Culto a líder do Hezbolá espalha-se pelo Oriente Médio

Nascido no Sul do Líbano, o xiita fundamentalista Sayyed Hassan Nasralá, comandante do Hezbolá, tornou-se o personagem central do conflito que a sua organização, mais bem equipada que o Exército libanês, trava com o Estado de Israel. Aos 46 anos de idade

O quartel-general do Hezbolá fica em Bint Jbeil, cidade de fronteira do Líbano meridional e que resiste ao bombardeamento do Exército de Israel. De lá, Nasrallah controla até a programação da televisão do Hezbolá, conhecida por Al-Manar. Nesta semana e em face das explosões, as telas dos televisores mostraram a imagem de Nasralá e uma tarja anuncia, como venda a cobrir os olhos do líder: “No Signal”.


 


Na terça, Nasrallah convocou para a guerra os recrutas do Hezbolá em adestramento no Irã. Colocou em alerta o “comando naval”, que opera ágeis lanchas e barcos de borracha comprados no Ocidente. Não faltaram mensagens para os seus três consultores especiais: Imad Mugnyeh, Mustafá Rabei e o general iraniano Kassem Suleymani.


 


Imad Mugnyeh é um dos terroristas mais procurados do planeta. No Hezbolá, ele é responsável pelo aparato bélico clandestino, a compreender os mísseis de longo alcance, de posse jamais imaginada por Israel. Um desses mísseis caiu na cidade israelense de Afula e na ogiva levava uma carga de 100 quilos de explosivos. Os outros que explodem em Israel são os katyusha e os chineses QW1, espalhados numa linha de fronteira de 30 quilômetros, a partir de Taibe, a oeste de Metulla. Por isso, os bombardeamentos mais intensos promovidos por Israel concentram-se em Taibe, Kfar Kila, Al-Adeisa e Bint Jbeil.


 


Ao míssil de longo alcance, Nasralá deu o nome de Khaibar-1, ou seja, como ficaram conhecidas as batalhas travadas por Maomé no deserto saudita contra tribos de hebreus. Para as autoridades israelenses, esse míssil é de fabricação iraniana, conhecido por Fajar-5. No sistema de proteção antiaérea, o Hezbolá emprega os velhos Sam 7 de fabricação russa.


 


O segundo homem do seleto staff de Nasralá é Mustafá Rabei, responsável pelos seqüestros dos jornalistas que foram mantidos em cativeiro por sete anos. Consta ter Mustafá, em 12 de julho, participado da chamada “Operação Promessa Respeitada”, que levou à captura de dois soldados israelenses: uma armadilha, cuja meta era provocar forte reação militar de Israel, a qual o Hezbolá estava pronto para resistir.


 


O general Kassem é o coordenador da iraniana Força Al-Quds, dedicada a sustentar grupos terroristas, como o Hezbolá. A Al-Quds é um apêndice do Pasdaran, órgão guardião da Revolução e da fiscalização da aplicação da lei islâmica. Kassem atua próximo ao serviço secreto iraniano, o temível Savak.


 


Aos 46 anos de idade e desde os 32 no comando do Hezbolá, Nasralá tem duas feições. Os radicais fundamentalistas islâmicos enxergam Nasralá como um fiel combatente jihadista. Para muitos árabes, trata-se apenas de um líder nacionalista.


 


Nas praças do Cairo, o pôster de Nasralá está sempre colado ao do falecido Gamal Abdel Nasser, que nacionalizou o Canal de Suez. Na Faixa de Gaza, os palestinos do Hamas o associam a Che Guevara e os seus retratos são vendidos em bancas.


 


Nasralá sucedeu Abbas al-Musawi, eliminado em fevereiro de 1992, junto com a mulher e a filha, por um míssil Hellfire, disparado pelo Aman, que é o serviço de inteligência militar de Israel, hoje comandado pelo polêmico general Amos Yadlin.


 


A partir da Tríplice Fronteira formada por Brasil, Argentina e Paraguai, em 1992 e 1994, Nasralá organizou os ataques terroristas à embaixada de Israel e à Associação Mutual Israelita-Argentina (Amia), ambas em Buenos Aires, causando 85 mortes.


 


Nasralá conseguiu dividir os Estados membros da Liga Árabe, instalar a cizânia entre os 007 dos apartados serviços de inteligência militar e civil israelense, preparar fatais armadilhas para soldados de Israel. De quebra, recebeu surpreendente apoio do número 2 da Al-Qaeda, o sunita egípcio Al-Zawahiri. Pela televisão Al-Jazira, Al-Zawahiri pregou a união de xiitas e sunitas para a eliminação do inimigo sionista. Para o braço direito de Osama bin Laden, é hora de união do Hezbolá com o Hamas.


 


A respeito, Paul Berman, autor do livro Terror e Liberalismo, considerado nos EUA um analista de esquerda, frisou: “Hezbolá e Hamas são duas variações da mesma ideologia. Existe um equívoco no sentido de entender que essas duas organizações se batem pela identidade dos seus povos. O nacionalismo não conta nada. O objetivo deles é religioso, um desafio ao mundo cristão e iluminista. É esse, também, o caso da Al-Qaeda e de outros grupos terroristas”.


 


Na Liga Árabe, Nasralá conta com o aval do Sudão, Iêmen, Catar e Argélia. Também da nacionalista Síria, da qual recebe recursos. Não fecham com o Hezbolá os governantes do Egito, da Jordânia, Arábia Saudita e do Kuwait, que vêem em Nasralá uma ameaça capaz de derrubá-los do poder, além do seu fanatismo religioso xiita. E o Hezbolá tornou-se o braço guerreiro iraniano, na tentativa de expansão de um islamismo fascista.


 


Por isso, durante o vértice ocorrido em 26 de julho em Roma e cuja meta era obter um imediato cessar-fogo, o presidente Hosni Mubarak tirou o corpo quando feita a proposta de o Egito liderar uma força militar de interposição entre Israel e Líbano, com a tarefa de desarmar o Hezbolá nos termos da Resolução 1.559 da ONU.


 


Nasralá soube explorar o dissenso entre o Mossad, inteligência civil, e o Aman, espionagem militar, ambos de Israel. Esse desacerto ficou patenteado depois do massacre na cidade de Qana, com 60 civis mortos, dentre eles 36 crianças. Conforme a tradição católica muito contestada quanto ao local geográfico, na atual Qana ocorreu o primeiro milagre de Jesus Cristo, narrado no Evangelho de João, a transformação de água em vinho, por ocasião de uma festa de casamento.


 


Para o Aman, o Mossad erra ao privilegiar a busca de informações mediante a infiltração e a cooptação de pessoas nas hostes inimigas. Os 007 do Aman desprezam o sistema de contato pessoal e optam pela tecnologia: vôos de aparelhos não tripulados, imagens tridimensionais etc. Enfim, tudo o que os militares imaginavam ser capaz de orientar, com segurança, disparos de mísseis para atingir apenas alvos do Hezbolá. Nada de compra de informações entre a população. Com isso provocaram a tragédia de Qana e atingiram mortalmente os observadores da ONU.


 


Para o Mossad, o aparato militar do Hezbolá só foi em parte destruído. Para os otimistas do Aman, bastam poucas semanas para a completa destruição. O problema maior, e a divisão no Conselho de Segurança da ONU acaba por contribuir, é que, num balanço fechado na quarta-feira 2, já foram mortas no Líbano 200 crianças e 828 civis. Os feridos são estimados em 3,2 mil.


 


Pelas declarações do premier Ehud Olmert, que sustentou na segunda 31 precisar o Exército de mais 15 dias para neutralizar o Hezbolá e eliminar o risco de continuar a experimentar mísseis em seu território, prevalece a orientação do Aman. Para Bush, as condições para um acordo na ONU passam pelo desarmamento do Hezbolá, de modo que o Líbano possa controlar o seu território, o compromisso do Irã de não mais financiar e armar o Hezbolá e o fim das intromissões da Síria.


 


A opção militar levou a uma série de erros e a um mar de sangue. Zeev Sternhell, professor de Ciências Políticas da Universidade de Jerusalém e autor do livro Nascimento de Israel, pondera: “Em vez de operações de terra para enfrentar o Hezbolá, o premier e os seus generais decidiram alvejar Beirute, o aeroporto, as centrais elétricas, as pontes, tudo na esperança de que os libaneses se rebelassem contra quem provocou esse conflito. Essa foi uma escolha estúpida. Fizemos o jogo do Partido de Deus (Hezbolá), pois, quando ocorre um conflito, os movimentos de guerrilha fazem a população sofrer junto com eles. Se todos se tornam vítimas, o ódio volta-se contra o inimigo deles”, ou seja, Israel.


 


No momento, o premier Olmert já percebeu que sua meta de destruir militarmente o Hezbolá é impossível. Em razão disso, pretende, como vazou, criar, no sul do Líbano, um corredor de 7 quilômetros para ser entregue a uma força internacional de paz. Assim, evitaria a queda dos mísseis no seu território e, nas negociações, pressionada a Síria, teria os soldados seqüestrados de volta. Nesse conflito sangrento, uma coisa é certa: quem imagina combater em nome de Deus transformou-se em mito, a preocupar também os árabes moderados.


 


Fonte: Carta Capital