modelo econômico. Não basta o crescimento econômico, é preciso um modelo que priorize o desenvolvimento de produtos de maior tecnologia”, sustentou.

Carlos Alonso ressaltou que é preciso separar educação de emprego nas análises sobre mercado de trabalho. Lembrou que na Coréia, exemplo normalmente utilizado para destacar o baixo nível de escolaridade dos brasileiros em relação a outros países emergentes, a responsabilidade sobre o ensino profissional foi transferida para as empresas. Para ele, educação tem que ser encarada como direito da cidadania e não como mecanismo para preparar as pessoas para o mercado de trabalho. “Se a economia crescer, vai ter emprego. Se não crescer, vamos ter engenheiro dirigindo táxi”, reafirmou Alonso.

Para Pochmann, o que pode alterar a regra do jogo em andamento é uma forte pressão social, feita especialmente pelas entidades sindicais, para que o emprego seja considerado uma variável prioritária na estratégia nacional de desenvolvimento. Ele observou que o Brasil tem hoje as melhores condições para isso, pois é um país em construção, onde há muito por fazer. O grande desafio, segundo o economista, é como fazer isso do ponto de vista político. “Está faltando pressão dos sindicatos, dos trabalhadores, da sociedade para colocar a questão do emprego no centro do debate”, conclamou Pochmann.

Os outros debatedores ratificaram a conclusão. “A questão do emprego no Brasil só vai poder ser encaminhada por um movimento mais amplo, uma grande coalizão”, considerou Carlos Alonso. Ladislau Dowbor chamou a atenção dos sindicalistas para a importância de políticas que enxuguem a massa de desempregados, mesmo na forma de políticas locais de desenvolvimento. “Eles precisam se voltar para os desempregados como seus aliados. Políticas que enxugam o desemprego ajudam a melhorar a capacidade de negociação dos sindicatos”, recomendou. “Se não tem emprego assalariado, é muito difícil ter direitos. Para o trabalhador, a estratégia tem que ser emprego”, apontou Anselmo dos Santos.

Cláudio Salm lamentou, no entanto, que nem mesmo o governo Lula, aliado do sindicalismo, tenha atuado para reverter a tendência de precarização do mercado de trabalho. “Destruíram a sociedade salarial e não foram capazes de colocar nada em seu lugar. A tendência começou com Fernando Henrique e se aprofundou com Lula”, registrou Salm. Mas Sergio Leite mostrou que no campo houve avanços por conta da pressão dos movimentos sociais e sindicais. “Setecentas mil famílias assentadas, dois milhões de contratos do Pronaf são resultado direto da pressão dos sindicatos atuantes no meio rural”, constatou.