Repressão israelense contra palestinos é origem de conflitos, diz pesquisadora

O surgimento de grupos extremistas como o Hezbolá e a maioria dos confrontos das últimas décadas entre árabes e israelenses têm origem no início do século passado, quando começou a opressão contra os palestinos, explicou a doutora em História, professora

“O Estado de Israel foi criado para reparar os judeus, mas os palestinos, que não tiveram nada a ver com o massacre — o Holocausto —, acabaram se tornando as vítimas das vítimas do Holocausto”, disse ela, em entrevista ao programa Revista Brasil, da Rádio Nacional. Abaixo, os principais trechos da entrevista.


Agência Brasil – Uma pesquisa sobre o que as pessoas entendem a respeito do conflito na Palestina revelou que muita gente acredita que são dois países independentes, Palestina e Israel, que disputam uma região de fronteira.


Arlene Clemesha – Não há dois países, existe Israel e existe uma população palestina em territórios ocupados por Israel. A forma como a mídia apresenta o problema traz muita confusão. A própria não-utilização do termo “ocupação militar” faz com que as pessoas não saibam que existe uma ocupação militar em Gaza e na Cisjordânia. Em vez de “ocupação militar” e “resistência palestina”, fala-se em “conflito”, como se houvesse dois lados iguais, dois países disputando um território. Não é bem o caso. Essa resistência palestina também é tratada como terrorismo, sendo que é a resistência de uma população com alguns grupos extremistas, como existem grupos extremistas dentro de Israel. Uma resistência legítima, contra uma ocupação militar que dura quatro décadas. O estado palestino nunca foi criado. Não existe esse estado palestino.


Mas existe um estado israelense. Quando ele foi criado?


Em 1947 a  Organização das Nações Unidas (ONU) demarcou o território onde deveria ser criado o estado palestino, que seria aproximadamente a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Naquele ano foi dividido o território da palestina entre judeus, que estavam chegando na região desde o início do século 20, e a população palestina, que vivia ali há centenas de anos. Nessa partilha, o estado de Israel ficou com aproximadamente 55% da terra da Palestina. O estado da Palestina, que não foi criado, ficaria com 45% do território.


Essa divisão gerou um conflito?


Em 1948, houve uma guerra. Mas um ano antes já havia uma guerra de milícia, as milícias judaicas, que depois deram origem ao exército israelense. Em 1946 já ocorriam atentados a bomba praticados por israelenses, que geraram uma situação de terror dentro da Palestina. A historiografia registra 25 massacres nesse período contra a população palestina. Essa situação de medo levou a uma população de 750 mil de refugiados palestinos. Fugiram da região onde foi criado o estado de Israel para o Líbano, Síria, Jordânia, Gaza e Cisjordânia. Hoje é uma população de mais de quatro milhões de refugiados em 59 campos em toda essa região. Esses campos se assemelham a grandes favelas ou cidades precárias. A população de refugiados palestinos corresponde a um terço de todos os refugiados do mundo todo.


Por que a ONU entregou à Israel terras dos palestinos?


Até a Primeira Guerra Mundial, havia um pequena população de judeus, cerca de 5% da população total da Palestina, vivendo em harmonia com os árabes. De vez em quando havia algum conflito, mas que não passava de um conflito tipo Palmeiras e São Paulo aqui no Brasil. Depois da Primeira Guerra, a Palestina, que era parte do Império Otomano, passou a ser dominada pela Grã-Bretanha, por um mandato outorgado à Inglaterra pela Liga das Nações, antecessora da ONU. A Palestina fazia parte do Império Otomano, que foi derrotado e, fragmentado, deixou de existir. Suas áreas passaram a possessões de outros países. No caso da Palestina, a Inglaterra passou a dominar a região até 1947. Durante esse período, a Inglaterra permitiu e favoreceu a imigração de judeus. A população judaica passou de 5% no início do século 20 a quase 40% da população total em 1946. Durante essa imigração começaram os choques entre os dois povos, mas sem grandes proporções. A partir de 1947 é que se cria o problema dos refugiados, a expulsão maciça de 750 mil palestinos. Depois de 1947, durante 20 anos, Gaza ficou sob administração do Egito, e a Cisjordânia ficou sob administração da Jordânia.


Então os palestinos conseguiram um território, Gaza e Cisjordânia?


Em 1967, uma nova guerra levou à ocupação, por parte dos israelenses, de Gaza, Cisjordânia e das Colinas de Golan, na Síria, territórios que estão ocupados por Israel até hoje . É a maior ocupação da história atual. O povo palestino acabou pagando por um crime cometido por países europeus, com a cumplicidade desses países.


Por que Israel não concorda com a divisão da ONU?


O estado de Israel foi criado para reparar os judeus, mas os palestinos, que não tiveram nada a ver com o massacre, acabaram se tornando as vítimas das vítimas do Holocausto. Os judeus, que até meados do século 20 se concentravam na Rússia, preferiam imigrar para os EUA, onde havia mais chances de trabalho de desenvolvimento. O Holocausto mudou tudo isso. Os judeus chegaram à conclusão de que não havia mais como fugir, o mundo passou a ser um mundo sem visto para eles. E eles acharam que o estado de Israel poderia ser a solução de seus problemas. Hoje, o estado de Israel pratica racismo contra a população palestina interna, se configura como um estado de apartheid. O problema acabou gerando mais anti-semitismo ainda, o que é lamentável, um crime histórico.